Resumo: Liderança feminina é um tema que está em alta. E por quê? Porque as mulheres ainda ocupam poucos cargos da alta gestão, seja no Brasil ou no mundo. Grupos de pesquisas estão se debruçando em estudar as questões do trabalho feminino e as dificuldades de progressão enfrentadas pelas mulheres até os dias de hoje. Muitos símbolos são usados para representar essas barreiras, como degrau quebrado, teto de vidro, labirinto, abelha rainha, entre outros. A busca por mais justiça social perpassa muitos assuntos, e este é um deles. Mulheres são gestoras natas, se compararmos o que as mulheres fazem em sua rotina com a de grandes empresários, elas não saem perdendo em nada (planejamento, tomada de decisões, estratégias e gerenciamento de riscos etc.). Este artigo convida para uma leitura, reflexões e contribuições. Subir a montanha sozinha é mais difícil que acompanhada, não acha?
Contexto histórico e socioeconômico
Quando pensamos na progressão de carreira e ocupação de cargos de gestão, incluindo altos cargos, a distância entre os homens e as mulheres é algo que se faz notar. A história que conhecemos foi contada pelos homens, e raramente deu destaque as conquistas femininas, legando papeis desvalorizados e invisíveis na sociedade.
O patriarcado levou mais de 2,5 mil anos para se consolidar, é uma criação histórica formada por homens e mulheres. Os comportamentos apropriados aos sexos eram expressos em valores, costumes, leis e papeis sociais. A sexualidade das mulheres e sua capacidade reprodutiva foi modificada antes da criação da civilização ocidental. O aparecimento da agricultura no período Neolítico fomentou a troca de mulheres intertribal, não só para evitar conflitos através da consolidação das alianças pelo casamento, mas também porque sociedades com mais mulheres produziram mais filhos, que poderiam ser usados na produção e acúmulo de excedentes. As mulheres se tornaram recursos a serem adquiridos, assim como as terras, seja através do casamento ou da escravidão (Lerner, 2019, p. 261-262).
O capital destinou à mulher, numa jogada dupla, o papel de criada e amante, aquela que dá a estrutura para que os homens sejam capazes de se instalar na máquina produtiva. A jogada genial foi convencer as mulheres que isso era inato a sua natureza, o trabalho doméstico e de cuidado, e que esse é seu papel na sociedade. Assim, a “mulher de verdade” é aquela que se ocupa dessa função.
As mulheres foram convencidas a trabalhar arduamente e a entender que seu trabalho não é trabalho, mas sim amor e dedicação à família, e, por ser assim, todo esse trabalho não é remunerado, visível ou reconhecido.
Silvia Federici (2019, p. 46) menciona que podemos não servir a um homem, mas todas estamos em uma relação de servidão no que concerne ao mundo masculino como um todo. Não importa a ocupação exercida por uma mulher, as consequências do patriarcado estarão em suas costas, gerando pressões em diferentes níveis, sobrecarga de trabalho e adoecimentos.
Em 2024, a população feminina com idade para trabalhar (14 anos ou mais) representava 51,7% das pessoas aptas ao trabalho no país. Entretanto, a taxa de participação feminina na força de trabalho era de 53,1%, ou seja, das mulheres com 14 anos ou mais de idade apenas 53,1% delas estavam inseridas no mercado de trabalho, independente do trabalho ser formal ou informal. Já a taxa de participação na força de trabalho masculina chega a 72,7% (IBGE, 2024a).
As mulheres possuem maior taxa de desocupação (7,7%) em relação aos homens (5,3%). A desocupação para o IBGE significa que alguma medida para conseguir emprego foi tomada – representado um total de 3,7 milhões de mulheres que buscaram emprego no quarto trimestre de 2024. Outro dado que mostra o desejo das mulheres em ampliar sua participação no mercado de trabalho é a maior taxa de subocupação por insuficiência de horas trabalhadas, representando 52,4% dessa amostra de trabalhadores que consideram o número de horas trabalhadas semanalmente insuficientes (IBGE, 2024a).
Realidade das mulheres na gestão e/ou na liderança
Estudo sobre desigualdade de gênero no Brasil, realizado pelo IBGE (2024b), levantou que em 2022, 39,3% dos cargos gerenciais eram ocupados por mulheres, com predomínio em cargos de gerência nas atividades econômicas voltadas para a saúde humana e serviço social (70% dos cargos) e educação (69,4% dos cargos). Os rendimentos das mulheres em cargos gerenciais foi 78,8% do rendimento masculino (R$6.600 em média).
Entre as conclusões desse estudo realizado pelo IBGE (2024b), a maior escolaridade das mulheres ainda não se reflete em melhores oportunidades no mercado de trabalho.
O papel histórico de gênero atribuído às mulheres, como cuidadoras e responsáveis pelas suas famílias e casas, gera sobrecarga de trabalho e fatores de risco para o adoecimento. Invisível, até que alguém deixe de fazê-lo, o trabalho de cuidar é desvalorizado até quando remunerado, sendo as ocupações com piores remunerações no mercado de trabalho e, ainda assim, as profissões mais buscadas como formação superior pelas mulheres.
É importante entendermos que a lógica do mercado de trabalho e o que se considera liderança foi escrita por homens e para homens. Os comportamentos, vestimentas, jogos de poder e decisão envolvem o mundo racional masculinizado, competitivo e narcisista. Quando uma mulher se torna executiva de uma grande empresa, a pergunta sobre a conciliação entre o trabalho e a família lhe é imposta. O mesmo não ocorre com os executivos homens.
Exemplos de mulheres que foram rainhas, líderes tribais, inventoras, escritoras, cientistas no passado são desproporcionalmente inferiores aos homens. Muitas dessas mulheres entregaram suas produções para serem aceitas pela sociedade da época, precisaram de um homem para referendá-la ou simplesmente tiveram suas ideias roubadas.
Mesmo nos dias de hoje, vemos mulheres assumirem lideranças de movimentos em prol de mais liberdade, direitos sociais ou na luta contra a violência e preconceitos.
Malala Yousafizai, a mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz, símbolo da luta pelo direito à educação das meninas, sobrevivente da violência extremista do Talibã.
Maria da Penha Maia Fernandes lutou pela criação da lei Maria da Penha (proteção legal contra a violência). Nise da Silveira foi uma das primeiras mulheres a se formar em Medicina no Brasil, foi a única em uma turma de mais de 150 homens. Também foi pioneira na psicologia junguiana no país, bem como nas pesquisas sobre a relação emocional de pacientes com animais.
Aos 22 anos, Nísia Floresta escreveu o livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, o primeiro entre outras 14 obras publicadas pela educadora, jornalista e poetisa em defesa dos Direitos Humanos no Brasil. Antonieta de Barros (1901-1952) se tornou a terceira mulher e a primeira parlamentar negra a ser eleita no Brasil, em 1935. trilha o caminho do empreendedorismo desde os 12 anos de idade, quando ajudava a complementar a renda da família. Mesmo trabalhando na área de Comunicação, ela seguiu frequentando feiras de empreendedorismo, o que a motivou a criar um evento que valorizasse a cultura negra nesses espaços. Assim nasceu a Feira Preta (Fundação Lemann). Esses nomes são exemplos de pioneirismo, perseverança e muita luta.
O histórico de exclusão feminina está ligado a diversos fatores, como a divisão sociossexual do trabalho, sobrecarga doméstica e preconceitos institucionais.
Essas barreiras têm sido mapeadas pela literatura ao longo dos anos e diversas metáforas são utilizadas para elucidar como elas, sendo visíveis ou invisíveis, dificultam e tornam exaustiva a jornada das mulheres para ascender ao poder e a cargos de alta gestão, dentro desta lógica patriarcal, sendo alocadas em cargos de liderança, preferencialmente, em situações de crise, devido ao estereótipo e expectativas de que elas conseguem manejar a situação com suas habilidades socioemocionais. Entretanto, o que se observa na prática é que o que consideramos liderança no ambiente de trabalho é um conceito criado pelos homens, que impõe às mulheres uma necessidade de se provar duas vezes mais.
Jornada para a liderança feminina
Na luta por ascensão na carreira, muitas mulheres esbarram em tetos de vidro, dificuldades invisíveis, porém presentes em sua progressão.
Labirintos da liderança, outro conceito usado evidencia as dificuldades e percalços enfrentados pelas mulheres, em uma jornada tortuosa até cargos com maior destaque. Tal situação não ocorre com os homens, pois estes tendem a favorecer uns aos outros. O degrau quebrado é outra metáfora utilizada. Ele impede que a mulher siga em frente. Tudo é feito para que a mulher se desmotive e não siga em frente em suas ambições. Inclusive, a cultura impõe ao feminino a ideia de sacrifício, quase análoga à escravidão ou submissão.
Mulheres ambiciosas precisam se disfarçar, criar estratégias e entre elas, se associar aos homens para galgar posições mais privilegiadas.
Seguindo essa ideia, outro conceito importante é o da abelha rainha, aquela cujo trono não pode ser dividido. Ao invés de ajudar outras mulheres a alcançarem o sucesso profissional, este tipo de líder apresenta um discurso de que cada um deve fazer seu caminho, afinal, ela teve que lutar tanto. A jornada feminina para a liderança é cheia de metáforas, símbolos de dificuldades e preconceitos.
Segundo as Estatísticas de Gênero, produzidas pelo IBGE, as barreiras de acesso a estruturas de poder e aos processos de tomada de decisão para mulheres no Brasil crescem com a posição do cargo e idade da mulher. A título de exemplo, poucas mulheres ocuparam cargos no Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da justiça brasileira, dos 171 ministros, apenas 3 foram mulheres e nenhuma delas era negra.
Aqui estamos falando de uma imagem arquetípica importante, a do(a) líder – aquele(a) capaz de inspirar pessoas e mobilizá-las para o alcance de objetivos propostos. O(a) líder é alguém que se destaca, com boa eloquência ao falar e se portar, discurso coerente e persuasivo. O discurso corrente sobre liderança a associa a algo nato, entretanto, torna-se líder é alcançar autoridade e para isso é necessário empreender uma jornada. A liderança pode ser exercida em diferentes direções e intencionalidades, gerando impactos positivos por um lado, e negativos por outro, a depender das lentes e dos envolvidos.
Jironet (2012, p. 17) afirma que toda mulher é uma líder. Considerando liderança como a capacidade de pensar, se mover, sentir, interagindo conscientemente com tudo isso, enquanto faz escolhas da vida no dia a dia. Ou seja, a mulher é líder de sua vida exclusiva, seja no espaço corporativo ou em outro ambiente.
Jironet (2012) faz um paralelo da liderança com a jornada pelo purgatório proposta por Dante na Divina Comédia.
Segundo ela “a pessoa que insiste em se considerar o centro da criação nega sua natureza fundamental e rejeita sua mais profunda realidade”. Uma das questões importante para um(a) líder é manter-se consciente de seu papel e não distorcer sua autoimagem acima do real, o que Jung chama de hybris, símbolo do orgulho exagerado, arrogância, insolência, descomedimento ou violência. Segundo Junito (1986, p. 172), a hybris (violência) se opõe a Díke (justiça). “Díke e Hýbris, Justiça e Violência, uma ao lado da outra, oferecem ao homem duas opções igualmente possíveis entre as quais compete a ele escolher. A esse mundo tão contrário em que triunfará a Hýbris, restando ao homem tão-somente a anarquia, a desordem e a infelicidade”.
Na Divina Comédia, o purgatório é uma montanha cercada pelo mar e é habitado por aqueles que fazem penitência depois da morte para expiar seus pecados na Terra.
Divide-se em três partes, que representam três maneiras diferentes de abordar o amor erroneamente. Os três primeiros níveis expiam o amor pervertido ou amor que prejudica o próximo: orgulho, inveja e ira. No meio está a preguiça, ou amor defeituoso. E nos três níveis superiores, o amor excessivo a objetos secundários: avareza, gula e luxúria (JIRONET, 2012, p. 36-38).
A busca pelas virtudes em cada etapa nos libera para a próxima.
O anjo da humildade recebe a líder orgulhosa, o anjo da generosidade, a invejosa; o anjo da suavidade, a colérica; o anjo da diligência, a preguiçosa; o anjo da caridade, a avara; o anjo da temperança, a gulosa; e o anjo da castidade recebe a luxuriosa (JIRONET, 2012, p. 39). Cada pecado citado por Dante é uma sombra que nos habita como seres humanos, e líderes, como pessoas em destaque podem exacerbar uma ou duas delas ao longo de sua trajetória e conquistas profissionais. É importante ter discernimento para não perder se sua própria alma.
As dificuldades da jornada de trabalho e progressão feminina levam muitas mulheres a exacerbarem o animus, sua contraparte masculina, equiparando-se aos homens em comportamentos.
Tal atitude leva a desconexão com parte de sua essência, sua feminilidade e outros projetos de vida além do trabalho. Uma persona mais agressiva pode acarretar prejuízos físicos, emocionais e psíquicos. O discurso predominante atualmente é o cansaço, o burnout (exaustão), crises de ansiedade e pânico, depressão, adoecimento, entre outros.
As pressões externas são reflexos dos conflitos internos, e eles não são de agora. Seguindo a ideia de inconsciente coletivo que Jung propõe em sua obra, o que a sociedade vive no aqui e agora faz parte de sonhos e projeções de gerações passadas. Nossas avós viveram uma realidade em que mulheres lutavam pelo voto e por direitos básicos. Nossas mães viveram a revolução sexual, a abertura do mercado de trabalho para as mulheres, mesmo que timidamente no começo. E antes delas, muitas gerações de mulheres insatisfeitas com sua condição socioeconômica e relacional impregna as vozes das mulheres que buscam por mudanças hoje. Nós achamos que a voz é nossa, de verdade ela é partilhada, impregnada por projeções e atravessamentos de complexos inconscientes compartilhados coletivamente.
Os novos passos são rumo a uma equidade maior, restruturação das imagens que homens e mulheres fazem de si, e dessa forma, alimentando as imagens arquetípicas do feminino e masculino. Certamente, estamos em um período de mudanças.
O grande desafio é a integração das dimensões pessoal, emocional, estética, ética, existencial e espiritual da existência (JIRONET, 2012, p. 179). O alcance desse objetivo não será realizado de maneira individual, mas coletiva entre e para as mulheres, que deve incluir os homens nessa partilha de experiência, repactuação de saberes e práticas da vida cotidiana, do cuidado e combate aos preconceitos das imagens que fazemos de homens e mulheres em nossa sociedade. Políticas públicas e institucionais são necessárias, e serão fruto das ações do presente de homens e mulheres que buscam pela equidade social, equilíbrio nas relações e um novo modelo de homem e mulher a ser construído conjuntamente.
Michella Paula Cechinel Reis – Analista em formação IJEP
Simone Magaldi – Analista Didata IJEP
Referências:
BRANDÃO, J.S. Mitologia grega, volume I. Petrópolis: Vozes, 1986.
FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante, 2019.
FUNDAÇÃO LEMANN. Cinco lideranças brasileiras que transformaram o Brasil. Disponível em: https://fundacaolemann.org.br/noticias/5-liderancas-brasileiras-que-transformaram-o-brasil. Acesso em 30/03/2025.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024a). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral, dados do terceiro trimestre de 2024. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas. Acesso em 12 de janeiro de 2024.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024b). Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil. 3 ed. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/9ac298aaf1203418036ae00bf1272e92.pdf. Acesso em 17 de dezembro de 2024.
JIRONET, K. Liderança feminina: gestão, psicologia junguiana, espiritualidade e a jornada global através do purgatório. São Paulo: Ed. Paulus, 2012.
LERNER, G. A criação do patriarcado: histórias da opressão das mulheres pelos homens. São Paulo, Cultrix, 2019.

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