Resumo: Este artigo propõe destacar a importância de Toni Wolff, figura fundamental na vida e obra de Carl Gustav Jung, especialmente em seu confronto com o inconsciente e na ampliação de seus conteúdos, que foram as sementes de sua obra. Embora seja mais conhecida por seu relacionamento amoroso com Jung, Wolff foi também uma colaboradora intelectual essencial, presidindo o Clube de Psicologia de Zurique por décadas. Esse artigo ressalta que, apesar das poucas referências diretas à sua contribuição teórica, há um movimento recente de redescoberta do pensamento de mulheres próximas a Jung, como Emma Jung e Toni Wolff, enriquecendo o entendimento sobre o desenvolvimento da psicologia analítica a partir de perspectivas femininas.
No ano em que comemoramos os 150 anos de Carl Gustav Jung, minha proposta é escrever um artigo não sobre ele diretamente, mas sobre uma figura feminina que foi muito importante em sua vida, especialmente em seu confronto com o inconsciente. Pouco conhecemos sobre Antônia Anna Wolff ou Toni Wolff, como ficou conhecida, exceto o fato de ter sido amante de Jung. Porém, mais do que uma amante, Dr. James Kirsch e Dr. Joseph Handerson entendiam que Toni Wolff foi a segunda esposa de Jung (HEALY, 2017, p. 98, tradução nossa), um casamento muito além do convencional, uma união de pensamentos e alma.
O relacionamento amoroso de Jung com Toni Wolff nunca foi um segredo, seja para sua família ou para a comunidade junguiana, apesar de ter ocorrido em uma época extremamente conservadora.
Os relacionamentos extraconjungais, especialmente na elite europeia, eram considerados imorais e escandalosos e eram tolerados apenas se fossem mantidos em segredo. Esse não foi o caso, Jung assumiu abertamente seu relacionamento com Wolff. No documentário A Matter of Heart (1986) os analistas entrevistados relataram que Wolff e Jung eram vistos caminhando juntos perto do Instituto de Zurique e que o carro de Jung ficava estacionado em frente à casa dela, sem que houvesse nenhuma tentativa de esconder que estavam juntos. Descreveram o relacionamento entre Jung e Wolff como não convencional, único como o próprio Jung (WHITNEY, 1986).
Em uma nota de rodapé constante na carta de resposta de Jung ao Dr. James Kirsch, na qual Jung agradecia a carta enviada pelo médico por ocasião da morte de Toni Wolff, esta é retratada como amiga e colaboradora de Jung (JUNG, 2002, p. 288). Nesta nota, também, há a informação de que a Srta. Wolff foi presidente do Clube de Psicologia de Zurique desde a sua fundação, ou seja, de 1916 a 1952. De modo geral, são poucas as citações ou referências a Toni Wolff na obra de Jung.
O objetivo deste artigo, porém, não é analisar o relacionamento amoroso entre Jung e Toni Wolff, mas sim destacar a contribuição de Wolff para o desenvolvimento da psicologia analítica, bem como ressaltar seu pensamento em relação ao feminino.
Muito pouco foi dito sobre a contribuição das mulheres mais próximas do coração de Jung, Emma Jung e Toni Wolff, para a psicologia analítica. Ambas eram analistas e frequentavam o Clube Psicológico de Zurique, mas muito pouco sabemos de sua contribuição teórica. Porém, tem havido um movimento recente de resgate do pensamento e obra destas duas mulheres extraordinárias, o que tem possibilitado a comunidade junguiana ter acesso a um conteúdo valioso que traz uma outra perspectiva ao processo de criação e desenvolvimento do pensamento que deu luz a psicologia analítica, incluindo desta vez o ponto de vista de quem conviveu intimamente com Jung.
Toni Wolff nasceu em 18 de setembro de 1888 em Zurique, na Suíça. Teve uma educação típica das herdeiras europeias. As mulheres de famílias ricas, em sua época, tinham uma educação bastante tradicional, voltada para a preparação para o casamento. Toni, então, foi para um colégio de meninas em Genebra após o segundo ano do primário para aprender boas maneiras, etiqueta e francês, matérias necessárias para que as moças suíças conseguissem um bom casamento (HEALY, 2017, tradução nossa).
Toni Wolff, porém, não era uma moça particularmente convencional.
Após completar 18 anos foi para a Grã-Bretanha aprender inglês. Tinha como sonho entrar na universidade, o que não era socialmente aprovado em se tratando de uma jovem suíça de família abastada. A norma social da época, contudo, pedia que jovens mulheres de famílias ricas fossem destinadas apenas ao casamento, selando acordos estratégicos que permitiam expandir o poder social e econômico de forma a garantir a continuidade e expansão do patrimônio familiar (Ibid.)
Sua fome por aprender era tal que, sozinha, conseguiu um vasto conhecimento, a ponto de convencer o pai a deixá-la frequentar os cursos na Universidade de Zurique.
Extraoficialmente, como ouvinte, cursou filosofia, literatura, teologia e história (WOLFF, 2025, p. 287), formando uma base sólida de conhecimentos que foram importantes posteriormente para sua formação e atuação como analista, além dos seus conhecimentos de filosofia terem ajudado Jung no desenvolvimento da sua obra. Este fato fica evidente em seu livro Fundamentos da Psicologia Complexa, onde o principal autor citado foi também seu professor de filosofia, Heinrich Rickert (WOLFF, 2025).
Quando estava com 21 anos seu pai morreu e Toni Wolff entrou em uma severa depressão. Sua mãe, muito preocupada, aceitou então a recomendação de uma amiga e a levou para análise com Jung. Ela entra em análise em setembro de 1910 (HEALY, 2017, p.34, tradução nossa).
Jung percebeu, durante a análise de Toni Wolff, o potencial intelectual e os seus conhecimentos de filosofia e religião (BAIR, 2017, p.262).
Toni Wolff teve um papel importante durante os anos que Jung fez seu confronto com o inconsciente, ajudando a elaborar e desenvolver os conceitos que se tornaram sua obra, posteriormente.
Durante os anos de 1913 a 1918, Wolff esteve junto a Jung, acompanhando seu mergulho no inconsciente (HEALY, 2017, p. 115, tradução nossa). Eles se encontravam com regularidade para discutir as experiências de Jung (Ibid, p.117).
Wolff foi para Jung uma Ariadne, guiando-o com seu novelo de lã de volta a consciência. Anos após esta experiência, Franz Jung coloca que:
Toni Wolff, de certa forma, salvou a vida do meu pai e sua sanidade. […] Eles eram “co-terapeutas”, ele trabalhava com os sonhos dela e ela com os dele. Era o período de 1913-1919. Ela estava constantemente em companhia dele.
(HEALY, 2017, p.144, tradução nossa).
Foi WOLFF quem sugeriu a Jung o termo “Psicologia Complexa”, termo que foi utilizado por Jung por volta da década de 1930 para enfatizar “a perspectiva teórica e cultural de seu pensamento em relação a sua aplicação clínica, essa bem mais identificada pela expressão “psicologia analítica”” (WOLFF, 2025, p. 11). Wolff coloca que:
É necessário esclarecer aqui como o termo “Psicologia Complexa” se relaciona com o termo “Psicologia Analítica”, frequentemente utilizado até então. A designação “Psicologia Analítica” foi estabelecida por JUNG e pela Escola de Zurique, fundada por ele, quando se separaram da psicanálise freudiana em 1913. Até então JUNG havia presidido a Associação Internacional de Psicanálise.
(WOLFF, 2025, p.26)
Na obra Fundamentos da Psicologia Complexa Wolff realiza, em suas próprias palavras, “uma investigação metodológica e uma visão geral sistemática. […]Tal sistematização se trata de uma tentativa de destacar e delimitar, até certo ponto, o espaço intelectual das ideias propostas por Jung” (WOLFF, 2025, p.19).
Wolff faz, nesta obra, uma contribuição teórica e institucional, de organização do pensamento junguiano, fundamentada na filosofia e destacando o papel da psicologia complexa na compreensão e transformação cultural.
Formas Estruturais da Psique Feminina
Em 1934 Toni Wolff apresentou um ensaio no Clube de Psicologia de Zurique, que entendia ser um complemento à teoria das funções psicológicas de Jung a saber: pensamento, sentimento, sensação, intuição. Wolff desenvolveu uma teoria inovadora para sua época, que buscou apresentar uma nova forma de pensar a psique feminina. Este ensaio foi apresentado também no Instituto C.G. Jung de Zurique em 1948, de uma forma expandida (VEMEESCHE, 2021, tradução nossa).
Esta nova forma de pensar a estrutura psíquica lançada por Toni Wolff propõe um novo olhar sobre a psique feminina.
Segundo Wolff (1956, p. 1, tradução nossa) este texto foi escrito com a intenção de ajudar as mulheres modernas, ou seja, de sua época, em seu caminho de autoconhecimento e autorrealização. A integração das quatro formas ou tipos estruturais que Toni Wolff propõe em seu ensaio seria um caminho para a individuação feminina.
Toni Wolff entendia que esta mulher moderna precisava conhecer não apenas a sua atitude e função psicológica básica, mas também entender qual estrutura da psique corresponderia melhor a sua personalidade. Isso porque Wolff entendia que havia uma diferença entre homens e mulheres e que, por isso, seria necessária esta complementação da teoria. No caso dos homens ela dizia que:
As suas conquistas culturais são determinadas pelo espírito. Consequentemente, a sua atitude consciente e a sua forma de lidar com a realidade baseiam-se, geralmente, na função mais diferenciada.
(WOLFF, 1956 p.1 e 2, tradução nossa)
Para Wolff a mulher é “condicionada por natureza pela alma e é mais coerente no sentido de que seu espírito e sua sexualidade são coloridos pela psique” (Ibid., p.2). Ela continua dizendo que:
Assim, a sua consciência é mais abrangente, mas menos definida. A forma psíquica tende a manifestar-se em formas de vida que podem corresponder à forma estrutural feminina e ao período cultural em questão.
(Ibid)
Wolff entendia a psique feminina como uma estrutura que possui quatro formas fundamentais. Entendia também que estas formas têm em comum com os tipos de função psicológica a reação contrária de seus eixos. Além disso, explicou que estas formas podiam ser encontradas na história da cultura e que, desta maneira, são provavelmente de natureza arquetípica. Estas estruturas correspondem também aos aspectos da anima masculina (WOLFF, 1956, p.5, tradução nossa).
Esquematicamente, a estrutura seria representada da seguinte forma, conforme Wolff (Ibid.):

No eixo vertical, composto pela Mãe e Hetaira em extremidades opostas, existem estruturas que são pessoalmente relacionadas, ou seja, o foco do relacionamento é com outras pessoas. Desta forma, a Mãe (e esposa) se relaciona com seus filhos (e marido) e a Hetaira se relaciona com seu parceiro, companheiro, marido, amante ou amigo.
Já no eixo horizontal há a Mulher Médium e a Amazona em extremidades opostas. Estas estruturas são impessoalmente relacionadas, pois sua relação não se dá com as pessoas, mas sim com o coletivo: a Mulher Médium tem seu foco nos fenômenos relacionados ao inconsciente coletivo e a Amazona se relaciona com os valores culturais objetivos de sua época, que Wolf chamou de consciência coletiva.
Abaixo segue o detalhamento das quatro estruturas, conforme definido por Toni Wolff.
A Mãe
Wolff (Ibid., p. 6) descreve a mãe como aquela que encontra sua realização em seu relacionamento com aquilo que precisa de proteção, ajuda e desenvolvimento, esforçando-se para fortalecê-lo… Segundo Vermeesch
Mulheres que se identificam principalmente com essa forma estrutural frequentemente se casam, têm filhos e concentram toda a sua energia em construir um lar no qual toda a família prospere. Seu foco está na educação dos filhos, nas qualidades paternas do marido ou parceiro, em ter uma vida familiar bem-organizada, saúde, segurança, alimentação saudável, ter um lar confortável, obter e manter uma boa posição social apoiando a carreira do parceiro etc.
(VEMEESCHE, 2021, tradução nossa)
De forma alternativa ou simultânea, ela pode escolher uma profissão ou atividade maternal na qual ajude, cuide ou ensine muitas pessoas além de sua família imediata. Nesse caso, o lugar do lar é ocupado por instituições ou organizações de utilidade pública, como hospitais ou escolas, por exemplo (WOLFF, 1956, p. 6, tradução nossa).
Por outro lado, a estrutura mãe tem como um dos aspectos negativos a superproteção, que pode interferir no desenvolvimento do outro (Ibid.).
A Hetaira
A hetaira ou companheira tem como objetivo promover a individualidade e o desenvolvimento pessoal do masculino. Seu foco está principalmente na qualidade das relações com seu companheiro, amigo ou de seus filhos, se for casada. Seu interesse maior está em apoiar o desenvolvimento da vida interior de seu parceiro, seus interesses individuais, inclinações e sonhos criativos (Ibid. p.7, tradução nossa).
Wolff descreve o relacionamento da mulher tipo hetaira da seguinte forma:
Ela transmitirá a ele o senso de um valor pessoal completamente diferente dos valores coletivos, pois seu próprio desenvolvimento exige que ela experimente e realize um relacionamento individual em todas as suas nuances e profundidades
(WOLFF, 1957, idem)
Segundo Vermeesch, o tipo Hetaira é mais frequentemente ilustrado como “a companheira romântica e sexual de um homem cujos sonhos ela ajuda a realizar” (VERMEESCH, 2017, tradução nossa) embora essa forma estrutural possa também se expressar em uma mulher “que promove a vida interior de seus filhos, amigos próximos ou familiares” (Ibid.).
Como lado sombrio, uma mulher do tipo Hetaira dá ênfase a sua vida interior em detrimento de sua vida e de sua posição no mundo material.
A Amazona
Wolff descreve a amazona como uma estrutura que é independente do homem, pois seu desenvolvimento não tem como base uma relação psicológica com ele. Segundo a autora “seu interesse é direcionado para realizações objetivas que ela mesma deseja realizar” (WOLFF, 1956, p.9, tradução nossa); citando como exemplo as grandes esportistas e viajantes, as que fazem trabalho científico, serviço civil ou negócios, secretárias ou as que “vestem as calças” em casa e mantem seus lares sob disciplina militar (Ibid.).
Como lado positivo da estrutura Amazona Wolff apontou o fato de ser uma companheira agradável ao homem, que não faz demandas pessoais, uma competidora ou rival que deve ser levado a sério.
Por outro lado, como pontos negativos, a estrutura Amazona pode brigar com armas exclusivamente masculinas, abusar das relações humanas visando sua carreira ou usando-as como negócio (WOLFF, 1956, p.9-10, tradução nossa).
Lendo a estrutura da mulher Amazona, não posso deixar de pensar em mulheres como Amelia Earhart, primeira mulher a cruzar sozinha o oceano atlântico pilotando um avião em 1930 e Bertha Lutz, cientista e ativista feminista, que foi parte importante do movimento sufragista brasileiro, que conquistou o direito do voto feminino em 1932. Mulheres pioneiras como Amelia e Bertha faziam parte da época e cultura do período em que Wolff escrevia este ensaio.
A Mulher Médium
A mulher Médium é uma estrutura que está imersa no inconsciente coletivo, no espírito do seu tempo e pode representar aspectos negativos da sociedade. Ela expressa ou age com o que está no ar. Wolff explica que o inconsciente, uma vez constelado, pode se tornar consciente, exercendo um efeito. Esta estrutura da Mulher Médium é dominada por este efeito. Importante que tenha discriminação, para não criar situações de confusão ou mesmo ficar confusa, se perdendo em conteúdos que não lhe pertencem (Ibid., p.11).
A mulher Médium é altamente intuitiva e tem uma forte conexão com o inconsciente coletivo. Suas qualidades podem ser encontradas nas esferas da religião e da espiritualidade, mas também nas artes, na medicina e na cura, na pesquisa e na psicologia (Ibid., p.13)
Caso uma mulher Médium não tenha um ego forte, ela pode ser dominada pelos efeitos do inconsciente. Ela pode não ter a capacidade de discriminar entre o que vem de dentro de si e o que vem do inconsciente coletivo. A mulher Médium pode também ter problemas para encontrar as palavras que expressem o conteúdo do inconsciente que ela acessa, podendo parecer confusa (Ibid.).
Wolff finaliza o ensaio dizendo que, de forma similar as quatro funções básicas, as formas estruturais são todas inerentes as mulheres. A mulher irá perceber qual é a mais consistente com a sua natureza e, aos poucos, uma segunda forma aparece. Ela dá como exemplo a estrutura Mãe. Sua segunda forma será a Amazona ou a Mulher Médium. Desta forma, uma relação pessoal é unida a uma impessoal. Ao longo da vida uma terceira forma poderá ser confrontada, geralmente a que faz parte do mesmo eixo da segunda (Ibid., p. 14).
Wolff afirma que a quarta forma estrutural “não pode ser, por regra, vivida concretamente, representando um contraste muito grande com o carácter original e a realidade” (Ibid., p.15).
Importante notar que a proposta de Wolff de uma estrutura psíquica feminina é fruto das reflexões de uma mulher que estava vivendo fortes questionamentos internos sobre o papel da mulher na sociedade, na década de 1930, que até então era ser esposa e mãe ou, caso não fosse casada, cuidar de seus familiares. E, além disso, que estava vivendo um relacionamento totalmente fora dos padrões da sua época.
Parece-me que ela buscava compreender e classificar, do ponto de vista psíquico, o que ela e as mulheres que estavam no seu entorno e na cultura de sua época estavam vivendo, com as limitações que os aspectos culturais e sociais da sua época impunham.
Lendo seu ensaio hoje, é bastante evidente as definições dos papeis tradicionais de gênero e as relações existentes nesta época, além dos estereótipos baseados no sexo de uma pessoa. Mas, por outro lado, este ensaio mostra Wolff como uma pensadora que foi além da proposta de Jung, abrindo possibilidades para a ampliação e atualização destas estruturas arquetípicas que estão presentes na psique feminina.
Apagamento histórico
Healy (2017) aponta que, apesar da sua participação no desenvolvimento da psicologia analítica, seu papel histórico permanece inexplorado. Sua relação com Jung foi considerada como uma questão sensível, então Wolff foi deixada de lado pela comunidade junguiana.
Wolff não é citada em Memórias, Sonhos e Reflexões e seu nome aparece em poucas citações na obra do Jung. Em O Homem e seus Símbolos, Wolff não é citada na foto do Congresso de Viena de 1911. Healy coloca que, para o analista junguiano Steve Galipeau, Wolff adotou uma postura de Eco em sua relação com Jung, o que fez com que sua voz fosse apagada (Ibid., p. 323, tradução nossa).
Porém não gostaria de torná-la uma vítima. Ela nunca promoveu suas próprias teorias, não pediu por nenhum crédito. Em uma primeira leitura das estruturas femininas propostas por ela, eu a identifiquei como Hetaira, porém, lendo mais profundamente sua biografia, entendi que ela era, como forma estrutural primária, uma Mulher Médium, sendo a Hetaira a forma estrutural secundária.
Ela própria disse que a Mulher Médium carece de um discernimento necessário para fazer a distinção entre o que é dela e o que é do seu amado. E, com isso, apontou que há um risco de tomar o destino de outro como se fosse seu próprio destino, perdendo-se em atitudes que não pertencem a ela. Ela complementa dizendo que ela torna-se a primeira vítima de sua própria natureza. Healy inclusive se pergunta se ela não escreveu isso pensando nela mesma (Ibid., p.214, tradução nossa).
Toni Wolff morreu repentinamente na noite de 21 de março de 1953, à noite, em sua casa, no primeiro dia da primavera, aos 65 anos. Jung não compareceu ao enterro, Emma foi sozinha (Ibid., p. 297). O motivo por não ter comparecido é desconhecido.
Lótus, Freira, Misteriosa, que coloco como título deste artigo, são as palavras que Jung talhou em uma pedra dos jardins de Küsnacht, após a morte de Toni Wolff, para homenageá-la.
A pedra foi talhada com caracteres em chinês que diziam: Toni Wolff/Lotus/Nun/Mysterious (BAIR, 2006, p. 261-262). Ele a colocou embaixo de uma árvore da espécie Ginkgo. Healy menciona que Jung não teve a intenção de colocar a palavra Nun (freira) tomada de forma literal, mas se referindo a uma vestal ou sacerdotisa pagã, alguém que dedicou sua vida aos Deuses. Jung talhou nesta pedra memorial folhas da Ginkgo, como uma expressão de transformação, uma junção do masculino e feminino. (Healy, 2017, p.305 e 306, tradução nossa)
Uma mulher tão extraordinária, tão complexa quanto Toni Wolff não pode ser esquecida. Mesmo que tardiamente, seu lugar na história deve ser reconhecido. Entendo que cabe a nós, analistas contemporâneos, resgatá-la e dar-lhe a voz que lhe foi negada.
Leila Cristina Montanha – Membro Analista IJEP
Maria Cristina Mariante Guarnieri – Membro Analista Didata IJEP
Bibliografia:
BAIR, Deirdre. Jung: uma biografia vol. I, Editora Globo, São Paulo, 2006
BAIR, Deirdre. Jung: uma biografia vol. II, Editora Globo, São Paulo, 2006
JUNG, Carl Gustav: CG Jung – Cartas. Ed. Vozes, Petrópolis, 2002
HEALY, Nan Savage. Toni Wolff & CG Jung: A Collaboration, Tiberius Press, Los Angeles, 2017.
WHITNEY, Mark (Dir.). Matter of Heart. 1986. 107 min. Los Angeles: Kino International, 1986. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=nUee0JjY1eY.
VERMEESCH, Peggy. Toni Wolff’s structural forms of the feminine psyche, Agosto de 2021, disponível emhttps://www.cgjung.net/espace/jps/articles/peggy-vermeesch/toni-wolff-structural-forms-feminine-psyche/, acesso em 12/10/2025 às 14:05.
WOLFF, Toni. Fundamentos da Psicologia Complexa, Editora Sattva, São Paulo, 2025.
WOLFF, Toni. Structural Forms of the Feminine Psyche, Watzlawik, Paul (Tradutor), Students Association, C.G. Jung Institute, Julho 1956, disponível em https://ufdcimages.uflib.ufl.edu/AA/00/00/15/82/00001/AA00001582_00001.pdf, consultado em 01/09/2025, as 14:05h.

