A expressão mandala vem do sânscrito, idioma falado na Índia antiga e significa literalmente círculo, mais precisamente círculo mágico. A mandala pode se manifestar em suas combinações variadas de círculo e quadrado, representando respectivamente o mundo espiritual e o mundo material.
Elas estão presentes no universo desde sempre, remontam épocas remotas como no período paleolítico na história das civilizações, com as chamadas rodas solares. Podemos encontrar mandalas na natureza observando as plantas, em diversas flores, em cristais de gelo, no olho humano, numa teia de aranha, em conchas etc. Podemos também encontrá-las na arquitetura.
Nesse contexto, para Tucci (1993), todo templo é uma mandala, pois o homem quando adentra ao templo considerando-o como o lugar consagrado e percorre ordenadamente os recessos do templo, percorre o “mecanismo do mundo” e quando chega ao lugar mais sagrado identifica-se com a unidade primordial. Elas aparecem também como rosáceas nas catedrais cristãs.
De acordo com Dibo e Arcuri (2010) as catedrais tinham por meta representar a Jerusalém Celeste possuindo janelas circulares e um labirinto no chão da entrada, representando a peregrinação dos fiéis a Jerusalém. Em seu caminho contemplavam as rosáceas que forneciam a iluminação ao ambiente e este ritual mandálico simbolizava a união do homem com Deus.
As mandalas estão presentes em várias religiões
As mandalas estão presentes em várias religiões, principalmente na cultura oriental. Na tradição hindu a mandala representa a presença divina no centro do mundo e são utilizadas nas práticas religiosas, a fim de auxiliar a passagem do estado material para o estado espiritual, podendo ser pintadas, desenhadas para suporte a meditação e desenhadas no chão para rituais de iniciação.
Nas escolas xivaístas o objetivo da mandala é despertar a consciência de nossa identidade com a consciência universal. Na tradição tibetana a mandala é o guia imaginário da meditação e se manifesta em suas combinações variadas de círculos e quadrados o universo espiritual e material, assim como a dinâmica das relações que os unem no plano divino. No ritual funciona como suporte da divindade.
A respeito disso Jung (…) diz:
O mandala oriental, sobretudo o lamaísta, contém em geral um plano básico de estupa em forma de quadrado. Note-se que a estupa se refere a uma construção. Pelos mandalas executados em forma de corpo sólido, juntamente com o quadrado é sugerida a ideia de uma casa ou templo, ou seja, de um espaço interior cercado de muros. Segundo o ritual, as estupas devem ser sempre percorridas em movimento “circum-ambulatório”, da esquerda para a direita, pois o movimento contrário é maléfico. A esquerda (“sinister”) significa o lado inconsciente. O movimento para a esquerda equivale, portanto, a um movimento em direção ao inconsciente, enquanto que o movimento para a direita é “correto”, tendo por meta a consciência. No Oriente, através de uma longa prática, os conteúdos inconscientes assumiram gradativamente formas definidas. Tais formas exprimem o inconsciente, e devem ser aceitas e mantidas pelo consciente.
… A “circumambulatio” (circum-ambulação) do quadrado, da direita para a esquerda, poderia estar indicando que a quadratura do círculo é uma etapa do caminho para o inconsciente; tratar-se-ia assim de uma passagem, de um instrumento que possibilita alcançar uma meta além, ainda não formulada. É um dos caminhos em direção ao centro do não ego, que os pesquisadores da Idade Média também percorreram para produzir o lapis. Diz o Rosarium philosophorum: “Com o homem e a mulher traça um círculo e extrai deste o quadrado; do quadrado extrai o triângulo. Traça um círculo e então terás a pedra dos filósofos”
JUNG, 2011, §166, 167
As Mandalas de Areia
Os monges tibetanos utilizam as mandalas de areia como um ritual. A palavra tibetana para mandala é kyilkhor (tib. dkyil khor), centro-círculo. O ritual de construção da mandala faz parte do aprendizado dos monges, incluindo a memorização de todos os passos necessários para sua construção, definindo assim a estrutura básica da mandala.
Na cultura tibetana a mandala representa uma mansão sagrada, o palácio da divindade, porém, esta divindade não se trata de um deus ou deusa, mas de um buda – seres iluminados capazes de liberar todos os seres do sofrimento e levá-los ao despertar.
Pedras encontradas nos rios da cordilheira do Himalaia são moídas; este pó é lavado e seco ao sol, misturado com pigmentos para formar as cores principais, como azul, verde, vermelho e amarelo. Esse pó de mármore é utilizado para desenhar a mandala. A escolha em usar areia colorida para fazer o desenho da mandala nesse ritual sagrado é para simbolizar a impermanência da vida e de todas as coisas.
O ritual pode durar várias horas ou dias, sendo sempre executado por monges experientes. Os monges primeiro desenham o esquema principal da mandala e, depois, utilizando um instrumento chamado “chakpu”, que através da vibração deixa a areia escorrer por dentro dele para preencher o desenho, com paciência e precisão; cada grão de areia é preenchido, simbolicante, com as bençãos daquele que as criam e as observam.
Jung nos esclarece a respeito do ritual:
Em seu uso cultual, os mandalas são extremamente significativos, pois seu centro contém em geral uma figura de supremo valor religioso: às vezes é o próprio Shiva, frequentemente abraçado à Shakti, ou então Buda, Amitaba, Avalokiteshvara, ou ainda um dos grandes mestres do Mahayana, ou simplesmente o “dorje”, símbolo de todos os poderes divinos, de natureza criativa ou destrutiva.
O texto da Flor de ouro, que procede do sincretismo taoísta, atribui a este centro propriedades alquímicas especiais, no sentido das qualidades do “lapis”, assim como as do “elixir vitae” (elixir da vida), e, portanto, de um φάρμακον ἀθαγασίας (bebida que dá a imortalidade).
JUNG, 2011, §125
A parte mais importante e esperada do ritual é quando, após pronta, a mandala é desmanchada e varrida para o seu centro. Toda a areia é colocada numa urna, parte dela é distribuída para o público presente no encerramento da cerimônia e a outra parte é levada ao rio para que as águas levem a benção de “cura” ao oceano e possa se espalhar pelo mundo inteiro contribuindo para a cura do planeta.
Os índios navajos, no sudoeste dos Estados Unidos, utilizam os rituais com mandalas há séculos.
Os xamãs dançam invocando suas divindades fazendo complexas pinturas de areia em formato de mandalas. Eles as associam ao processo de cura das doenças, que para eles são uma ruptura com a harmonia da natureza. Coutinho (2008) explica que eles pintam a mandala de areia e o doente caminha ao seu redor, sentando-se no meio.
Esse ritual imita simbolicamente a criação do universo – fazendo com que a pessoa se harmonize consigo e com o cosmos – e ao completar o ritual recupera sua saúde. O curandeiro escolhe um desenho de mandala específico para cada situação.
Para a psicologia analítica a mandala é a representação máxima do Self. Jung nos explica que:
Há muitas variações do tema, mas todas se baseiam na quadratura do círculo. Seu tema básico é o pressentimento de um centro da personalidade, por assim dizer um lugar central no interior da alma, com o qual tudo se relaciona e que ordena todas as coisas, representando ao mesmo tempo uma fonte de energia. A energia do ponto central manifesta-se na compulsão e ímpeto irresistíveis de tornar-se o que se é, tal como todo organismo é compelido a assumir aproximadamente a forma que lhe é essencialmente própria.
Este centro não é pensado como sendo o eu, mas se assim se pode dizer, como o si-mesmo. Embora o centro represente, por um lado, um ponto mais interior, a ele pertence também, por outro lado, uma periferia ou área circundante, que contém tudo quanto pertence ao si-mesmo, isto é, os pares de opostos que constituem o todo da personalidade.
A isso, em primeiro lugar, pertence a consciência, depois o assim chamado inconsciente pessoal, e finalmente um segmento de tamanho indefinido do consciente coletivo, cujos arquétipos são comuns a toda humanidade. Alguns deles estão incluídos permanente ou temporariamente no âmbito da personalidade e adquirem, através desse contato, uma marca individual, como por exemplo – para mencionar algumas das figuras conhecidas – a sombra, o animus e a anima.
O si-mesmo, apesar de ser simples, por um lado, é, por outro, uma montagem extremamente complexa, uma conglomerate soul, para usar a expressão indiana.
JUNG, 2012, §634
Tanto os monges tibetanos quanto os índios navajos utilizam a areia para simbolizar a impermanência e a natureza transitória da vida.
O pensador Heráclito usava a expressão “Panta-Rei” que significa “tudo muda”, “tudo flui”, “nada persiste”, como uma metáfora filosófica, citando como exemplo a experiência de pisar num rio, que logo em seguida já não é mais o mesmo rio e já não contém a mesma água.
Tudo muda, nossos valores, nossas ideias, nossos corpos, tudo se transforma, enfim, nunca nos banhamos no mesmo rio duas vezes. As mudanças são inevitáveis, por mais que tentemos resistir. A resistência pode até funcionar por um tempo, mas a força das águas sempre trará mudanças com as quais teremos que lidar.
A impermanência e a transitoriedade da vida habitualmente são encaradas como negativas.
Algo que nos inspira temor e resistência, mas é precisamente porque tudo está a nascer e morrer continuamente que estás livre. Mesmo que queira estar apegado e preso, tal não é possível. Mesmo que tentes agarrar-te à forma como as coisas são e àquilo que possuis, não podes fazê-lo.
Não é maravilhoso? Tudo parte a seu tempo; estás livre de todas as coisas, quer queira, quer não. A maior parte das pessoas temem a perda daquilo a que tem amor e apego, mas na verdade a perda traz mais liberdade. (Genpo Merzel Roshi)
Podemos perceber que através da história o potencial criativo e a necessidade de comunicar-se e ser compreendido, e compreender-se a si mesmo, faz com que o homem utilize vários meios de expressão para entender a si, aos outros e o mundo onde vive. Assim, as mandalas surgem como um símbolo universal e essencial de integração e transformação carregando símbolos dessas culturas.
Utilizando-se de diversos materiais as mandalas trazem uma possibilidade de comunicação muito rica.
A autora Fayga Ostrower diz que a materialidade das coisas traz muito mais que apenas sua matéria, mas se coloca num plano simbólico, pois por meio de suas ordenações possíveis se inserem modos de comunicação e, por meio disso, o ser humano se comunicaria com os outros. Essa ordenação da matéria é percebida como potencialidade latente. Potencialidade da matéria e nossas, configurando-se um relacionamento nosso com os meios e conosco mesmo. Nessas ordenações a existência da matéria é percebida num sentido novo, como realização de potencialidades latentes. Trata-se de potencialidades da matéria, bem como de potencialidades nossas, pois na forma a ser dada configura-se todo um relacionamento nosso com os meios e conosco mesmo.
Por tudo isso, o imaginar – esse experimentar imaginativamente com formas e meios – corresponde a um traduzir na mente certas disposições que estabeleçam uma ordem maior, da matéria, e ordem interior nossa.
Nesse sentido, indaga se, através das formas entrevistas, sobre aspectos novos nos fenômenos, ao mesmo tempo que se procura avaliar o sentido que esses fenômenos novos podem ter para nós. (OSTROWER, 2014, p. 34)
O Uso da Areia como Material
Utiliza-se a areia em vários tipos de produções artísticas. Somado a isso, no caso em estudo, a areia tem ainda um caráter religioso e de possibilidade de cura do indivíduo, no caso dos índios navajos, mas também da coletividade, no caso dos monges tibetanos.
E a utilização da areia colorida como material simboliza a impermanência da vida e das coisas. A areia colorida ganha uma materialidade distinta de outras possibilidades de uso. Aqui ela ganha conotação de sagrado.
A areia é usada para mostrar que a vida é perene e que, a qualquer momento, num sopro tudo pode mudar – e que isso não é necessariamente ruim. Quando aprendemos a deixar ir as coisas, também nos abrimos a novas possibilidades.
Em seu dicionário de símbolos Chevalier e Gheerbrant (2006) trazem as seguintes considerações sobre o simbolismo da areia:
O simbolismo da areia vem da quantidade de seus grãos. Os séculos passados, ensina o Buda, são ainda mais numerosos do que os grãos de areia que há entre a nascente e a foz do Ganges (Samyutta Nikaya, 2, 178). A mesma ideia se encontra em Josué, 11, 4: Partiram, tendo com eles todos os seus exércitos, um povo numeroso como a areia do mar… A constituição do ritual dos montes de areia no Kampuchea (Camboja) – substitutos manifestos da montanha central – também está ligada ao símbolo e quantidade: o número de grãos de areia e o número de pecados dos quais nos desfazemos, dos anos de vida que solicitamos.
Os punhados de areia jogados durante certas cerimônias xintoístas representam a chuva, o que é, ainda, uma forma de simbolismo da abundância. Em circunstâncias especiais, a areia pode substituir a água nas abluções rituais do islamismo (HERS, PORA, SCHC). Ela é purificadora, líquida como a água, abrasiva como o fogo.
Fácil de ser penetrada e plástica, a areia abraça as formas que a ela se moldam; sob esse aspecto, é um símbolo de matriz, de útero. O prazer que se experimenta ao andar na areia, deitar sobre ela, afundar-se em sua massa fofa – manifesto nas praias – relaciona-se inconscientemente ao regressus ad uterum dos psicanalistas. É efetivamente, como uma busca de repouso, de segurança, de regeneração.
CHEVALIER E GHEERBRANT, 2006, p. 79
Sandpainting
A pintura a seco, também conhecida como Sandpainting é a arte de despejar areias coloridas sobre uma superfície, para criar desenhos fixos ou não. Vários povos utilizam essa técnica para criar mandalas e outros tipos de desenho para as mais variadas finalidades, entre elas as cerimônias religiosas e as representações artísticas.
Os Índios Navajos, tem entre 600 e 1000 designs tradicionais diferentes para as pinturas de areia colorida. Para eles as pinturas não são estáticas – elas possuem um espírito e devem ser tratadas com grande respeito.
Uma única cerimônia pode ter até 30 pinturas diferentes. Para eles essas pinturas têm apenas fins curativos. Enquanto pinta o curandeiro entoa cânticos pedindo aos Yeibicheii (o povo sagrado) que curem o paciente.
A pintura deve ser simétrica, o que garantiria sua eficácia como ferramenta sagrada.
O curandeiro, então, continua entoando os cânticos e pede ao paciente que se sente na pintura de areia. De modo que, a pintura funcionaria como um portal onde o povo sagrado absorveria a doença, levando-a embora, enquanto o paciente absorveria o poder espiritual e receberia a cura. Este ritual deve ser feito em até 12 horas (incluindo a destruição da pintura), pois, agora ela é considerada tóxica por ter absorvido a doença.
Os índios australianos também utilizam as pinturas em areia.
A Aboriginal Art se utiliza de vários materiais, entre eles a areia colorida. Os aborígenes utilizam a arte como um ritual ainda usado para marcar território, registrar a história e contar histórias sobre o sonho.
A arte indígena australiana ganha notoriedade nos anos 1960 e 70 pelas mãos do professor de arte Geoffrey Bardon. Em 1972 fundou-se uma cooperativa de artistas: a Papunya Tula Artists Pty Ltd (comandada por aborígenes do Deserto Ocidental da Austrália). Um dos primeiros artistas indígenas a ter suas obras reconhecidas foi Kaapa Tjampitjinpa.
Temos ainda, como já mencionado nesse texto as pinturas de areia do budismo tibetano. A dul-tson-kyil-khor (mandala de pós coloridos). Todo o processo de pintura começa com uma cerimônia de abertura onde os lamas cantam, consagram o local, declaram as intenções da mandala, fazem visualizações e recitam mantras. Esse trabalho segue por vários dias, durante várias horas ao dia de total concentração, devoção e presença.
Seu principal objetivo é reconsagrar a terra e todos os seres que a habitam. Como dito, após o término da mandala ela é varrida para seu centro, de forma cerimoniosa usando um instrumento chamado Vajra, recolhida e levada para as águas.
Criatividade e trabalho
A maneira de trabalhar com a arte de criar pinturas com areia colorida requer muita concentração e entrega. É uma atividade criativa que exige muito trabalho. Segundo Fayga Ostrower, trata-se de “um trabalho, um fazer intencional, produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver”.
Nesse panorama, criatividade e trabalho estão intimamente ligados, de modo que a realização desse fazer com as mandalas é extremamente criativo, simbólico e exige muito trabalho para que tudo saia de maneira a alcançar o objetivo.
Existem muitas outras formas de arte utilizando as areias coloridas como material principal, e a cada mandala executada, a cada círculo de cura, a cada pintura, ela adquire uma materialidade diferente e um simbolismo particular em cada obra.
Garrafas de areia
Garrafas de areia colorida tornaram Andrew Clemens, um artista do Iowa, no final do século XIX famoso. Ele coletava areia nas falésias do rio Mississipi e criava cenários que retratavam coisas do cotidiano.
As garrafas de areia de Clemens passaram a valer uma fortuna e viraram peças de museu. No Brasil, na região Norte e Nordeste, temos a cultura muito presente da ciclogravura, nome dado a criação de paisagens que retratam a vida do povo, feitas de areia colorida dentro de garrafas.
Da mesma maneira que as garrafas, temos também os tapetes de areia confeccionados na Holanda no comecinho do século XX. Os quais eram feitos de maneira bem simples, para ornamentar as casas durante alguma comemoração, sendo que no dia seguinte tudo era varrido. Ao norte da Bélgica comunidades de língua holandesa também tinham como costume esse ritual.
No México e nos Estados Unidos o “Dia de Los Muertos” – o Dia dos Mortos é celebrado com tapetes de areia que depois são varridos para representar a natureza fugaz da vida.
No Brasil comemora-se o Corpus Christi, uma tradição católica vinda de Portugal, onde se constrói um tapete de areias coloridas para a procissão passar, para representar a passagem do Messias.
Vários artistas contemporâneos seguem utilizando areia colorida para criar obras que se afastam das tradições culturais específicas, explorando outras técnicas e criando designs exclusivos.
Em 2012 aconteceu uma exposição no Museu de Artes e Design de Nova York, intitulada “Varredura: Poeira, Cinzas e Sujeira na Arte e Design Contemporâneo” o curador da exposição, David Revere McFadden, queria dar destaque a artistas que fizessem uso de “materiais não ortodoxos, incomuns ou inesperados”. A autora Fayga Ostrower utiliza o termo “materialidade” para abranger não apenas a substância, mas tudo que é formado e transformado pelas mãos do ser humano. E, alerta que cada materialidade tem certas possibilidades de ação e várias impossibilidades.
Se isso parece um tanto limitador, é também orientador, direcionador.
A supracitada autora nos fala que imaginar “seria um pensar específico sobre um fazer concreto”. E segue:
O que aqui chamamos de “pensar específico sobre um fazer concreto” vai além da ideia de uma tarefa a ser executada porque exequível. Os pensamentos e as conjeturas abrangem eventuais significados.
Trata-se de formas significativas em vários planos, tanto ao evidenciarem viabilidades novas da matéria em questão, quanto pelo que as visibilidades contêm de expressivo, e, ainda, porque através da matéria assim configurada o conteúdo expressivo se torna passível de comunicação.
OSTROWER, 2014, p. 33
Nesse contexto religioso artístico a areia ganha outras representações, deixa simplesmente de ser a areia que estão nas praias, nas falésias e nos rios da cordilheira do Himalaia, para ganhar uma simbologia capaz de mobilizar e transformar as pessoas. E novamente Fayga Ostrower fala que:
A materialidade não é, portanto, um fato meramente físico mesmo quando sua matéria o é. Permanecendo o modo de ser essencial de um fenômeno e, consequentemente, com isso delineando o campo de ação humana, para o homem as materialidades se colocam num plano simbólico visto que nas ordenações possíveis se inserem modos de comunicação. Por meio dessas ordenações o homem se comunica com os outros.
Assim, através das formas próprias de uma matéria, de ordenações específicas a ela, estamos nos movendo no contexto de uma linguagem.
OSTROWER, 2014, p.33
Vários artistas contemporâneos criam obras de muito valor simbólico e beleza em todo o mundo fazendo uso das areias coloridas ou in natura para transmitir, além de beleza uma maneira de comunicar-se com as pessoas através dos símbolos.
Alguns realizam exposições e performances em galerias, outros usam o próprio ambiente, seja na natureza ou numa grande cidade.
O que se pode observar é que tanto na criação das mandalas de areia colorida, como em outras produções artísticas utilizando a areia como matéria prima, esta extrapola suas características meramente de uso prático. Portanto, ganha forma e se transforma em imagens repletas de significados, ou seja, se torna possível conhecer as manifestações simbólicas na mandala. Neste caso, a mandala mantém suas características de areia e não perde seu caráter, de modo que orientando a ação criativa ela é transformada.
“Ela se torna matéria configurada, matéria-e-forma, e nessa síntese entre o geral e o único é impregnada de significações.” (OSTROWER, 2014, p. 51).
Nessa relação entre a matéria, tudo o que ela suscita e provoca, o ser humano vai se configurando, ao transformá-la ele se transforma. Ao perceber a natureza perene da areia e sua impermanência o ser humano percebe sua própria natureza perene e impermanente.
Membro Analista em Formação: Keller Villela
Membro Didata Responsável: Simone Magaldi
Referências:
ARCURI, Irene G.; DIBO, Monalisa. Arteterapia e Mandalas uma abordagem junguiana. São Paulo: Vetor Editora, 2010.
CHEVALIER, Jean.; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 20ª edição. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 2006.
COUTINHO, Nelson A. F. A mandala viva: O caminho de Ida Rolf e Carl Jung. São Paulo: Escrituras, 2008.
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. São Paulo: Editora Vozes, 2012.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. São Paulo: Editora Vozes, 2011.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 30ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.
TUCCI, Giuseppe. Teoria e Prática da Mandala. 9ª edição. São Paulo: Editora Pensamento, 1993.
https://www.artearena.es/el-arte-con-la-arena-mas-alla-de-la-orotava/ acessado em 15/05/23
https://www.jardimdesign.eco.br/2014/01/panta-rei-mandalas-de-areia-e.html acessado em 20/05/23
https://ograndejardim.com/2016/01/13/as-mandalas-de-areia-varridas/ acessado em 18/05/23
https://stringfixer.com/pt/Sand_painting acessado em 24/05/23