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A proeza de ser Independente: filhos criados sob o narcisismo dos pais

A proeza de ser independente – filhos criados sob o narcisismo dos pais

O narcisismo dos pais é algo desafiador a se lidar. A tarefa de criar filhos ultrapassa as margens de condições ideais e necessárias para o desenvolvimento saudável, passando pela construção de uma educação ancorada em valores. Visando superar obstáculos sombrios e obscuros, que habitam o mais profundo em cada um de nós.

Os pais desempenham um papel crucial na formação da personalidade dos filhos. Quando estes pais encontram dificuldades para lidar com seus próprios aspectos negativos, podem desenvolver uma conexão distorcida com a criança no exercício da parentalidade.

Este artigo tem como alvo uma tentativa de explorar, brevemente, questões voltadas às dificuldades encontradas pelos filhos. Filhos estes que, apesar da responsabilidade e até mesmo da maioridade, podem se perder ao encontro da autonomia e segurança que pede a vida adulta.

O que nos parece ser uma questão voltada a uma dinâmica disfuncional parental no relacionamento com os filhos. Tornando, assim, o alcance da maturidade algo bem distante. Ou seja, esta relação pode estar baseada não somente no autovalor que constituí o individuo – o qual poderíamos chamar de condição narcísica natural, mas também como infortúnio nesse relacionamento, levando a prováveis danos futuros.

Segundo Jung, a personalidade vai se desenvolvendo ao longo da vida, para se constituir plenamente na maturidade (1910).

Para o autor, os temas juvenis se iniciam logo após a puberdade até aproximadamente trinta e cinco anos. Não há aqui o objetivo de discorrer sobre a patologia do transtorno narcisista de personalidade. Nem tampouco fazer dos pais os culpados pelas dificuldades que muitos filhos se deparam no enfrentamento da vida.

O mais importante aqui seria farejar a medida certa neste relacionamento, união e diferenciação familiar. Pois, as figuras paternas podem tanto promover o “voo” de seus filhos, lançando-os na vida, como podem criar laços onde os mesmos permanecerão atados. O termo “narcisismo” não foi muito usado por Jung. O termo é encontrado somente quatro vezes em sua obra, sendo que três dessas citações são usadas como referência crítica à obra de Freud (JUNG, 2011b, p. 482).

O conceito comum do narcisismo que há muito ocupa a atenção humana, é a auto adoração extrema, que vem acompanhada de uma indiferença que nega a necessidade de outra pessoa (SCHWARTZ, 1982).

A palavra faz referência a um mito. O mito de Narciso e Eco foi narrado pelo poeta Ovídio em Metamorfoses, uma de suas obras mais famosas. Segundo o mito, Narciso era belo e vaidoso. Quando nasceu, um dos oráculos chamado Tirésias disse que ele seria muito atraente e que teria vida longa, desde que não conhecesse a si próprio. Entretanto, não deveria admirar sua própria beleza, uma vez que isso amaldiçoaria sua vida. Quando adulto, atraia olhares de muitas pessoas, mas desprezava a todas. Uma das ninfas chamada Eco, apaixonou-se loucamente por Narciso, mas fora rejeitada por ele. A deusa Nêmesis é quem auxilia na vingança. Eco atraiu Narciso para uma fonte que ao se debruçar sobre as águas enxerga sua própria imagem e se encanta por ela. Morre fascinado por si mesmo.

É da relação eu-outro que trata o mito de Narciso, existindo esse outro, dentro ou fora de nós.

A maneira que lidamos ao longo da vida com esses outros externos e internos originaram inúmeras concepções sobre o narcisismo (RUBINI, 2020). Pensando na questão de Narciso e alguns padrões familiares temos que: tanto a relação consigo mesmo quanto com o outro podem levar ao sofrimento e consequências indesejáveis.

Quando na consciência se vive uma realidade unilateralizada, ou seja, rígida e inflexível tal como Narciso, corre-se o risco de morrer sem contemplar à entrega para a vida.

Chama atenção a inflexibilidade que aparece em muitas dinâmicas familiares, quando o comportamento adotado por elas enaltece uma união de modo marcado e unilateralizado. O que gera um campo de força fechado e rígido – que esconde, por trás de sentimentos como amor e proteção, um egoísmo e, ao que parece, um sistema muito confortável de prisão.

Nesta dinâmica os fatores externos podem ficar sob o jugo de uma realidade psíquica muito inflexível. Neste terreno, as portas podem estar fechadas para todo tipo de diversidade e complexidade, apoiados até mesmo em verdades únicas, distanciando-se mais e mais da alteridade.

O medo pode ser uma questão importante neste âmbito familiar e os integrantes contagiados em maior ou menor grau. Tudo aquilo que é novo deve ser evitado no primeiro momento ou vivenciado sempre com muita cautela.

Além do medo, outra situação relevante seria a dificuldade que estes filhos podem encontrar em vivenciar plenamente suas experiências e aspirações. Pois podem ser “convidados” a testemunhar de muito perto a vida dos pais, participando sempre de todos os conflitos em questão.

[…] Cada um logo compreende aquilo que conseguimos controlar mais ou menos, isto é, a consciência e seu conteúdo, é, no entanto, apesar de todo nosso esforço, ineficiente quando comparado com os efeitos incontroláveis do fundo psíquico. Como então se poderá proteger as crianças contra os efeitos provenientes de si próprio, quando falha tanto a vontade consciente como o esforço consciente? Indubitavelmente será de grande utilidade para os pais saberem considerar os sintomas de seu filho à luz dos seus próprios problemas e conflitos. É dever dos pais proceder assim.

Neste particular, a responsabilidade dos pais se estende até onde eles tem o poder de ordenar a própria vida de tal maneira que ela não represente nenhum dano para os filhos. Em geral se acentua muito pouco quão importante é para a criança a vida que os pais levam, pois o que atua sobre a criança são os fatos e não as palavras. Por isso deverão os pais estar sempre conscientes de que eles próprios, em determinados casos, constituem a fonte primária e principal para as neuroses de seus filhos

JUNG,1981, § 84

Quando se chega à vida adulta espera-se que o indivíduo tenha condições de iniciar o rumo de sua jornada, mesmo que esta ainda não pareça assim tão evidente. Que consiga discernir entre o que não lhe chama atenção de outros interesses. Que possa farejar seus medos e limitações para poder trabalhar em prol de seu desenvolvimento. Manejando a cada fase, a função judicativa da consciência, para benefício de seu processo de diferenciação dos padrões familiares impostos e até mesmo os sociais.

Em termos de comportamento e atitudes é muito comum que estes pais idealizem os filhos de acordo com suas expectativas.

Estes pais podem se tornar extremamente protetores, inviabilizando fases de descoberta através do abuso de poder ou até mesmo usando do medo e/ou chantagem emocional. Por outro lado, todos estes comportamentos podem ser muito sutis. Desde violação dos limites de privacidade, passando pelo controle das escolhas dos filhos, falta de empatia, exigência constante de atenção e também manipulação.

De um modo extremo, podemos ainda falar sobre a demonstração de inveja frente às conquistas dos filhos. Com atitudes de boicote e falta de encorajamento; críticas em excesso e dificuldades para elogiar.

Para CALLIGARIS (1996) há um esforço por parte do indivíduo na satisfação do outro – principalmente os pais, com sua imagem.

De certa forma, os filhos podem desenvolver a tendência de sentirem-se culpados por não serem bons o suficiente e tentar a todo custo corresponder às expectativas em troca de admiração, aumentando ainda mais, sentimentos de inferioridade e denegação. Ao invés de olharem para si mesmos podem estar preocupados com seu empenho em balizar o humor dos pais, promovendo alegria e tentando evitar que se sintam frustrados. Aqui podemos encontrar muitas questões ligadas à ansiedade, devido um sentimento de angústia iminente, sempre presente.

Esse excesso de controle tende a enfraquecer a relação, levando esses filhos a experimentarem altos níveis de carência, vulnerabilidade e dependência emocional e financeira.

[…] Via de regra, o fator que atua psiquicamente de um modo mais intenso sobre a criança é a vida que os pais ou antepassados não viveram ( pois se trata de fenômeno psicológico atávico do pecado original). Esta afirmação poderia parecer algo de sumário e artificial sem esta restrição: essa parte da vida a que nos referimos seria aquela que os pais poderiam ter vivido se não a tivessem ocultado mediante subterfúgios mais ou menos gastos. Trata-se pois de uma parte da vida que – numa expressão inequívoca – foi abafada talvez com uma mentira piedosa. É isto que abriga os germes mais virulentos.

JUNG, 1981§ 87

Em algum momento, até mesmo na ausência dos pais, ao se dar conta do tempo passado, terão que lidar com o susto frente às dificuldades e dar continuidade a um caminho que irão  seguir, ainda que sem um planejamento prévio e, contabilizando as inseguranças.

 A noção ou senso de identidade nos leva, a saber, sobre nós mesmos.

Quando passamos muito tempo voltados ao externo, na tentativa de atender os anseios do outro, incorreremos na falta de nos assistir com legitimidade, revelando prováveis falhas de identidade e pouca ou quase nenhuma intimidade como a esfera inconsciente.

Pode-se falar aqui sobre a questão do sentido junguiano da existência ou ausência do poder orientador do Si- mesmo, que é o único capaz de dar á pessoa um sentido de direção e, em última análise, uma percepção de identidade pessoal (SCHWARTZ, 1982).

Com o passar do tempo, as ligações parentais vão cedendo espaço a outros tipos de vínculos, tais como sociais, afetivos e profissionais e esta ampliação de apoio emocional é que também vai permitir posteriormente, o processo de individuação, que se inicia na segunda metade da vida.

Assim, espera-se que esses filhos alcancem um desenvolvimento pleno e saudável; que possam usufruir da autonomia que diz respeito à capacidade de se tornar independente, tomar decisões e se responsabilizar por elas. Caminhar na busca de seu verdadeiro” Eu”, integrando na consciência o que estava inconsciente, desenvolvendo suas potencialidades, se tornando único e autêntico.

Apesar de toda a complexidade e possíveis impactos que envolvem o relacionamento entre pais e filhos, a esperança (aquela que não espera passivamente) pode inteirar uma singularidade profunda, muito bem representada pelo” Si- mesmo.

Patrícia Moura Vernalha – Analista em Formação IJEP

Waldemar Magaldi – Diretor e Analista Didata IJEP

REFERÊNCIAS:

Acesso nosso site: https://www.ijep.com.br/

Confira nossos Congressos Junguianos: https://ijep.pages.net.br/congressos-carl-jung-ijep

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