A dimensão do ego, que atua em cada um de nós, possibilita a impressão de continuidade da consciência no eixo tempo e espaço, baseando-se na auto referência corporal, na concretude da matéria e na memória cronológica dos acontecimentos. Isso nos possibilita a impressão de estarmos no controle de nós mesmos, mas é pura ilusão, porque nossa mente mente. Ela é fruto da relação da nossa estrutura biológica com a anímica, possibilitada e mantida pela contínua ação do espírito, como elemento unificador. Com isso, quando imaginamos estar imaginando, estamos sendo imaginados pelo Self, a totalidade psíquica. E é este quatérnio composto de corpo, alma, mente e espírito, que se mantém dançando enquanto imaginamos estar existindo nesta realidade temporal e espacial.
Para o ego aceitar sua finitude temporal, que ele é imaginado ao invés de imaginar e que sua impressão de controle e poder são ilusórios, é um golpe muito grande. Por isso ele tenta ficar apegado à literalidade e concretude, correndo o risco de virar uma coisa, um objeto que se relaciona com outros objetos, sem vínculo e sem amor. Defendendo-se com suas crenças, até tornar-se uma espécie de máquina previsível, ordinária, dessacralizada, presa na repetição dos seus reflexos instintivos, no domínio dos complexos, hábitos e condicionamentos, permanecendo alienado do si mesmo, simultaneamente opressor e oprimido consigo mesmo e com os outros.
Porém, como a totalidade psíquica carrega em seu bojo o chamado para o processo de individuação, essa situação pode ser superada com o aparecimento de conflitos, que tiram o indivíduo daquela impressão da zona de conforto, com o surgimento de sonhos, sintomas, eventos sincronísticos ou produções criativas, capazes de gerar incômodo, desconforto e crises, possibilitando o surgimento daquilo que Jung chamou de função transcendente, a tensão entre o eu e o inconsciente capaz de possibilitar a desconstrução da máquina e a possibilidade do surgimento do ser integral.
Por isso, quando surge a crise podemos afirmar que o oráculo se abriu e que o ego pode estar mais próximo do seu engajamento consciente ao processo de individuação. Mas isso não é tarefa fácil, porque superar os condicionamentos neurológicos, bioquímicos, mentais e relacionais é muito difícil, principalmente porque surgem as resistências de todas estas instâncias, com intuito de manter a unilateralidade, que apesar de patológica é o mecanismo mais usado para manter a ilusão de conforto do ego, que imagina enquanto que é imaginado.