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O Mundo VUCA – uma visão a partir da psicologia analítica

 “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir a sua vida e você vai chamá-lo de destino.”

(Carl Gustav Jung)

Vocês já ouviram falar do mundo VUCA[i]? Este termo surgiu na década de 90, no exército americano, para traduzir cenários instáveis e complexos dos campos de guerra, cenários estes que exigiam métodos e ferramentas apropriadas para um ambiente desafiador e agressivo. O universo corporativo adotou o termo, por assim dizer, para explicar as mudanças rápidas e desenfreadas que a dinâmica do mundo globalizado impõe, por meio do avanço da tecnologia e da enxurrada de informações. Vale destacar que o acrônimo VUCA é uma abreviação de quatro palavras em inglês e que algumas empresas e consultorias já se referem ao termo como VICA, para uma adequação à língua portuguesa. Este acrônimo significa:

Textos e artigos que tratam deste tema, apresentam estratégias para lidar com este cenário, definindo novas atitudes e competências, que se baseiam em se reinventar e sobreviver para encarar um ambiente de caos. O dito antídoto para o mundo VUCA é o seguinte: para a vulnerabilidade a clareza; para a incerteza, a visão; para a complexidade, o entendimento; para a ambiguidade, a agilidade. Interessante notar que, quando se fala nos antídotos, em nenhum momento há um pensamento que remeta o indivíduo ao seu mundo interno, para algum tipo de reflexão e de análise mais profunda. As respostas que são solicitadas remetem apenas a camadas mais superficiais da personalidade do indivíduo – o ego e a persona. Um mundo que acontece no aqui e agora, com tanta rapidez e intensidade, não deixa espaço para que as pessoas reflitam. Elas apenas respondem às demandas, levando o indivíduo cada vez mais para fora.

Sendo esse o cenário em que as corporações atuam, os profissionais estão submetidos a uma pressão cada vez mais exagerada por responder de forma exata e propicia a este turbilhão de questões, sendo considerado o melhor, aquele que tem as melhores respostas, os mais ágeis, sem equívocos e que não podem perder nada. Será? O mais importante, por vezes, se perde neste furacão de acontecimentos e de cobranças.  E, o que se perde é o sentido, o significado.

Do ponto de vista da psicologia analítica, arrisco dizer que a psique e o mundo VUCA se assemelham, dada sua complexidade, variedade e impossibilidade de contenção e controle. Para Jung, a psique se constitui de duas dimensões – a consciente e a inconsciente, sendo que a psique consciente se forma a partir do inconsciente. Logo, são duas instâncias complementares, partes de um todo, que precisam estar em constante comunicação na busca de equilíbrio e integração, que traz para o funcionamento psíquico a sensação de integridade e totalidade. Sempre que há uma polarização na dinâmica consciente, cria-se uma oportunidade, por meio de sonhos, sintomas e doenças,  para que o indivíduo busque o equilíbrio. Jung afirma:

“Na medida do alcance de nossa experiência atual, podemos dizer que os processos inconscientes se acham numa relação compensatória em relação à consciência. Uso de propósito a expressão “compensatória” e não a palavra “oposta”, porque consciente e inconsciente não se acham necessariamente em oposição, mas se complementam mutuamente, para formar uma totalidade: o si-mesmo (Selbst). De acordo com esta definição, o si-mesmo é uma instância que engloba o eu consciente. Abarca não só a psique consciente, como a inconsciente, sendo portanto, por assim dizer, uma personalidade que também somos” (JUNG, 2015, § 274)  

No caso desta corrida desenfreada por um “lugar – de destaque – ao sol” este desequilíbrio, ou unilateralização da consciência, ocorre quando há uma identificação do indivíduo com a psique coletiva. Estas são as soluções de ordem e controle do ego, do “tem que”, na busca de respostas de forma insana às demandas do mundo externo com seus recursos de organização, analise, filtro e contenção. É paradoxal, pois ao mesmo tempo que o ego tem o papel de proteger a consciência, sem se dar conta, está a deixando mais suscetível à invasão de complexos e conteúdos inconscientes, uma vez que a consciência não dá conta de conter o inconsciente. Não dá para “diminuir” a psique coletiva inconsciente para caber na consciência. É como se apenas um meio de gestão social pudesse conter o planeta, com todas as suas peculiaridades e diferenças.

O perigo deste tipo de resposta é que, com o ego neste pseudo “controle”, o indivíduo tem uma sensação de que está tudo certo, uma vez que está sendo capaz de responder a tudo que lhe é apresentado no mundo externo. Mesmo com sintomas e doenças, dando sinais de que o aparelho está falhando, dada a desconexão com seu mundo interno, ele não percebe ou não entende estes sinais.  E ainda sai com uma chancela importante, sendo reconhecido por dar conta de tantas e tão variadas coisas, complexas e desafiadoras. Mas o preço a longo prazo é muito caro. Por estas repostas que são vazias, condicionadas por uma irreflexão e pouco condizentes com seu verdadeiro propósito, o indivíduo julga se conhecer, e se pauta nas respostas do coletivo sobre quem é, e como deve ser uma pessoa de sucesso e de prestigio. E, assim, dissemina esta forma superficial de autoconhecimento como única e verdadeira. Daí o mundo corporativo ter suas receitas prontas de sucesso e seu pouco espaço para acatar erros e dúvidas, que são compreendidos como fracasso e como risco para uma carreia brilhante.

É fato que há mudanças e que algumas empresas já perceberam que esta realidade não mais é aplicável para a nova geração de profissionais que chegam ao mundo do trabalho. Mas as necessidades de alcançar um lugar de destaque e o entendimento que este lugar só é possível de se ter para alguns poucos afortunados que se destacam, ainda é um pensamento que rege a vida de muitos profissionais. Os ambientes são competitivos e as oportunidades são escassas. É por isso que as demandas do mundo VUCA, agregadas ao universo das corporações, afetam tão exaustivamente as pessoas.

Falar em solução é muito pretensioso. O jogo está em andamento e não há um efetivo fim. É possível se pensar e sugerir caminhos alternativos a este coletivo insano. Uma alternativa é o verdadeiro caminho do autoconhecimento, onde o indivíduo se volte para dentro, busque sua verdadeira missão e propósito de vida. Para isso deverá dar um freio no que o mundo externo lhe pede, ou ao menos, da forma como este mundo lhe pede. Isso já é um grande passo. É impossível negar a vida, suas exigências e nossa necessidade de estarmos presente nelas, mas a forma de viver esta realidade, esta sim, deve nos pertencer.  O autoconhecimento é um exercício difícil e de uma vida inteira, mas tão banalizado por este mundo fast food, onde identificamos quem somos apenas pelas respostas que damos, não por quanto de verdade figura internamente. Conforme Jung, 

O homem comum, que é predominantemente o homem da massa, em princípio não toma consciência de nada nem precisa fazê-lo, porque, na sua opinião, o único que pode realmente cometer faltas é o grande anônimo, convencionalmente conhecido como “Estado” ou “Sociedade”. Mas aquele que tem consciência de que algo depende de sua pessoa ou pelo menos deveria depender, sente-se responsável por sua própria constituição psíquica, e tanto mais fortemente, quanto mais claramente se dá conta de como deveria ser, para se tornar mais saudável, mais estável e mais eficiente. (JUNG, 1991, § 410)

Com este citação concluo este artigo, deixando aqui uma provocação: de pensarmos que, ao mesmo tempo que não podemos estar alheio ao mundo, manter-se no mundo tão identificados com este homem comum, enquanto profissionais de massa, respondendo mecânica e autonomamente as demandas desta sociedade, estaremos nos afastando de nosso propósito e também de nossa auto responsabilidade por nosso assim chamado destino, bem como das possibilidades de real crescimento e de apropriação de quem realmente somos. Estaremos à deriva, em um mundo irreflexivo onde não se sabe, com tamanha velocidade de mudanças, para onde vamos!

Gilmara Marques

Analista Junguiana em formação pelo IJEP.

Contatos: 11. 99201-0118 – gmf.alves@terra.com.br

Referências:

JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 3ª ed. Vol. VII/2, Petrópolis: Vozes, 1991.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o Inconsciente. 27ª ed. Vol. VIII/2, Petrópolis: Vozes, 2015.


[i] https://www.youtube.com/watch?v=ZuEF76Xs_Mw

Gilmara Marques – 21/08/2020

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