Segundo dados do IBGE, em 2017 a expectativa de vida ao nascer de um brasileiro era de 76 anos, um amento de três meses e 11 dias em um ano e se comparado com um dado bem mais antigo o ganho é mais significativo, para quem nasceu em 1940 a previsão era de que viveriam em média até os 45,5 anos, 31,5 anos a menos do que em 2017.
O percentual de idosos na população também está aumentando, em 2017 as pessoas com 65 anos ou mais representavam 9% da população, e de acordo com as projeções do instituto, em 2039 chegará a 17%, quando pela primeira vez se iguala ao percentual de jovens, pessoas com menos de 15 anos. Em 2060 a previsão é de que uma em cada quatro pessoas no país tenha mais de 65 anos, 25% versus 15% de jovens, caracterizando a inversão da pirâmide etária do país, considerando que em 2010 esses valores eram 7% e 25% respectivamente.
Ampliando o olhar desses dados para as pessoas com 50 anos ou mais, em 2017 a previsão era de que eles viveriam em média até 80,5 anos, enquanto que em 1940 se esperava que vivessem até 69,1 anos, um aumento de 11,4 anos. Em termos de representatividade, essa fatia da população passará de 24% em 2017 para 45% em 2060, quase uma em cada duas pessoas.
Obviamente esses dados não estão sendo utilizados apenas para justificar insustentabilidade do nosso sistema previdenciário, dado o foco para o consumo e lado material ao qual estamos submetidos e do qual estamos tendo dificuldade de nos desvencilhar, essa informação tem grande relevância mercadológica, e já há algum tempo produtos voltados para o público com mais de 50 estão sendo divulgadas em propagandas nos meios de comunicação.
Predominantemente os produtos dos anúncios estão relacionados ao cuidado com a saúde e o bem estar a partir de certa idade. Há também a adaptação da tecnologia, a fim de torná-la mais amigável e útil para aqueles que se sentem excluídos deste mundo tão modificado por ela.
As propagandas dos produtos ligados à saúde e ao bem estar mostram cenas que são variações do mesmo tema, ter vitalidade para realizar atividades que remetem a manutenção da juventude. O que se vê, invariavelmente, são pessoas com alguns fios de cabelo grisalhos, com marcas do tempo no rosto, praticando esportes como surfe, ciclismo, caminhadas até o topo de uma montanha, andando de moto, tocando instrumentos, dançando, namorando, jogando vídeo game com seus netos, dando a entender que estão tendo a vida que ainda não tinham tido a oportunidade de viver ou mantendo um estilo de vida jovial e arrojado que tinham tido até então.
Dentre esses anúncios, um de um suplemento alimentar chamou particularmente minha atenção, a chamada inicial era a seguinte pergunta: “O que você quer ser quando envelhecer?” e na seqüência surge uma série de situações que não fugiram do padrão descrito anteriormente, finalizando com a seguinte resposta: “Escolha viver bem”, dando a entender que o viver bem a partir de uma certa idade é ter aquele estilo de vida que era almejado na juventude mas que talvez não pôde ser vivido por falta de tempo e dinheiro, e que se foi vivido o produto anunciado daria as condições de ser mantido. Em ambos os casos a resposta estaria em manter os padrões adquiridos na juventude.
Pelo olhar da psicologia junguiana a pergunta é perfeita para esta fase da vida, porém a resposta seria muito diferente, porque para Jung a partir da segunda metade da vida há uma transformação psíquica que nos leva a uma inversão nos valores e prioridades que nos guiaram até então, porém como não há nenhuma formação que nos prepare para esse momento, quando atingimos essa fase e nos deparamos essas mudanças, a tendência é tentar nos agarrar aos padrões antigos e ir contra esse movimento psíquico. Para Jung, “todos os distúrbios neuróticos, bastante freqüentes, da idade adulta têm em comum o fato de quererem prolongar a psicologia da fase juvenil para além do limiar da chamada idade do siso“ (JUNG, 2000 §776) e “a causa fundamental de todas as dificuldades desta fase de transição é uma mudança singular que se processa nas profundezas da alma” (JUNG, 2000 §778).
Para ilustrar a dimensão das mudanças, Jung comparou as etapas da vida com as fases da trajetória descrita pelo Sol durante o dia:
De manhã, o Sol se eleva do mar noturno inconsciente e olha para a vastidão do mundo colorido que se torna tanto mais amplo, quanto mais alto ele ascende no firmamento. O Sol (…) se dará conta de que seu objetivo supremo está em alcançar a maior altura possível e, consequentemente, a mais ampla disseminação possível de suas bênçãos sobre a terra. (…) Precisamente ao meio-dia, o Sol começa a declinar e este declínio significa uma inversão de todos os valores e ideais cultivados durante a manhã. O Sol torna-se, então, contraditório consigo mesmo. É como se recolhesse dentro de si seus próprios raios, em vez de emiti-los. A luz e o calor diminuem e por fim se extinguem. (JUNG, 2000 §778).
Da mesma forma que não se pode desviar o sol do seu movimento descendente ou evitar a perda de sua exuberância quando ele passar a recolher seus raios, as pessoas precisariam entender que resistir aos movimentos vindos do inconsciente não trará nada de bom. Apesar de não ser foco desse artigo, vale falar dos resultados aberrantes que algumas pessoas conseguem na busca obsessiva da exuberância da juventude, passam por intervenções cirúrgicas que acabam desfiguradas. No que diz respeito às questões psíquicas, dado o comportamento dominante de nossa época, em que se acredita que a felicidade está proporcionalmente relacionada com a quantidade de bens e riquezas adquiridas, a tendência é acreditar que o sentimento de vazio e insatisfação surgem porque não se tem o suficiente, e parte-se para a busca de mais bens, porém a felicidade desejada não acontece gerando as crises de angústia, depressão e ansiedade tão comuns nos dias de hoje.
Qual seria então a melhor forma de lidar com os desafios trazidos pela meia-idade? No passado as religiões eram as escolas onde se aprendia essa matéria, hoje não são mais. Assim vale usar novamente o exemplo do sol, que recolhe seus raios e os direciona para dentro de si para levar luz para os locais que estiveram obscurecidos e sombrios até então.
Esse novo olhar permite aceitar que o que tinha valor pela manhã à tarde não tem mais valor, o que era certo vira errado e diante dessas novas possibilidades, trazer do inconsciente não só aqueles talentos e potencialidades que foram negligenciados ou que nunca tiveram a chance de serem realizados, como também os aspectos mais sombrios de nossa personalidade. Em ambos os casos, esses conteúdos foram confinados no inconsciente porque não se ajustavam aos padrões de comportamento e atitudes que eram exigidas como filho, estudante, profissional, marido, mulher, pai ou mãe.
Considerando a energia despendida para se atender a cada uma dessas situações, é possível imaginar porque é tão difícil olhar para o outro lado e começar uma nova jornada igualmente desafiadora. Certamente ter energia, disposição e vigor físico não são coisas ruins, como também não o é estar feliz com a própria aparência. O ponto é que estamos totalmente despreparados para responder a pergunta sobre o que ser quando envelhecer. Acreditamos que viver bem essa fase se resume a evitar que os efeitos adversos da idade não nos afetem.
O inconsciente irá se manifestar diante dessa atitude unilateral e irá atuar no sentido de nos fazer perceber que algo não está indo conforme deveria. Ele vai causar desconfortos emocionais e psíquicos que nos paralisam até que se entenda que precisamos diluir essa rigidez permitindo que os conteúdos inconscientes que se opõe a ela apareçam. Desse confronto deverá aparecer uma pessoa com novas perspectivas, que considerem seus verdadeiros desejos, sem censura e restrições, resultando em uma ampliação de consciência que vai contribuir para a realização do Self, uma necessidade e dever de toda pessoa que está em fase de envelhecimento.
Assim, a pergunta “o que você quer ser quando envelhecer?” é realmente muito importante para esse contingente cada vez mais significativo da população, já a resposta sugerida pelas propagandas pode ser uma armadilha, pois ao se acreditar que “viver bem” se resume a ter saúde e energia para se manter um estilo de vida de quando se era jovem, o que irá acontecer será bem diferente das cenas repletas de sorrisos e carregadas de um clima de alegria e felicidade.
Dulce Ayako Kurauti
Analista em formação pelo IJEP
Tel.: (11)99961-7090 email: dulce_kurauti@hotmail.com
Consultório na Vila Mariana
Referências
JUNG, C. G. A natureza da psique. 5a. ed. Petrópolis: Editora Vozes, v. VIII/2, 2000.