Muitos profissionais das áreas da saúde, equivocadamente, continuam fazendo distinção entre doença psicossomática e somatopsíquica. Isso é um absurdo, porque o ser humano tem que ser compreendido de forma integral. Não existe nenhuma expressão de adoecimento sem uma correspondência psíquica, consciente ou inconsciente. Mente e corpo estão presentes e inseparáveis nos contextos sociais, familiares, profissionais, relacionais e espirituais, podendo adoecer e sofrer de sintomas em todas estas instancias, assim como curando-se juntas. Por isso, sempre afirmo que os sintomas, sejam eles quais forem e em de que forma se presentificam, no corpo, na mente ou nas relações interpessoais, devem ser compreendidos como expressões simbólicas que denunciam que a pessoa está num caminho equivocado, em dissonância com o sentido e o significado de sua existência, produzindo feridas no amor próprio!
Para a psicologia analítica de Carl Gustav Jung, os sintomas, sejam quais forem, são expressões dos complexos. São resultantes dos conflitos entre o ego e o inconsciente, com características universais, no que tange o âmbito do coletivo, e totalmente idiossincrásicos, por conta do inconsciente pessoal. Esse é o paradoxo humano: ser totalmente diferente e absolutamente igual! Por isso, apesar do mesmo nome do sintoma ou doença, cada doente é único, complexo e indivisível, devendo ser tratado como tal.
Minha experiência clinica com seres humanos feridos, me deixa seguro para afirmar essa premissa. Da mesma forma, também posso assegurar que depois de iniciarmos o processo de análise, simbolizando os sintomas de adoecimento e compreendendo porque determinados afetos desencadeiam emoções capazes de ativar a manifestação dos sintomas, o complexo desencadeador das doenças começa a perder sua força e autonomia. É interessante percebermos que por trás de cada sintoma de adoecimento existe um conflito, aquilo que os psicopatologistas chamam de egodistônia. Ou seja, existe uma incongruência entre a natureza do ser, seus pensamentos, impulsos, atitudes, comportamentos e sentimentos, que estão contrariando, indignando e perturbando a própria pessoa. Neste momento quero deixar explicito que estar absolutamente egosintônico pode ser tão patológico quanto estar exageradamente egodistônico.
Diante de conflitos existênciais, por conta da falta de autoconhecimento e sua respectiva autoconsciência, de forma reativa, defensiva e estéril, as pessoas acabam ficando alienadas de si mesmas e enredadas nos conflitos improdutivos e seus respectivos complexos, entorpecidas e identificadas em uma das quatro tendências reativas: ataque, fuga, paralisia ou submissão. Em minha opinião, cada uma delas é geradora de um alvo de adoecimento. É obvio que não pretendo criar um modelo reducionista nem um manual ou tabela de causa e efeito, mas essas tendências, associadas com a ampliação simbólica do sintoma, podem ser muito benéficas para o processo de cura. Reiterando que compreendo a cura não como sinônimo de supressão dos sintomas, perfeição, pureza ou saúde plena e inabalável, porque a cura representa a integralidade, a plenitude consciente do ser, que sabe e aceita sua sombra e complexos e aprendeu a viver de forma consciente e consistente para si mesmo.
Analiticamente, podemos refletir que o conflito entre a natureza íntima com o impulso de ataque, diante de uma crise, onde o indivíduo está interditado dessa atitude, pode produzir hipertrofias. Porque para atacar é necessário adquirir massa. Por sua vez, o conflito de submissão pode desencadear inflamações, para “drenar” tudo que está sendo absorvido contraditoriamente. Fugir, pode causar disfunções, porque para fugir é necessários esvaziar, liberar os esfíncteres. Se o conflito for o de ficar paralisado, na famosa atitude do “deixa quieto para vermos o que vai acontecer” ou “fingindo-se de morto”, provavelmente surgirão escleroses, atrofias e cálculos, metaforicamente, pedras. Aliás, tudo deve ser compreendido metaforicamente. Com essa análise estamos simbolizando tanto o corpo quanto suas funções e sintomas de adoecimento. Essa é a tônica da Psicologia Junguiana, lançar o olhar e a escuta simbólica, imaginal e metafórica. Com isso vamos ampliando a consciência, aproximando o ego do self.
Cada órgão ou sistema tem sua especificidade, sua função e responsabilidade com a totalidade biológica. Ao compreendermos simbolicamente que o estomago tem que digerir, o intestino delgado absorver, o intestino grosso eliminar, a boca ingerir, o pulmão trocar o ar, os rins filtrar, os ossos sustentar e assim por diante. Com isso, poderemos começar fazer a ampliação simbólica do sintoma, associando-o com a forma inicial da manifestação do adoecimento, que varia entre disfunção, hipertrofia, esclerose ou inflamação. Nesta dinâmica estaremos nos aproximando do núcleo conflituoso gerador do complexo.
Por isso, podemos reafirmar o aforisma de Hipócrates, que afirma: “O que te fere é o que te cura”. Nessa premissa, quando surge qualquer tipo de sintoma, antes de eliminá-lo, devemos transformá-lo em um guia para o autoconhecimento, para evitarmos seu reaparecimento recorrente ou o surgimento de novos sintomas mais graves e mórbidos. Porém, em função da nossa sociedade estar cada vez mais fascinada e, consequentemente, dominada pelo racionalismo científico, que pretende normatizar tudo para manter a normalidade estática de tudo, e pelo capitalismo neoliberal, que transforma tudo em negócio, objetivando lucro, acúmulo e poder excludente, compreender psicossomaticamente os sintomas acaba sendo muito ruim, pois irá expor a doença contemporânea, denunciando o quanto que o normal está distante do natural, que é dinâmico e evolutivo.
Essas considerações servem para mostrar a magnitude e a importância do conhecimento e da prática da psicossomática no âmbito da saúde. Por tudo isto o profissional de saúde, independente da sua área de atuação, especialização ou formação, deveria estar consciente dessas implicações para poder atuar, o melhor possível, diante de todas as queixas trazidas por seus clientes, evitando a simples supressão do sintoma, sem o bônus do autoconhecimento, advindo da ampliação simbólica do mesmo.