A leitura da bíblia muitas vezes nos surpreende. Por exemplo, em Crônicas, desde o início, temos uma sequência maçante de nomes de pessoas, seguido de uma extensa genealogia, aparentemente sem sentido! Porém, no capítulo 4, versículos 9-10, temos algo que foge do contexto e, por isso mesmo, chama atenção de muitos exegetas que tentam compreender o sentido e o significado desta informação, meio que jogada aleatoriamente. Aliás, em todo o livro sagrado esta é a primeira e única vez que este personagem é citado, despertando mais curiosidade ainda. O texto estranho é esse:
“Foi Jabez mais ilustre do que seus irmãos; sua mãe chamou-lhe Jabez, dizendo: Porque com dores o dei à luz. Jabez invocou o Deus de Israel, dizendo: Oh! Que me abençoes e me alargues as fronteiras, que seja comigo a tua mão e me preserves do mal, de modo que não me sobrevenha aflição! E Deus lhe concedeu o que lhe tinha pedido.”
Apesar deste personagem não ser mais citado, aparece como alguém predestinado e agraciado a ser bem aventurado por toda a sua vida, e isso nos faz refletir porque ele conseguiu se diferenciar. Será que é apenas porque orou e pediu devotadamente? Muitos teólogos acabaram transformando sua prece numa referência para que as pessoas não se esqueçam de pedir. Afirmando que quem não pede deixa de receber suas bênçãos, correndo o risco de descobrir, depois de morto, que não se apossou de tudo que estava predestinado a ele! Mas será que o simples ato de pedir já é suficiente, como o versículo nos sugere?
Os povos antigos davam os nomes das pessoas com significados. O nome é uma egrégora carregada de informações sobre o indivíduo. Jabez é um nome associado ao sofrimento e a dor que sua mãe teve em decorrência do seu nascimento. Ou seja, é um nome que pode ser associado à amargura, à revolta, à derrota e ao sofrimento, mas não foi isso o que aconteceu! Além disso, não podemos esquecer que por conta do pecado original, com a respectiva queda do paraíso, o homem foi fadado a ter que suar para receber os frutos da terra e a mulher a ter as dores do parto, porque a aquisição da consciência, a conquista da luz decorrente da perda da condição paradisíaca, regredida e mágica, é uma espécie de transgressão que não pode acontecer sem ônus. A tomada de consciência, a capacidade de assumir as rédeas da vida, usando o livre arbítrio para ser o senhor da sua alma e o mestre do seu destino não acontece de graça, sem sacrifício – no sentido de sacro-ofício. Sem dor ou momentos de tristeza, decepção e traição, pela ingratidão daqueles que você imaginou fazer o bem, a evolução fica improvável. O desenvolvimento exige a tomada de decisão, para fazer as separações necessárias, para sair dos envolvimentos antigos – des-envolver – e criar novos envolvimentos.
Agora vou analisar a oração, que é simples e está dividida em quatro pedidos, no sentido de compreendermos o desfecho fantástico da invocação divina que acaba com o final feliz: “E DEUS LHE CONCEDEU O QUE TINHA PEDIDO”!
Oh! Que me abençoes
Apesar do pedido parecer egoísta ele demonstra humildade e reconhecimento no poder superior. Ser abençoado equivale a ser bendito, exigindo atitudes equivalentes -benedictione. É importante lembrarmos que ninguém pode dar o que não tem, mas também não irá receber o que não deu. Por isso, ao pedirmos algo é necessário termos a certeza que temos condições, capacidade, prontidão e mérito de receber o que estamos desejando e que, ao conquistarmos o desejado, também poderemos dar ou criar condições que outra pessoa possa conquistar nosso desejo. Essa é a base da teoria da dádiva: Dar, Receber e Retribuir; num contínuo processo virtuoso. O que faz uma pessoa ser bendita ou maldita é a consistência de suas atitudes e escolhas!
e me alargues as fronteiras
Neste pedido fica claro o desejo de não ficar fadado a viver apenas em função da tentativa de reparar a vida não vivida ou mal vivida dos seus genitores ou ancestrais, paralisado na culpa, medo, ressentimento ou desejo de vingança pelo fato da sua mãe ter sofrido dores devido a seu nascimento e seu nome. Ele pede para ser simultaneamente maior e submisso – missionário dos propósitos divinos e não refém do sofrimento profano. Ele pede a luz para acabar com as trevas do risco de ser maldito. Albert Einstein disse: “A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original.” Esse pedido deixa claro que Jabez quer oportunidades para cumprir o propósito da sua existência.
que seja comigo a Tua mão
Quem não vive para servir não serve para viver e no caso de Jabez, parece que ele está pedindo para agir em nome do poder superior. Sendo um instrumento dos desejos divinos, agindo como um missionário em busca de realização.
e me preserves do mal, de modo que não me sobrevenha aflição.
Neste último pedido ele quer dizer: Não me poupe, mas me preserve! Deixe-me imune e capaz de passar pelo mal e pelas adversidades sem ficar contagiado, contaminado. Preferencialmente ajudando-o em poder resgatar as pessoas do sofrimento, assim como aconteceu com ele. Porque ele sabia que, ao longo da vida, a dor e a tristeza são inevitáveis, mas ficar paralisado no sofrimento, com mágoas, culpas, ressentimentos, desejos de vingança ou medo de novas adversidades é opcional! O escritor britânico C.S.Lewis, nos brinda com esta frase: “A estrada mais segura para o inferno é aquela gradual – o declive suave, piso macio, sem curvas acentuadas, sem marcos de referência, sem sinalização”, deixando claro que uma vida sem percalços, sem sair da zona do conforto, não possibilita evolução criativa e crescimento e acaba levando a perdição da alma.
Essa oração me fez lembrar de Neném Prancha – Roupeiro, massagista e olheiro do Botafogo nos anos 70, que ganhou o título de filósofo do futebol pelo jornalista Armando Nogueira – e sua célebre frase: “Quem pede tem preferência, quem se desloca recebe.” E parece que o pedido de Jabez foi muito específico e apesar de parecer egoísta, ele além de pedir está se deslocando e chamando para si a responsabilidade pela vida, transformando a dor que sua mãe teve ao dar a luz em luz – ampliação da consciência. Ele pede a Deus que lhe dê aquilo que está reservado para ele. Jabez confiou que seria atendido, provavelmente porque se sentia, apesar do seu nome, merecedor do seu pedido e capaz de sair criativamente do senso comum, sendo a mudança que pretendia alcançar.
Concluo desejando que cada um de nós possa despertar nosso Jabez interior, pedindo com consciência e ciente do seu merecimento, disponibilidade de sair da zona do conforto e capacidade para servir!
WALDEMAR MAGALDI FILHO, Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado” Ed. Eleva Cultural (www.elevacultural.com.br), coordenador e professor dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Arteterapia e Psicossomática do IJEP – Instituto Junguiano de ensino e Pesquisa