A importância de um bom relacionamento com o chefe é óbvia, pois está nas mãos dele as principais decisões que definem o destino da carreira do profissional, apesar deste último ser quem tem que se empenhar para desenvolver seu potencial ao máximo e melhorar seus pontos fracos, para atender às expectativas do seu cargo, é o chefe quem ao final de um período vai dizer se esse esforçoo será recompensado com uma promoção e aumento de salário, se será necessário um tempo maior de espera por isso ou se infelizmente ele não será mantido na empresa. O gestor tem o poder levar o profissional tanto para o céu quanto para o inferno.
Existe uma crença amplamente difundida de que um fator importante para um bom relacionamento no ambiente de trabalho é separar a vida profissional da pessoal, uma atitude que se tenta praticar com bastante afinco, mas que é muito difícil de ser mantida, considerando primeiro, que o tempo que se passa no trabalho é longo demais e segundo, que este ambiente é altamente propício a situações de pressão, cobrança, é praticamente impossível manter o papel do profissional cem por cento do tempo, se tornando um terreno favorável para que características negativas da personalidade apareçam de forma descontrolada, impulsiva, sem que a pessoa se dê conta do que está acontecendo.
E justamente nesses momentos de pressão, o colaborador começa a perceber no gestor traços de personalidade que ele acha insuportáveis, desprezíveis, como por exemplo, inflexibilidade, intolerância, rudeza no trato da equipe. Essas características incomodam a tal ponto que a melhor forma de resolver a questão parece ser arranjar um novo emprego onde se possa trabalhar com alguém totalmente diferente.
Após investir um tempo na busca por um novo emprego, finalmente se encontra um em que o gestor não lembra em nada o anterior e uma nova jornada se inicia. No começo tudo parece correr satisfatoriamente e dá a entender que a decisão pela troca foi a melhor coisa a ser feita.
Porém uma sensação desagradável começa a surgir à medida que o tempo passa e que as situações de conflito e tensão acontecem. Novamente começa a se perceber os mesmos comportamentos desagradáveis do chefe anterior no atual e a situação se agrava a tal ponto que parece haver até semelhança física entre os dois. Então não demora muito para se chega a terrível conclusão de que a tentativa de fugir do problema foi mal sucedida, pois se tem nítida sensação de se trocou de emprego mas não de chefe, como se ele o perseguisse como sua sombra.
Apesar de racionalmente essa afirmação soar estranha, sob a perspectiva da psicologia junguiana existe uma explicação bem simples para o que está acontecendo, essa situação pode ser um exemplo de projeção da sombra, ou seja, a pessoa está enxergando no outro características que ela nega, não quer reconhecer como suas por serem inferiores, desprezíveis, negativas. Para não ter que conviver com esse lado indesejado de si mesmo esse conteúdo é rebaixado para um lado sombrio da personalidade, uma camada do inconsciente, fazendo com que se tenha impressão ilusória de que desapareceram. Porém como é parte integrante do indivíduo, existe um esforço natural do inconsciente para mostrar esse lado indesejado que todos temos e a projeção é um das possíveis maneiras de se realizar essa tarefa.
No livro “Ao Encontro da Sombra” (ZWEIG e ABRAMS, 2006) em que vários autores publicaram textos referentes à sombra sob a perspectiva junguiana, William a. Miller escreve sobre as várias formas em que se pode perceber a sombra de uma pessoa na vida cotidiana, e sobre a projeção ele escreveu:
“A projeção é um mecanismo inconsciente que usamos sempre que é ativado um traço ou característica da nossa personalidade que não está relacionado com a consciência. Como resultado da projeção inconsciente, observamos esse traço pessoal nas outras pessoas e reagimos a ele. Vemos nos outros algo que é parte de nós, mas que deixamos de ver em nós.”
Enquanto esse encontro com a sombra for evitado, seja pela negação da sua existência ou por um esforço da vontade, o inconsciente vai trabalhar com a mesma intensidade dessas forças no sentido oposto, ou seja, para levar a luz da consciência essa parte sombria, causando desconforto, conflitos e angústias até que o indivíduo entenda que negar a sombra é um esforço em vão e que para se tornar uma pessoa completa é preciso integrá-la a personalidade, tornar-se amiga dela.
O primeiro passo na direção da amizade com a sombra é reconhecer que ela existe, que aquela boa imagem que construímos de nós mesmos e mostramos para o mundo é uma ilusão. O próximo é identificar as características negadas de nós mesmo que precisam fazer parte da nossa personalidade. Uma forma de fazer isso é trabalhar com o material identificado na projeção, listando aquilo que mais odiamos, detestamos, desprezamos nos outros, neste caso, no chefe e refletir sobre como trazer esse conteúdo para consciência de uma forma que não seja impulsiva e descontrolada.
Vale lembrar que a projeção só funciona porque o outro apresenta condições para ela se “colar”, ou seja, o outro realmente tem os “defeitos” que se vê nele, porém por conta da projeção da sombra eles tomam dimensões desproporcionais à realidade levando da mesma forma a reações exageradas da parte de quem está se vendo no outro. Assim, ao se tornar amigo da sombra, provavelmente não se deixará de ver no chefe tudo aquilo que antes incomodava tanto, o que muda é o tamanho do incômodo causado, permitindo uma relação com o chefe mais realista, livre da interferência de algo criado por nós mesmos.
Dulce Ayako Kurauti
Especialista em psicologia junguiana e analista em formação pelo IJEP, especializanda em Arteterapia e Expressões Criativas pelo IJEP
Tel.: (11)99961-7090 email: dulce_kurauti@hotmail.com
Consultório na Vila Mariana
Referência
ZWEIG, C.; ABRAMS, J. Ao encontro da sombra. São Paulo: Cultrix, 2006.