Vivemos o ano de 2020 e com certeza essa está sendo uma Páscoa atípica. Tenho certeza de que você nunca imaginou passar um domingo de Páscoa sem os festejos típicos dessa época, ou de que iria ser obrigado a comemorar de uma forma diferente. Em virtude da pandemia que o mundo enfrenta nesse momento, lutando contra um vírus que castiga a humanidade, resta-nos comemorar sozinhos em casa, ou com um número reduzido de pessoas, para aqueles que estão confinados com algum parente, mas sem a grande reunião familiar onde todos se reúnem em volta de uma mesa farta, as crianças recebem e degustam os ovos de chocolate, todos comem, bebem e celebram. Mas celebram o que exatamente? Sem o burburinho e o corre-corre típicos dessa época me peguei a pensar. Será que as pessoas vão conseguir comemorar a Páscoa sem poder sair para as compras, sem poder fazer grandes reuniões, sem poder fazer esse grande encontro que muitas vezes acaba em confusão e estresse, mas que ninguém admite, por que afinal é preciso comemorar a Páscoa? E cheguei à conclusão que sim, é possível comemorar esse ano mais verdadeiramente que os anos anteriores porque nos surge uma oportunidade de comemorar a verdadeira Páscoa, seu verdadeiro significado.
A palavra páscoa vem do hebreu Pessach, que significa “passagem” e é celebrada para lembrar a libertação dos judeus do cativeiro no Egito e a travessia em direção a terra prometida.
Para os cristãos é uma das celebrações mais importantes pois celebra a ressureição de Cristo. Onde ocorre a passagem da vida terrestre do Cristo para a vida celeste.
A Páscoa nasce no hemisfério norte, onde nessa época está ocorrendo o equinócio de primavera. E primavera é tempo de renascimento, de florescimento. E como chegamos a essa data? Toda a história da paixão de Cristo, da ascensão, teria ocorrido na época da Páscoa judaica, a tradição cristã copia esse calendário judaico até que no século IV D.C. Constantino convoca o conselho de Nicéia e estabelece que a Páscoa seria no domingo após a primeira lua cheia depois do equinócio de primavera. Primavera representa renascimento e a lua cheia o aflorar dos instintos.
Renasce – domina a vida instintiva – Ressurreição luminosa no dia dedicado ao divino.
A Páscoa seria a ascensão da consciência, o 2º nascimento. A passagem para um outro plano, um plano de ação, de consciência.
O ciclo pascal que vai de 22 de março a 25 de abril, período onde pode acontecer a Páscoa coincide com o período do signo de Aries que compreende o período de 21 de março a 20 de abril, e é o primeiro signo do zodíaco. Novamente o recomeço. Essa data é um momento propício para a finalização do ciclo de vida de um ser luminoso. A luz material desce à terra e a luz espiritual retorna ao céu.
Existem várias celebrações muito especiais que acontecem coincidindo com a primavera relacionadas ao renascimento. Na mitologia grega, Demeter e Perséfone, os mistérios Elêusis se abriam para uma parte em que o público poderia participar. No Egito a deusa Hathor era colocada na barca da bela do amor e levada até o rio Nilo para seu casamento sagrado com Hórus.
Em países de língua anglo saxônica usam a palavra easter (páscoa) e sua origem deriva da deusa Ostara que vem do advérbio ostar e significa sol nascente. Eostre (de origem indo-germânica) significa brilho. Era a deusa da fertilidade, da renovação; seus símbolos eram o coelho por causa da fertilidade e o ovo por ser símbolo de vida. O coelho entre os povos do norte da Europa era considerado sagrado. Os ovos eram decorados para representar o potencial de fertilidade e renovação trazidos pelos deuses. Diversos mitos falam do ovo primordial que teria sido chocado pelo calor da luz solar dando vida a tudo que existe.
A tradição de presentear com ovos coloridos saiu da China onde eles eram embrulhados em casca de cebola e cozidos em água com beterraba, e chega ao Egito e Pérsia, e eram presenteados no início da primavera. Os cristãos adotaram esse hábito como lembrança da ressureição e no século XVIII a igreja adotou-o oficialmente como símbolo da Páscoa. Ainda hoje algumas culturas pintam e decoram ricamente os ovos e presenteiam seus entes queridos para manter a tradição. Somente depois de 1830 é que os ovos tradicionais foram substituídos pelos de chocolate, mas sua simbologia permanece. Jung nos diz que através dos símbolos os conteúdos inconscientes conseguem se expressar mais facilmente. As pessoas religiosas podem entrar em contato com esses símbolos, assimilá-los e assim evitar o isolamento, que pode causar doenças. Ele ressalta a importância dos símbolos em geral. Quando a antiga linguagem simbólica não é mais compreendida, a cultura e a religião, que são vividas dentro dela e nela são mantidas vivas no Ocidente – ou seja, o cristianismo – correm perigo de caírem vítimas daquilo que ele observou na China e, em sua fase inicial, também na Índia: do racionalismo materialista (JUNG, 1956,p.801)
Portanto, não temos uma vida simbólica, mas temos necessidade premente dela. Somente a vida simbólica pode expressar a necessidade da alma – a necessidade diária da alma, bem entendido. E pelo fato de as pessoas não terem isso, não conseguem sair dessa roda viva, dessa vida assustadora, maçante e banal onde são “nada mais do que”. No rito estão próximas de Deus; são até mesmo divinas. Pensemos apenas no sacerdote da igreja católica que está na divindade: ele traz a si mesmo como sacrifício sobre o altar; ele mesmo se oferece como sacrifício. Fazemos nós isto? Onde temos consciência de fazer isso? Em lugar nenhum! Tudo é banal, tudo é “nada mais do que”; e por isso as pessoas são neuróticas. As pessoas estão simplesmente enfastiadas de tudo, dessa vida banal, e por isso querem sensações. Querem até mesmo uma guerra: todas querem uma guerra. Todas ficam felizes quando há uma guerra e dizem: “Graças a Deus, finalmente acontece algo – algo que é maior do que nós” (JUNG, 2011,§ 627).
Ainda temos o mês em que as festividades da Páscoa acontecem. Abril deriva do latim Aprilis, que significa abrir, numa referência à germinação das culturas. Há ainda a hipótese de que se relaciona com a deusa grega Afrodite, deusa do amor que nasceu da espuma do mar que em grego antigo se dizia “abril”.
A natureza obedece a primavera, as plantas não escolhem quando querem florescer, elas simplesmente seguem seu ciclo. Já a natureza humana não, para o homem a primavera é eletiva, ele escolhe quando florescer. O homem precisa escolher conscientemente florescer, aproveitar a primavera. Os ciclos se sucedem e sempre haverá uma nova oportunidade. Independentemente de estarmos no hemisfério sul a simbologia da Páscoa retrata um momento de despertar, o momento de florescer, de renascer, de vivermos a primavera interna.
Estamos vivendo um momento propício para esse despertar. Seu 1º nascimento é quando sua mãe lhe dá a luz, coloca você a serviço da luz. Seu 2º nascimento é o nascimento para o espírito, quando há um chamado, um despertar. E nesse momento podemos despertar para um olhar interno. Sair do mundo externo e mergulhar em nosso interior. Ver outras possibilidades. Temos a oportunidade de viver uma Páscoa mais legítima, para dentro e trazer nossa essência, a semente divina para florescer. Viver esse renascimento, a Páscoa. Nascemos em corpo (1º) e agora em espírito (2º).
A cada Páscoa há uma oportunidade de renascimento, um pouco de luz dentro de nós para um despertar de consciência, uma elevação. A Páscoa é o fim da trajetória de um grande ser espiritual e o começo da trajetória dos seres humanos quando a consciência ascendeu.
A Páscoa é um convite ao despertar, um despertar interno que cada indivíduo fará a seu tempo, não podemos forçar esse despertar assim como não podemos forçar a natureza a florescer, cada um tem seu momento, esse despertar deve ser de dentro para fora do contrário será como o ovo que ao ser quebrado de fora para dentro mata a vida que havia nele.
Espero que esse seja o seu momento, que no silêncio de sua casa você encontre o silêncio dentro de si para ouvir e sentir a sua primavera. Mas se não chegou ainda o seu momento não se preocupe ele logo chegará.
Tenha uma verdadeira Feliz Páscoa!!!!
Referências:
JUNG, C. G., A vida simbólica, Vozes, SP. 2011)
MACHON, Henryk, O cristianismo em C. G. Jung, Vozes, SP, 2016)
www.eusemfronteiras.com.br
Keller Villela
Membro analista em formação pelo IJEP
Contato: kellervillela@terra.com.br SP Vila Mariana