Hitler não tem realmente uma psicologia pessoal. É um sujeito gozado. Não pode fazer promessas. Não existe ninguém para fazer uma promessa! Hitler é apenas o megafone que dá voz ao estado de espírito ou à psicologia de 80 milhões de alemães. Tem sido afirmado que ele tem o apoio irrestrito de mais de metade dos alemães. Isso é provavelmente verdade, mas é apenas uma parte da verdade, pois Hitler representa a mente inconsciente não só de todo o povo da Alemanha, mas também de outros países. Ele expressa os sentimentos inconscientes de muitos ingleses e franceses. Alguns tchecoslovacos estão frontalmente contra ele, mas, como tantos outros, podem sentir uma espécie de admiração por ele, ao mesmo tempo. Eles dizem: “Vejam o que ele está fazendo. Não é que o sujeito é mesmo diabólico!” Num certo sentido, admiram o poder de Hitler.
A mesma coisa acontece frequentemente quando lemos histórias policiais. Há uma parte de nós que passa a identificar-se até com os personagens que detestamos. Hitler expressa o que quer e obtém-no.
Hitler tem uma sensibilidade especial?
Decididamente que sim. É como se possuísse tentáculos nervosos que se estendem em todas as direções. Isso torna-o sensível a tudo o que a sua nação está sentindo. Hitler pertence à classe do feiticeiro, do místico, do, do vidente. Sua expressão é a de um visionário. De fato, esse é o seu elemento mais significativo. Ele não é um líder na acepção em que Mussolini é. Quando Hitler fala, não diz nada de novo aos alemães, mas simplesmente o que eles querem ouvir. Ele é, sobretudo, o espelho daquele complexo de inferioridade que é uma tão acentuada característica alemã.
O senhor escreveu um livro muito importante sobre tipos psicológicos. Em qual dos tipos colocaria Hitler?
Eu não o colocaria como homem, pois individualmente é muito desinteressante e sem importância. Ele é simplesmente um grande fenômeno. Ver Hitler e Mussolini juntos, como eu os vi, é uma experiência incrível. Mussolini enche seu uniforme, mas Hitler nem mesmo se ajusta às suas roupas! Hitler é toda máscara. Mussolini revela uma certa vitalidade. É um homem – natural, caloroso, duro e implacável. Se diz “não”, quer dizer não. Pode falar como uma pessoa real. Se lhe dissermos: “Você prometeu fazer algo e mentiu”, ele provavelmente admitirá sua mentira e é até capaz de ruborizar- se. É mais humano do que Hitler. Saberia o que tinha prometido e saberia que tinha mentido.
Uma outra diferença entre eles é a respeito de sua ambição pessoal. Em Hitler, a ambição ocupa um lugar muito pequeno. É provavelmente correto dizer-se que Hitler não possui ambição além da de qualquer homem comum. Mas Mussolini é mais ambicioso do que a média, embora sua ambição seja insuficiente para explicar toda a sua força. Ele acha que corresponde às necessidades nacionais da Itália. Hitler não governa a Alemanha da mesma maneira. Ele é sensível à tendência dos problemas em seu país.
Hitler não pode ser entendido separadamente de um exame dos fatores inconscientes que desempenham seu papel na constituição dele e, de fato, no mundo. É certo que Hitler não se entende a si mesmo; se o fizesse, não seria tão carente de senso de humor e não se levaria tanto a sério. Existem numerosas maneiras em que as forças inconscientes desempenham seu papel. O inconsciente coletivo é um fato real nas questões humanas. Seriam precisos vários volumes para explicar suas múltiplas ramificações. Todos nós participamos nele. Num certo sentido, constitui a sabedoria humana acumulada que herdamos inconscientemente; em outros sentidos, envolve as emoções humanas comuns de que todos compartilhamos.
É compreensível, portanto, a existência de uma força como o inconsciente coletivo de uma nação; na Alemanha, Hitler dispõe de um poder sobrenatural – o de ser sensível a esse inconsciente coletivo. É como se ele soubesse o que a nação está realmente sentindo, a qualquer momento dado.
Hitler sacrificou a sua individualidade, ou então não possui uma em qualquer acepção real, a essa quase completa subordinação às forças do inconsciente coletivo, e está apto a apoiar-se nessa reserva oculta. Ele mesmo falou a respeito de ser capaz de ouvir uma voz. Para ele, é como se a ouvisse, e a voz que ele ouve é a do inconsciente coletivo, especialmente o de sua própria raça. É esse fato que torna tamanho problema lidar com Hitler. Ele é virtualmente a nação. E o problema com uma nação é que não respeita sua palavra nem tem honra, pelo menos ao nível do inconsciente coletivo. Uma nação como tal, apesar de todas as pretensões dos estados totalitários, é uma força cega.
Você pode selecionar uma centena de homens muito inteligentes e, quando os juntar todos, eles não serão mais do que uma turba idiota. A multidão não se eleva ao nível das inteligências superiores que ela contém, mas são, pelo contrário, as qualidades que todos têm as que se tornam características dominantes da multidão como um todo.
Uma forma em que o inconsciente aparece ao homem é a de uma figura feminina. De um modo análogo, o inconsciente personificado apresenta-se a uma mulher sob um disfarce de homem. Um dos principais problemas é obter o tipo certo de relacionamento dessas figuras em nós próprios. Podemos ter essas figuras em todas as formas. Depois ela morrerá, embora em muitos homens, de fato, ela nunca morra como uma força. Se um homem não lograr um relacionamento correto com essa figura feminina, ele acabará possuído por ela, a qual então se converte num perturbador fator de desintegração.
Hitler nunca logrou uma relação saudável com essa figura feminina, a que eu chamo anima. O resultado é que está possuído por ela. Em vez de ser verdadeiramente criativo, ele é, por conseguinte, destrutivo. Eis uma das razões pela qual Hitler é perigoso: ele não possui em seu íntimo as sementes da verdadeira harmonia.
Dr. Jung, como é que conserva a paciência conosco e com os nossos mesquinhos problemas, quando a Europa está desabando e o senhor tem que realizar um trabalho de importância mundial?
Porque o problema do mundo começa com o indivíduo.
Quer dizer que o homem em conflito consigo mesmo faz, em última instância, guerras e revoluções?
Certamente. E o homem em paz consigo mesmo, que se aceita, contribui com uma soma infinitesimal para o bem do universo. Tratem de vossos conflitos privados e pessoais, e estarão reduzindo em um milionésimo de milionésimo os conflitos mundiais
JUNG DIAGNOSTICA OS DITADORES, em The Psychologist (Londres), em maio de 1939.
Transcrição da entrevista que C. G. Jung concedeu a H. R. Knickerbocker (1898 – 1949), correspondente estrangeiro dos jornais de Hearst, analisando Adolf Hitler e seu fascínio exercido ao povo alemão, publicada pelo psicólogo e ministro anglicano inglês, Howard L. Philp, na revista Cosmopolitan em 1939, traduzida e publicada no livro: C G Jung Entrevistas e Encontros, de William Mcguire e R F C Hull – Cultrix – SP 1982.
Ler está entrevista nos permite compreender porque um analista junguiano jamais poderá ficar omisso diante de um movimento fascista!
Peço que leiam e encaminhem, porque isso é uma questão ética e de saúde cívica!
Obrigado,
Waldemar Magaldi Filho, Analista Junguiano do IJEP – Instituto junguiano de Ensino e Pesquisa