Os estudos e a prática da Psicologia Analítica de C. G. Jung, sem exceção, devem incluir e contemplarem em suas aulas teóricas e práticas tanto a dimensão espiritual quanto a religiosidade. Porque ambas estão nos fundamentos desta abordagem que tem como meta o autoconhecimento para que o sentido e o significado existencial possam ser conquistados.
A dimensão espiritualista é necessária por negar a visão estritamente materialista da existência, e incentivar a crença na continuidade da vida após a morte, ou seja, a eternidade da alma ou psique. A religiosidade, por sua vez, por contribuir para que aconteça a religação ao si mesmo, ou Self – que Jung chega a associar com a Imago Dei, a imagem de Deus em nós, estimulando e estabelecendo a relação do Ego com o Self, que é a base do processo de individuação. Ressaltando que a individuação é um processo teleológico, ao enfatizar que a existência humana é dotada propósito, sentido e significado existencial, onde na maioria das vezes está inconsciente e distante da realidade cotidiana, imanente nas profundezas do inconsciente de todo ser humano. Individuação é a capacidade que todo indivíduo tem, por meio do caminho de diferenciação, separação e integração, sair da uniformidade rasa e alienante da normose coletiva em direção e uma busca simultânea de profundidade e expansão evolutiva.
Porém, tanto para ser um analista junguiano, quanto para se submeter ao processo analítico, não é necessário pertencer ou praticar de nenhuma religião. Aliás, atualmente é mais fácil encontramos nas pessoas “desencaixadas” de qualquer sistema religioso as atitudes religiosas verdadeiras (no sentido de religare ou religação) e com forte atuação espiritualista diante da vida, porque estas pessoas por estarem livres das amarras institucionais das religiões, com imposições conservadoras, moralistas e puritanas que negam os aspectos sombrios do si mesmo, podem servir e atuar amorosamente, de forma incondicional, livre, leve e solta.
Neste sentido, do mesmo modo que os posicionamentos materialistas, ateus, hereges, descrentes, incrédulos, céticos ou agnósticos, que negam o sagrado e o mistério da vida são prejudiciais, igualmente a atitude fundamentalista, fanática e literal, estimulada e praticada por qualquer religião, também será. Porque ambas impedem a relação com o si mesmo e o processo de individuação, que irão possibilitar o encontro do significado da vida, dando sentido e direcionamento para que o servir possa acontecer.
Para corroborar, coloco abaixo um trecho escrito por Jung, no livro Psicologia e religião Ocidental § 11:
“Como sou médico e especialista em doenças nervosas e mentais, não tomo como ponto de partida qualquer credo religioso, mas sim a psicologia do homo religiosus; do homem que conterá e observa cuidadosamente certos fatores que agem sobre ele e sobre seu estado geral. É fácil a tarefa de denominar e definir tais fatores segundo a tradição histórica ou o saber etnológico, mas é extremamente difícil fazê-lo do ponto de vista da Psicologia. Minha contribuição relativa ao problema religioso provém exclusivamente da experiência prática com meus pacientes, e com as pessoas ditas normais. “
O processo de individuação começa com a disposição para o conhecimento de si mesmo, representado pelo eu ou ego pessoal, por meio da relação com o outro de si mesmo que, invariavelmente estará projetado num tu exterior, até desembocar no eu – representado pelos aspectos sociais e culturais. Só assim poderá acontecer a verdadeira diferenciação e integração consciente rumo ao grande abraço integral que é a meta deste processo, onde cada ser humano poderá valorizar a sua singularidade na pluralidade e diversidade, reconhecendo simultaneamente o Todo nas partes e as partes no Todo. Compreendendo que ser diferente não é sinônimo de ser desigual.
Apesar da existência de uma infinidade de religiões, a espiritualidade é apenas uma e a mesma para todo mundo. As religiões, via de regra, são constituídas por um conjunto de práticas ritualísticas, fundamentadas em mitos dogmáticos, para os adeptos que não questionam a vida, enquanto a espiritualidade é para quem está desperto em busca de sentido e significado existencial, advindo das experiências e reflexões da relação entre o mundo interior e o mundo exterior. As religiões, via de regra, dominam e reprimem a criatividade infringindo medo, vergonha, culpa e castigo da danação apontando para perda do paraíso enquanto a espiritualidade possibilita a paz Interior, ou seja, confiança e fé no Self – que é representado pela imagem de Deus – instancia arquetípica que habita o íntimo de todos os seres humanos. As religiões causam divisões, disputas e conflitos em busca do poder exterior, enquanto a espiritualidade possibilita a união de todos, pois todos somos um no Uno divino. Por isso, as religiões seguem os preceitos dos seus livros sagrados e a espiritualidade busca o sagrado em tudo e em todos, independente da aparência, origem, credo, raça, condição social, econômica ou cultual. Aceitando o mistério da vida e a religiosidade o caminho da relação com o si mesmo.
WALDEMAR MAGALDI FILHO, psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado” da Ed. Eleva Cultural. Diretor do IJEP – Instituto Junguiano de Ensino Pesquisa, que oferece cursos de pós-graduação em Psicologia Analítica, Psicossomática e Arteterapia. www.ijep.com.br