Nós ginecologistas muitas vezes nos deparamos com as queixas de leucorreia (corrimento genital) seguido de prurido vaginal (coceira), queixas essas relacionadas a infecções ginecológicas causadas por diferentes agentes físicos, entre eles temos os fungos. Os sintomas de prurido vaginal consistem em um dos sintomas mais frequentes em nossas clínicas e está relacionado a candidíase vulvovaginal. (SHIOZAWA,P[et al],2017).
Dados da literatura médica, informam que 75% das mulheres sexualmente ativas terão um episódio de candidíase vulvovaginal em suas vidas. Dessas, 40ª a 50% vivenciarão novos surtos no período de um ano, ou ainda ao menos três episódios não relacionados a antibioticoterapia no período de tempo. Ainda há indícios de que 50% de mulheres com mais de 25 anos apresentem um quadro de candidíase em algum momento de suas vidas e, destas, cerca de 5% apresentarão episódios recorrentes de candidíase vulvovaginal. (ALVARES, C.A; SVIDZINSKI, T.I.E; CONSOLARO, M.E.L., 2007).
Creio que esta patologia caracteriza uma importante questão ginecológica, devido sua alta prevalência e a dificuldade diante dos casos de candidíase recorrente. Muitas dessas mulheres são tratadas como portadoras de candidíase vulvovaginal sem terem um diagnostico laboratorial confirmado, devido sua complexidade. A maioria das infecções fúngicas dos seres humanos é causada por fungos oportunistas e a cândida é um fungo diploide e polimórfico responsável pelo desenvolvimento de várias patologias. A cândida está presente em condições normais de saúde e vive em equilíbrio sem prejuízo da saúde.
Podemos encontrar a cândida albicans na cavidade oral, trato gastrointestinal, respiratório, urinário e circulação sanguínea. Fatores predisponentes, fisiológicos, patológicos, mecânicos podem modificar essa relação entre hospedeiro e a microbiótica normal e do sistema imune. Esse sistema imune apresenta-se em todas as superfícies epiteliais, como a pele e os revestimentos dos tratos gastro-intestinais, respiratórios e gastro-urinários, proporcionando uma barreira física contra esse microorganismo, pois interagem com o fungo e formam mecanismos imunes inatos nesses locais.
Neste artigo, busca-se compreender o sintoma de prurido vaginal como uma manifestação simbólica de uma doença e sua possível relação com os complexos psíquicos.
O problema das candidíases recorrentes representam um transtorno para aquelas pacientes acometidas dessa sintomatologia. Imaginem essas mulheres tendo ido aos ginecologistas diversas vezes, submetidas aos tratamentos mais diversos e de novo aquela coceira a incomodar suas vidas. Esse prurido vaginal contínuo, sem dar trégua, faz com que suas vidas fiquem de cabeça para o ar, tornando-as inseguras, mal humoradas, incapazes de levar uma vida plena, incapazes de uma vida sexual satisfatória.
Vamos lembrar que estamos falando do prurido vaginal, que simbolicamente aparece no plexo urogenital (ovários, trompa, útero, vagina, clitóris, grandes e pequenos lábios), órgão responsável pelo aparelho reprodutor feminino.
Como analista Junguiana em formação e ginecologista, diante de um caso de prurido vaginal recorrente, observo a necessidade de ampliar nossa visão e tentar compreender quais os possíveis aspectos da dinâmica psíquica possam estar interferindo nessa situação.
Quais complexos poderiam estar envolvidos?
A vagina simbolicamente corresponde a um importante componente do corpo de qualquer mulher. Quantas crenças, sonhos, expectativas referem-se à essa região, não somente para as mulheres, mas para os homens também. Muitas vezes isso tudo pode estar no limiar do inconsciente. Essa vagina corresponde a porta de entrada para o exterior e o interior. Para os homens pode representar a possibilidade de subjugar, de escravizar, de submeter uma mulher à sua vontade, por exemplo.
Essa vagina como representante da passagem para o interior também tem sua passagem para o exterior. O nascimento, o parto normal, o milagre da vida acontecendo… Impossível não considerar toda a simbologia desse aparelho reprodutor e sua relevância em todos os mortais. Que mistérios estariam por traz dessa coceira vaginal. Mistérios relacionados às questões sexuais, inseguranças, crenças, dores…
Se tentarmos abordar dessa forma, provavelmente essa paciente sairá correndo de nosso consultório achando que perdemos totalmente a razão. Nossa abordagem deve ser cuidadosa e com muito tato para poder levantar com a paciente os fatores de desenvolvimento para um diagnóstico correto. Sabe-se que o eixo Ego–self está comprometido, pensando sobre o aspecto da Psicossomática, no processo de adoecer; é um fenômeno biográfico e revela uma intima contradição, um conflito do Eu consigo mesmo.
Mas essa coceira simbolicamente refere-se às mensagens do self, indicando que há um desequilíbrio entre o self e o Ego. Nós seres humanos, somos criaturas complexas, com um padrão de organização, isto é, o corpo tenta se auto curar, está orientado para a vida. Tudo está conectado e interligado e são ao mesmo tempo independentes. Não existe uma vagina separada do sistema nervoso central. Nosso corpo é o templo da alma, psique e matéria são aspectos diferentes de uma única e mesma coisa. O corpo doente é o corpo que busca a recomposição de um equilíbrio do todo a que pertence, mesmo por caminhos tortuosos.
A doença orgânica é considerada como representante de significados simbólicos, porque os sintomas revelam aquilo que não é entendido, uma uma intima contradição, um conflito do Eu consigo mesmo. Reconhecer o significado da doença é reconhecer que esse sinal ou sintoma esta oferecendo uma oportunidade para o crescimento. O sistema nervoso autônomo, responsável pela coordenação do funcionamento de todos os órgãos internos, é regulado pelo sistema límbico que, por sua vez, é afetado pelas experiências afetivas e emocionais do indivíduo em seu contexto social. A psiconeuroimunologia que investiga as interações entre os sistemas neuroendócrino imune e os aspectos psicológicos e comportamentais tem mostrado que o sistema imune influencia e é influenciado pelo cérebro. (URSIN,2000)
Para Jung(2013a), tanto a neurose como a psicose , assim como os sintomas de natureza somática ou psíquica originam-se nos complexos. A constelação de um complexo provoca uma alteração, tanto no nível fisiológico quanto no psicológico, estando o indivíduo consciente ou não dessas alterações.
Todo complexo tem um padrão específico de imagens e sensações, cuja raiz é arquetípica. O complexo egóico forma-se ao longo do eixo Ego-self e a função transcendente, a função simbólica, terá um papel fundamental nesse desenvolvimento. Assim, tanto a saúde como a doença podem ser vistos como representações simbólicas do eixo Ego-self. A doença seria um símbolo que revelaria uma disfunção nesse eixo, provocada por um complexo e que busca apontar para a correção a ser feita.
Nas mulheres, percebe-se uma pequena quantidade de muco ou secreção vaginal clara sem odor que aumenta durante alguns períodos do ciclo menstrual, excitação sexual e atividade física. Esta secreção está presente e tem a finalidade de preparação para o intercurso sexual porque aumenta a secreção das glândulas cervicais e a congestão pélvica com transudação de líquido para a vagina. Mas pode tornar-se patológica nas infecções por bactérias, fungos, DST, e ter sentido de defesa para uma relação sexual insatisfatória como uma punição de uma vivência sexual indesejada, numa relação desequilibrada entre alguns casais, por exemplo. Consiste em uma expressão simbólica de um conteúdo emocionalmente carregado que pode manifestar-se através do SNA.
Para que o desenvolvimento sexual da mulher seja pleno, é necessário que ela se sinta à vontade e segura, podendo expressar-se globalmente. As questões relacionadas ao contexto sexual, interpessoais e psicológicas (experiências passadas negativas ou abuso, autoimagem negativa e sentimentos de vergonha ou culpa) tem influência negativa (BASSON,2004).
Entre as necessidades humanas está a de estima, isto é, a necessidade de autoestima e estima por parte dos outros. Para a formação de uma adequada autoestima há necessidade daquele olhar amoroso, de apreciação por uma pessoa significativa, como a mãe, porque nunca é com seus próprios olhos que a criança se vê, mas sempre com os olhos do outro.
O sistema imune parece ser um elo que explica as interações entre os fenômenos psicossociais e áreas da patologia humana, como as doenças autoimunes, infecciosas e neoplásicas. Tanto os estímulos externos quanto os internos são levados ao SNC, que através das conexões do sistema límbico promove uma resposta que tem por finalidade a satisfação de uma necessidade da qual o organismo está dependendo para refazer seu equilíbrio. Se a necessidade não for satisfeita, a homeostase estará comprometida e o organismo entraria em estado de alerta onde se inicia o processo de adoecer. Os sintomas de prurido vaginal referem-se a sinais provenientes do plexo urogenital, como dissemos antes. Simbolicamente, poderíamos pensar em uma representação: uma porta de entrada ou passagem, as primeiras aberturas de comunicações físicas permanentes entre o interior e o exterior humano. Associações que podem nos levar entre o ter e o ser, pois a energia erótica que envolve o encontro entre uma vagina e um pênis atinge o tronco, sobe ao coração e a cabeça. O plexo urogenital está sob a influência do eixo hipotálamo hipófise-ovário, existe uma estrutura que sustenta o funcionamento hormonal responsável pela regulação ovariana. Esse plexo representa os caracteres sexuais dos órgãos reprodutores, durante a embriogênese entre a quarta e sétima semana, onde ocorre a diferenciação entre o sistema urinário e o sistema genital, mas ambos têm origem embrionária comum.
O aparecimento do sintoma prurido, exatamente na área urogenital, poderia estar relacionado a uma fuga de seus conflitos internos, onde poderíamos observar uma dificuldade ou impossibilidade de expressão adequada. Essa dificuldade pode ser individual ou sociocultural, por supor que não tem espaço para simplesmente sentir-se triste e/ou falar das suas dificuldades. Uma relação sexual antes prazeirosa, pode se tornar uma experiência incômoda e indesejada. Possíveis complexos emergem a partir de conflitos inconscientes, e o sintoma se apresenta como uma forma de afastamento de uma situação que antes era prazeirosa. O que está acontecendo? O que está sendo evitado? Que conteúdos foram despertados? Quem nessa mulher se recusa ao encontro erótico?
Não podemos esquecer que cada filha traz consigo sua mãe. Esse vínculo é eterno e nunca vamos conseguir nos desligar. Essa figura materna terá influência sobre sua cria, influencia essa que acontece mesmo antes do nascimento. Diante disso, novas questões emergem. Como foi a vivência dessa gestação? Quais os cuidados durante essa gestação e após? Havia zelo, carinho com esse bebê? Todas essas experiências ficaram gravadas em nosso inconsciente. Quando conseguimos compreender os efeitos dessa criação sobre nós, poderemos compreender a nós mesmas. A atenção materna é essencial na vida de uma criança, porque há necessidade de serem vistas, amadas e queridas desde os primeiros dias de suas vidas, e nesse período, quem está ao lado é a mãe, ou alguém que cumpre esse papel. A influência dessa mãe terá efeitos positivos ou negativos conforme a leitura dessa filha.
Na realidade, segundo Jung ( 2013) quando um complexo é constelado, indica que há um desequilíbrio na dinâmica psíquica. O “complexo é um fator psíquico que, em termos de energia, possui um valor que supera, às vezes, o de nossas intenções conscientes.” ( JUNG, 2013, p.200)
Segundo Jung (2014), é difícil comprovar quando o distúrbio do complexo materno ocorre sem necessária participação causal da mãe. Mas, em geral, sua observação mostra que a mãe sempre está presente na origem do distúrbio; há no modelo feminino que a mãe passa para a filha, uma complexidade de elementos do arquétipo materno, do feminino e da experiência concreta entre mãe e filha.
Nas três formas que Jung expressa o complexo materno, temos a hipertrofia do aspecto maternal, exacerbação de eros e a identificação com a mãe. (JUNG, 2014). Nessa formas de expressão, a mulher transita entre uma identificação com o aspecto materno, uma idealização da própria mãe ou mesmo uma rejeição desta que pode desdobrar em dificuldades diversas em relação ao seu feminino e nos relacionamentos afetivos.
A saúde feminina dependerá do conhecimento da forma como nossa mãe influenciou nossa história e como continua influenciando. Através dela compreendemos o que é ser mulher e como podemos nos cuidar. Essa necessidade de aprovação, antes essencial, com o passar dos anos deve ser vista com atenção para que haja independência e liberdade. O sintoma de prurido vaginal poderia estar relacionado à defesas, como por exemplo: uma relação sexual insatisfatória, um aumento do desejo numa relação não satisfatória, uma punição por estar tendo uma vivência sexual satisfatória e, até mesmo como um impedimento de uma relação não desejada. Diversas são as possibilidades de compreensão desse sintoma, mas na base encontraremos dificuldades com o próprio feminino, com as complexas relações com as figuras parentais, com o próprio desejo e com as relações afetivas. A decisão de crescer implica em limpar feridas emocionais e resolver questões conflitivas que, podem se tornar conscientes, se houver uma disponibilidade interna dessas mulheres para buscar ajuda e abrir seus corações para trabalhar os aspectos psíquicos desse sintoma.
Ivone Ferreira, Analista em formação pelo IJEP
Referências
ALVARES, C.A; SVIDZINSKI, T.I.E; CONSOLARO, M.E.L. Candidíase vulvovaginal: fatores predisponentes do hospedeiro e virulência das leveduras. J. Bras. Patol.Med. Lab.v.43.n.5 319-327, outubro, 2007.
BASSON, R. et al. Summary of the recommendations on womwn`s sexual dysfunction. In.. Lue,TF; et al. F editors, Sexual Medicine:Sexual Dysfunction in men and women. Paris: health Publications, p. 975-990, 2004.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução de Mateus Ramalho Rocha. -10.ed., Petrópolis: Vozes, 2014.
JUNG,C.G. A natureza da psique. Tradução de Mateus Ramalho Rocha. -10.ed., Petrópolis: Vozes, 2013.
URSIN, H. Psychosomatu Medicine: State of the art. Annals of Medicine. 32(5): 323-328, 2000.