Este artigo explora os impactos da Liderança Feminina no mundo corporativo, através do arquétipo da Grande Mãe. A partir da simbologia e instinto materno, é possível que a mulher passe a desempenhar uma gestão mais acolhedora, flexível, nutridora, com um olhar mais humano e sensível, nas relações de trabalho, as quais são tão afetadas pelo sofrimento psíquico.
A imagem que criei para ilustrar o artigo, traz o símbolo de Iemanjá, com a sabedoria e serenidade da Grande Mãe, dando suporte emocional e espiritual, para a mulher que lidera.
Há anos no mercado de trabalho, observo os impactos das lideranças na produtividade dos funcionários e em sua saúde física e mental.
Observo por muitas vezes, líderes impondo metas abusivas. O que vem aumentando os afastamentos por Burnout e outras doenças ocasionadas pelo excesso de trabalho, bem como outras consequências. Se antes o esgotamento e o estresse preocupavam a gestão de pessoas pela falta de engajamento, menor produtividade ou a perda de profissionais por afastamentos, agora o Burnout ganha mais um fator de risco, jurídico e financeiro (Exam, 2022).
Transtornos mentais relacionados ao trabalho (TMRT), como estresse e ansiedade, são a terceira maior causa de afastamento, e dados apontam tendência de crescimento.
Tais apontamentos fazem refletir sobre uma liderança mais preparada psicologicamente, consciente e humanizada. Que se relaciona de forma acolhedora e preocupada com o indivíduo, visando, além do lucro para as empresas, gerir de forma holística e com atenção as questões sentimentais e emocionais, sem custar a saúde dos funcionários.
Segundo Rafael Souza, em seu livro “Trabalho, sofrimento e Autorrealização“:
Os líderes estão sendo cobrados a criar estratégias de gestão de pessoas, para que o trabalho flua e as pessoas se mantenham saudáveis. Mais um desafio, para o ser humano. A partir daí, com a grande ocupação de mulheres em cargos de liderança, notamos que há uma diferença na liderança feminina: lidar com questões ligadas a relacionamentos de forma mais humana e acolhedora.
Ao trazer os princípios da teoria Junguiana, faço uma ampliação da influência arquetípica nas relações de trabalho da contemporaneidade, em sua simbologia masculina e feminina.
Jung cita, no livro “A natureza da psique”:
Os padrões universais de comportamento, associados aos homens e mulheres podem variar de acordo com o contexto histórico, cultural e social, mas sempre veremos alguns aspectos comuns, de origem arquetípica.
No universo masculino, ainda encontramos atualmente a presença do sistema patriarcal, com as características de poder e controle sobre o feminino. Esse padrão de comportamento masculino, é aplicado há tempos, também dentro das empresas, e faz a liderança masculina, no geral, mais prática, rígida, arbitrária e inflexível.
A cultura patriarcal ainda é uma realidade muito presente, principalmente no mundo corporativo. As mulheres, para atuarem na liderança de forma a serem respeitadas, tem que assumir, muitas vezes, uma postura masculinizada. Acredito que o grande desafio é quebrar essa rigidez, para que, no papel de liderar os funcionários, a mulher possa trazer para a pele aspectos de feminino que fazem parte da simbologia do materno para as relações de trabalho.
No jornal Ladies Home Journal, edição de março de 1992, foi identificado no artigo dois medos fundamentais dos homens: não estar à altura do que se esperam deles e o medo da provação física e psicológica.
No livro “Sob a Sombra de Saturno”, Hollis fala sobre as questões arquetípicas que envolvem o comportamento masculino. No nível competitivo, os homens participam de trocas competitivas e humilhantes, seja em embates acadêmicos ou empresariais ou em alto-mar ou em campos de batalha. Aponta que a vida dos homens é basicamente governada pelo medo.
O autor discute que essa essência arquetípica masculina de rigidez, inflexibilidade e falta de afeto, são aspectos a que os homens estão presos a gerações, repetindo este padrão como forma certa, conhecida e ensinada.
Em que momento é permitido ao masculino sentir-se vulnerável, sem sequer poder dar vasão ou admitir ter medo?
“Como os homens não conseguem invalidar a frágil força que conseguiram reunir, mal conseguem admitir para si ou para os outros o quão influenciados são pelo medo. Mas a cura de um homem exige que ele deixe de se sentir envergonhado pelo seu medo. Sempre admirei a liberdade que as mulheres têm de reconhecer seus temores, de compartilhá-los, colhendo desse modo apoios das outras pessoas. O fato de o homem reconhecer o lugar do medo na vida significa correr o risco de sentir-se pouco masculino, seu isolamento aprofunda-se”, continua Hollis, no livro “Sob a Sombra de Saturno).
Por esse padrão, os homens são menos envolvidos emocionalmente também com as equipes de trabalho, sentem dificuldade em interiorizar as experiências. Já as mulheres têm maior facilidade em fazer essa ligação com seus funcionários, pois as relações femininas permitem que esse vínculo seja criado, de acordo com a cultura contemporânea.
O autor continua demonstrando que, quanto maior a compressão do homem em se relacionar internamente com o feminino, mais capaz será de viver os relacionamentos com as mulheres.
Hollis aprofunda: do contrário, sempre que vemos homens tentando controlar mulheres, estamos na presença do “vil trabalho do medo que criou o patriarcado”.
Diante destes apontamentos, podemos dizer que o homem age da forma pelo qual foi há longas gerações criados para fazer: demonstrar força, poder, sem medo, sem envolvimento afetivo e sem sentir. Não há espaço para a vulnerabilidade no mundo masculino. O que é o oposto no universo feminino: no qual é permitido falar sobre sentimentos e ter apoio nisso.
Diante dessa ampliação, pensamos que, nas relações de trabalho, a liderança feminina se diferencia com uma gestão que da abertura para habilidades interpessoais, como empatia, comunicação e trabalho em equipe. As mulheres podem ser mais propensas a considerar uma variedade de perspectivas e opiniões ao tomar decisões, buscando o consenso, inclusão e soluções para lidar com conflitos.
O lado materno muitas vezes é colocado nas relações de trabalho pelas mulheres, e isso faz com que o acolhimento e direção seja diferenciado: com amor no que se faz, com sentido humano em executar um trabalho. “A mágica e a autoridade do feminino: a sabedoria; a elevação espiritual além da razão; o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona condições de crescimento.” Jung (2014).
O indivíduo deixa de atuar de forma automática sobre o efeito dos complexos e passa a mergulhar no seu lado mais humano.
Esse lado materno abre espaço para a nutrição, atenção, acolhimento, atingindo as emoções dos funcionários (pessoas) que estão executando o trabalho sob pressão. Essa Grande Mãe, que atravessa a liderança naquele momento, abre espaço para as condições do crescimento, da fertilidade, do alimentar simbolicamente aqueles indivíduos, dando suporte emocional na relação corporativa.
São muitas características comportamentais que demostram a capacidade das mulheres em construir relacionamentos mais fortes, sensíveis e acolhedores, para que as metas exigidas pelas empresas sejam alcançadas de forma mais humanizada e intuitiva, reduzindo os impactos do sistema predominantemente masculino e patriarcal, que foi a única forma exercida por anos.
Observo que a forma de relação das mulheres no ambiente de trabalho, consegue, através do acolhimento, amenizar o sofrimento psíquico. As mulheres pontuam significativamente mais alto em todas as dimensões criativas: elas se saem melhor com sua capacidade em se “conectar e se relacionar com outras pessoas”, bem como nas competências de autenticidade e conscientização de sistemas. Isso sugere que mulheres líderes não são apenas melhores em construir relacionamentos, mas também que os relacionamentos que elas constroem são mais autênticos.
Na perspectiva Junguiana, comparo a simbologia arquetípica do feminino, e os desafios que as mulheres enfrentam em desenvolver um papel no ambiente corporativo que até então, na maior parte dos cargos de liderança, eram ocupados por homens.
A liderança feminina com olhar materno, pode ter condições de acolher situações de vulnerabilidade, colocando questões de sentimentos a serem tratadas, preservando a saúde deste colaborador, através da “nutrição”, escuta e criação de um espaço para que esse ser humano possa expressar seus apontamentos profissionais e também seus sentimentos.
Neumann, em uma das suas grandes obras “A Grande Mãe”, explora a representação simbólica do arquétipo materno em várias culturas e mitologias ao longo da história.
Apontando essa correlação ao feminino, em aspectos como fertilidade, nutrição, proteção e conexão com a natureza. A Grande Mãe é vista como um símbolo primordial da energia criativa e regeneradora, refletindo as profundas raízes culturais e psicológicas do feminino na psique humana. Esse aspecto que está no inconsciente coletivo nos faz comparar a liderança feminina exercendo muitas vezes o lado maternal no ambiente corporativo, trazendo o acolhimento, fertilidade, nutrição, humanização.
Dentro da sociedade corporativa, na condição de porta vozes das empresas, é esperado atualmente que a liderança minimize coletivamente o sofrimento psíquico dos funcionários, pelas razões: custo, lucro, resultados e produtividade.
A pessoas também querem funcionar cada vez mais, serem bem-sucedidas.
O “espírito da época” que a humanidade está vivenciando, do excesso de produtividade, inovação, a necessidade de se superar e performar cada vez mais. Isso vem de encontro com a cobrança corporativa, levando o ser humano ao esgotamento físico e mental: adoecimento.
Segundo a autora Verena Kast em seu livro “A Alma Precisa de Tempo”, uma pessoa que está doente está mais preocupada com a problemática existencial, do que tratar sua doença, por se sentir incentivada a aprender e se desenvolver. Há uma pressa para que a normalidade volte rapidamente e o ser humano volte a ficar funcional.
Por isso a busca de terapias rápidas, de curto prazo e não há profundidade no que deu errado na vida, no que precisa ser mudado.
Jung e o processo de individuação
Na obra de C.G. Jung um dos assuntos abordados é o processo de individuação. Que exige de nós estarmos atentos aos chamados da nossa alma, atendendo a vontade do Self, na busca da compreensão de nosso propósito de vida. Quanto mais nos afastarmos ou negarmos nossa missão da alma, mais estaremos sujeitos a distúrbios emocionais e psíquicos como a depressão, e outros sintomas psicossomáticos.
A princípio, a alma não rende lucros, discorre Kast em seu livro “A Alma Precisa de Tempo”, – mas se torna um fator de custo decisivo quando a alma se recusa a cooperar, quando nossa psique “não aguenta mais”, quando perdemos a nossa alegria de vida, quando nosso corpo adoece e sofremos com a depressão e a síndrome do fósforo queimado. Talvez, então faria sentido dar atenção a alma?
Sem dúvida, essa realidade do mundo corporativo que envolve extrema pressão e cobrança quanto a produção e performance negando a alma de seus funcionários, dando o máximo de suas forças, nitidamente leva a uma crise que envolve frustração na busca de metas inatingíveis, desencadeando processos de adoecimentos.
Enxergo que um contraponto possível dessa realidade, é o papel de uma liderança acolhedora, nutridora, fecunda e materna, possibilitando o surgimento de um novo elemento, que talvez possa ser entendido como “função transcendente. Como a natureza tende a buscar harmonia entre partes, percebo o destaque da liderança feminina, em vários setores de atuação.
O arquétipo materno, desempenha um papel significativo na liderança feminina, diante da forma de atuação das mulheres, especialmente em relação à empatia, cuidado, nutrição e apoio emocional. Esse arquétipo também está associado à capacidade de se conectar emocionalmente com os outros, ao instinto de cuidar e proteger ajudando a desenvolver ferramentas para o crescimento e o desenvolvimento pessoal, de uma forma mais humana.
As líderes femininas que se identificam com esse arquétipo, são vistas como mães e mentoras de suas equipes fornecendo orientação, encorajamento e apoio emocional. Isso pode criar um ambiente de trabalho seguro e acolhedor, onde os membros da equipe se sentem valorizados e apoiados em seu crescimento pessoal e profissional, além de contribuir para reduzir o sofrimento psíquico no trabalho.
O autor Neumann, no mesmo livro “A Grande Mãe” exemplifica de várias formas o feminino, uma delas é a moldagem do vaso, que defende como a experiência da criação da vida, como símbolo de transformação. O feminino revela-se ao mesmo tempo nutridor, protetor e gerador.
O feminino em sua qualidade protetora e acolhedora, congrega em si a vida da família e do grupo sob o símbolo da casa. Esse aspecto aparece nas chamadas urnas domésticas, vasos moldados na forma de casas. Até os dias de hoje, o caráter vaso feminino, originalmente vincula a caverna, e depois a casa (no sentido de estar dentro e protegido, aquecido ou abrigado no interior dessa casa, sempre esteve relacionado com a vivência original de ser contido pelo útero).
Através da empatia, cuidado, apoio, desenvolvimento humano, intuição, sabedoria, nutrição, pode-se criar um ambiente de trabalho colaborativo, inclusivo, motivador e eficaz. Desta forma, acredita-se que as relações de trabalho sejam mais inclusivas entre líder e trabalhador, tornando uma parceria e transparência na qual tende-se a reduz os excessos de cobrança quanto a produtividade e resultado, diminuindo o estresse no trabalho e o sofrimento psíquico.
Uma abordagem humanizada e acolhedora fortalece a equipe, e promove um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. A mulher lidera com empatia, compreensão e respeito, inspirando e motivando suas equipes a alcançarem metas e resultados excepcionais, ao mesmo tempo em que podem promovem o bem-estar e a saúde mental dos colaboradores.
Acompanhando ainda, Kast em seu livro “A Alma Precisa de Tempo”, a autora discorre que no mundo do trabalho as relações sociais são enfraquecidas, e o sentimento de fazer parte são sufocados. Seja dentro ou fora do ambiente de trabalho, o indivíduo tem a necessidade de estar integrado e se relacionar. Essa troca entre as pessoas, e a estreiteza de laços.
“A experiência de se relacionar, gera um sentimento bom de segurança, também no mundo do trabalho, de forma que nos permite lidar melhor com os desafios”.
Ao integrar princípios arquetípicos do feminino, como empatia, cuidado e nutrição, as mulheres líderes são capazes de cultivar ambientes de trabalho mais inclusivos. Eliminando a arbitrariedade das regras impostas para se chegar aos resultados esperados, através de relacionamentos interpessoais que dão abertura a troca de ideias e diálogos com as equipes.
Dentro das experiências das lideranças observadas, notamos que quando é deixado a rigidez predominantemente da gestão masculina, e se dá abertura para o lado feminino materno nessas relações de trabalho, o caminho em direção ao resultado muda o foco. Passamos a falar de um sentido com alma, humano, com prazer e propósito no que se está executando.
*Artigo baseado na minha monografia em Especialização em Psicologia Junguiana.
Mônica Contreras – Membro Analista em Formação pelo IJEP
Ana Paula Maluf– Membro Didata do IJEP
Referências:
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