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Reflexões sobre o Amadurecimento Feminino

Reflexões sobre o amadurecimento feminino

O presente artigo traz reflexões sobre algumas dificuldades encontradas pelas mulheres no seu processo de amadurecimento. As mudanças corporais são visíveis diante do espelho, como rugas, melasma, flacidez, perda de colágeno e massa muscular, além de desgaste nas articulações e coluna, osteoporose, menopausa, queda da vitalidade, entre outros. As mudanças também ocorrem no mundo interno e somos convidadas a olhar aspectos mais inconscientes, guardados nas sombras. Esse período chamado de metanoia por Jung clama por ressignificações. Essa fase leva muitas mulheres a crises, que podem ser fonte de um profundo aprendizado. O que antes nos cabia como personas e atitudes, talvez já não caiba mais nessa etapa, e reflexões sobre o que queremos para dali em diante são fundamentais.

Como amadurecer de modo saudável? A imagem pessoal e corporal é construída desde antes de nascermos, quando estamos imersos no inconsciente materno. Jung nos fala que não nascemos como uma página em branco, como muitos pensam, e faz sentido sua fala quando olhamos para os reflexos e instintos já existentes no bebê desde seu nascimento.

Soma-se a isso estudos em epigenética que vão ao encontro da teoria junguiana e falam sobre a influência do meio sobre a genética humana. Os genes que nos constituem podem ser ligados ou desligados conforme as circunstâncias e a nossa necessidade de adaptação, o que nos leva a pensar que o envelhecimento também pode ser modificado.

Jung em suas obras fala sobre a metanoia, que seria o entardecer da vida, quando cruzamos o pico de nossas vidas e começamos uma curva descendente, em rumo ao envelhecimento e a morte. Complexos estão atuando nessa fase da vida, que chamamos de segunda metade, e que tem se tornado cada vez mais tardia com o prolongamento da expectativa de vida. A meia vida que ocorria aos 35 anos, hoje ocorre entre 40 e 45 anos.

Amadurecimento da mulher

O amadurecer para mulher representa o cessar do período reprodutivo chamado menopausa, promovendo muitas alterações físicas e psíquicas, com diversos sintomas, como calores ou fogachos, alterações bruscas de humor, melancolia, alterações hormonais que levam a ressecamentos do corpo e mucosas, perda acentuada de massa muscular, aumento do risco cardiovascular e assim por diante.

Na realidade, o amadurecimento, processo natural da vida biológica, pode ser encarado de maneiras muito distintas. Desde a aceitação e aprendizado até uma paralisação em comportamentos infantilizados (complexo de puella)*.

Olhando simbolicamente os hormônios produzidos pelas mulheres, podemos depreender que o comportamento mais maternal pode ser relacionado à progesterona, o comportamento mais sensual com o estrogênio e o comportamento testosterônico mais sexual. Muitas mulheres que na juventude tinham um padrão de comportamento mais sensual, podem buscar na metanoia um padrão mais maternal; e vice-versa. É um período de mudança de paradigmas, revisão de comportamentos e vivências; com grande possibilidade de guinadas de vida, em diferentes aspectos.

Envelhecimento x Sonho de imortalidade

Um grande volume de produtos com objetivo de retardar o envelhecimento aquecem o mercado: cosméticos anti-idade, massagens, procedimentos, polivitamínicos, tratamentos hormonais, intervenções cirúrgicas e estéticas, entre outros. E ao final, quem lucra mais? As companhias e profissionais de saúde, ou aqueles que se endividam para consumir um sonho de se tornar imortal. Observamos um enfoque no combate ao envelhecimento como algo que precisa ser derrotado.

Chopra (1994, p. 10) questiona o paradigma do envelhecimento criado pela humanidade. O amadurecer é vivenciado de acordo com a crença coletiva que nos condiciona. Se acreditamos que envelhecer é sinônimo de adoecimento e decrepitude, essa será a vivência que teremos. Entretanto, corpo e alma são parte do mesmo ser, um proporciona as relações objetivas com o mundo, e o outro proporciona vivências subjetivas, como os pensamentos, sentimentos e desejos. Se mudarmos nossa percepção, mudaremos nossa experiência com o corpo e com o mundo.

A maturidade pode vir associada ao adoecimento físico e psíquico, embora não haja idade para isso. O que ocorre é o aumento ou predisposição ao adoecimento em decorrência das relações estabelecidas com o mundo externo (trabalho, comportamento social, familiar, autocuidado, influências do meio ambiente etc.), e com o mundo interno (desenvolvimento intelectual, cultural, psíquico e emocional).

Corpo físico e envelhecimento

A nível celular, as coisas que nos trouxeram sofrimentos ou alegrias estão presentes. E mesmo situações estressantes, que já foram esquecidas, deixam marcas e reações, que constituem o que somos (CHOPRA, 1994, p. 24).

Segundo Ramos: “a doença orgânica é uma reação do organismo, uma compensação, com a finalidade de levar o indivíduo a integrar o reprimido, religar o ego ao seu eixo com o Self” (2018, p. 73). Por seu turno, conforme Dahlke : “os sintomas são manifestações da sombra muito acessíveis devido ao fato de terem emergido das profundezas da alma para a superfície do mundo corpóreo, tornando-se assim excepcionais indicadores do caminho da perfeição.” (2007, p. 19)

Logo, a sombra constitui-se de conteúdos inconscientes que muitas vezes não queremos olhar, e quando somatizamos esses conteúdos em nossos corpos, ocorre uma espécie de desvio de energia, pois ficamos presos às dificuldades físicas e poupamos a energia necessária para aproximarmo-nos da sombra em questão.

Em resumo, o adoecimento entra em nossa jornada para nos ajustar, trazer oportunidades de aprendizado, mas não descartamos os resultados das práticas de saúde incorporadas durante a vida, como exercícios físicos, alimentação equilibrada e regularidade de sono.

O autocuidado é essencial para termos uma boa saúde: o processo de amadurecer

Se acreditamos que a vida não vale muito, é pesada, um sacrifício, o corpo entenderá o recado e pode trazer retorno às crenças que possuímos. Se acreditamos que a vida deve ser vivida, com alegria e leveza, a energia psíquica se apresenta de outra forma. Crenças e valores auxiliam na construção ou desconstrução que eu possa vir a experienciar, se considerar que somos energia e informação, como as pesquisas em física quântica vem evidenciando. A epigenética é uma área em franco crescimento, que estuda as influências externas ao ambiente celular e genético. A modulação gênica é complexa e influenciada pelo meio e a forma que vivemos.

Segundo Georg Grodeck apud Dahlke (2007, p. 292): “a torrente de comprimidos coloridos que serve de prevenção à cinzenta velhice hoje em dia mostra que a medicina moderna concebe os sinais de velhice como sintomas de uma doença digna de ser combatida”.

É interessante essa unilateralidade da nossa época, com fixação na juventude e, ao mesmo tempo, com envelhecimento de boa parte dos países. Os impactos desse envelhecimento populacional em termos socioeconômicos podem ser metrificados. Contudo, os impactos no inconsciente não podem ser medidos de forma direta, mas sentidos pelo consciente como afetos ou incômodos, intuições, sonhos ou sentimentos.

Coletivamente, nas sociedades ocidentais, o que se propaga sobre a mulher mais madura? Podemos resumir em uma palavra: perfeição. A mulher madura precisa se manter jovem e atraente, ser bem-sucedida, independente, ter filhos bem-educados, um marido e uma casa, um corpo atlético, andar muito bem vestida e ser reconhecida pela comunidade.

Será que essa é a busca para todas as mulheres? Ou podemos ter chamados diferentes? Poderíamos dizer que é exigido que a mulher madura atinja o ápice de uma heroína, a mulher maravilha, que luta incansavelmente sem quebrar nenhuma unha.

Sintomas que surgem no Amadurecimento Feminino

Contudo, desejar é uma coisa, obter é outra. Alguns sintomas podem surgir com o avanço da idade, como a osteoporose ou descalcificação dos ossos. É como se o próprio corpo pedisse um outro ritmo de vida, com mudança de enfoque. O aparecimento de barba (pelos no rosto das mulheres) após a menopausa pode ser um sinal de que precisamos dar atenção ao polo masculino. Com a queda dos hormônios femininos, aspectos masculinos podem vir à tona, indicando que o animus deve se realizar em planos mais sutis, como o espiritual, por exemplo (DAHLKE, 2007).

Outros sintomas físicos podem ser vivenciados com o amadurecimento. Simbolizando essa necessidade premente de conexão com o mundo interno, como a presbiopia, o desgaste das articulações do corpo, a surdez e a mudança da pele (Melasma, rugas e flacidez). O mal de Alzheimer, com incidência entre 50 e 60 anos, acomete principalmente as mulheres. E por fim, a crise da meia-idade, muito comum, reflete um desacerto ou descompasso.

No momento em que a pessoa deveria harmonizar sua criança interna com a sabedoria alcançada ao longo da vida, o que vemos com certa frequência é uma regressão ou infantilidade. Uma recusa por visualizar outras camadas, mais sutis, interiores – as sombras e luzes ignoradas até o momento.

Autocuidado e busca de Sentido no envelhecimento sadio

Reitero que o objetivo desse artigo não é estimular o desleixo e falta de cuidado com o corpo e com a saúde. Ao contrário disso, nós mulheres podemos envelhecer sim, com dignidade, respeito aos nossos limites e desejos, com autocuidado, amorosidade e aceitação. É importante vivermos com saúde e bem-estar físico, financeiro, psíquico e espiritual. Entretanto, podemos encontrar espaços para reflexões sobre as exigências feitas pela sociedade de consumo vigente ou feitas por nós mesmas. O que estamos nos impondo? É algo realmente nosso ou vem de fora, de um lugar mais coletivo? E para quê ou para quem? Estamos felizes assim?

James Hollis (1995) trata da busca de sentido para a vida e das transformações pelas quais somos levados nessa fase (a famosa crise dos quarenta). As projeções em relacionamentos com o outro perdem força e podemos entrar em contato com conteúdos inconscientes, num convite para a conexão com o Si Mesmo.

A meia idade é um período de muitas mudanças – físicas, psíquicas, na vida profissional ou nos relacionamentos. Mas, acima de tudo, é uma fase de amadurecimento e que podemos nos questionar sobre o que foi vivido até ali, e a quem pertence, pois muitas de nós vive a vida não vivida dos pais, compensando questões familiares.

Jung e o meio da vida

Jung (2013, p. 351), fala que ao nos aproximarmos do meio da existência, com atitudes pessoais e posição social mais estabelecidas, cresce em nós o sentimento de haver descoberto o verdadeiro curso da vida, princípios e ideais de comportamento, o que nos leva a ficar presos a eles.

São muitos os aspectos da vida que poderiam ser vividos e jazem depositados nas sombras do inconsciente.

Mas ao atingirmos o ponto mais alto de nossa vida, entramos em outro movimento, de descida, e os princípios que antes faziam sentido, podem começar a endurecer, levando ao fanatismo, intolerância, ou a sensação de insegurança. É muito comum a projeção em ameaças externas nessa fase, afastando o indivíduo de olhar os conteúdos que estão pedindo licença para emergir.

“Todos os distúrbios neuróticos da idade adulta têm em comum o fato de quererem prolongar a psicologia da fase juvenil para além do limiar da idade do siso.”

JUNG, 2013, p. 352

Ele menciona que entramos totalmente despreparados na segunda metade da vida, com a falsa suposição que nossas verdades e ideais continuarão como antes. Não podemos viver a tarde de nossa vida com a programação da manhã” (JUNG, 2013, p. 355).

E nesse momento, o que chamamos de crise da meia idade vem à tona. É, em suma, um chamado para o contato com o mundo interno, para olhar outras questões, como a espiritualidade, os potenciais criativos deixados de lado. Esse período de transformação do meio da vida, Jung chamou de metanoia.

A busca pela eterna juventude

O conto da Branca de Neve representa bem essa ideia de resistência ao amadurecimento. A madrasta, que chega na meia idade, fica rivalizando com a enteada jovem e bonita (Branca de Neve), competindo com sua juventude. Sua dificuldade em aceitar as mudanças vindas com o tempo fica evidente nos diálogos que ela tem com o espelho, ou sua imagem. E a trama mostra que a projeção na enteada, fruto de sua insatisfação consigo mesma, leva a um caminho desastroso.

A desconexão do eixo ego-self e o medo do envelhecimento a paralisa em um comportamento, o complexo de puella ganha força, uma obsessividade em matar a jovem donzela externa ao invés de deixar morrer as demandas da primeira fase da vida, impedindo-a de viver com leveza e plenitude seu processo de amadurecimento.

Outro aspecto que clama por atenção é a identificação com o masculino. Ao longo da vida, muitas mulheres se afastaram do feminino mais profundo, lidando com as questões da rotina, se identificando com a energia do pai ou masculina. Essa energia mais masculina normalmente é exigida pelo mundo do trabalho e fazem sentido quando estamos construindo nossas vidas. Contudo, depois dos 40 anos estamos mais estabelecidas e uma sensação de ausência ou vazio começa a despontar. Essa fase convida para reconexão com as forças da grande Mãe, como fonte de energia, possibilidades, criatividade, viabilizando novos projetos.

O arquétipo da meia-idade

Segundo Brewi & Brennan (2004, p. 10-11), a meia-idade é tão arquetípica como a gestação, a crise da adolescência, a transição e a morte. As três perspectivas arquetípicas da espiritualidade na meia-idade compõem-se de: a Sombra, a Criança e a Sabedoria.

A Sombra representa as experiências não vividas ou desconhecidas, ora assustadoras, ora estimulantes. É um momento de confronto entre a vida não vivida por nós e aquela que de fato aconteceu. A Criança nos lembra de nossa capacidade de admiração e contemplação: é a Sábia Mulher Velha em potencial. A conexão com a criança divina proporciona leveza, humor e flexibilidade. Por final,a Sabedoria nos permite lidar com as ambiguidades e paradoxos em busca de unidade e integração das dualidades. A Sabedoria é nossa capacidade de discernimento e compreensão.

Etapas de transição

Nosso ciclo humano é constituído de nascimentos e mortes. A transição da meia-idade não é somente uma movimentação da juventude para a meia-idade. Ela é a retirada da energia psíquica de tarefas, objetivos e valores que eram importantes na primeira metade da vida. Essa etapa nos chama para uma jornada interna, para a aventura de integração de conteúdos inconscientes da psique com a consciência. O processo de integração e completude deve fluir na segunda metade da vida, nos preparando para o processo de morte e nosso quarto e último nascimento. O nascimento em direção à vida eterna (Brewi & Brenan, 2004, p. 41-42).

A mulher que consegue superar as etapas da jornada, se reconectando com o feminino, olhando para suas sombras e acolhendo-as, se aproxima de Sofia ou a sabedoria. E Sofia nos mostra que temos o sagrado e profano em nós, somos paradoxais, e com essa consciência, seremos capazes de escolher o que faz sentido dali para frente, e aquilo que já pode ser deixado de lado. O processo de autoconhecimento é contínuo, havendo a possibilidade de alcançarmos outros patamares do estado de consciência.

E a cada mergulho e retomada que somos capazes de fazer, um novo conteúdo pode ser adicionado ou revisitado. Essa é a beleza da vida, a eterna capacidade de crescimento humano, seja individualmente, seja de forma coletiva.

Michella Paula Cechinel Reis – Mestre e analista em formação pelo IJEP

Ercília Simone Magaldi – Doutora e membro didata do IJEP

Referências

BREWI, J.; BRENNAN, A. Arquétipos junguianos: a espiritualidade na meia-idade. São Paulo: Ed. Madras, 2004.

CHOPRA, D. Corpo sem idade, mente sem fronteiras: a alternativa quântica para o envelhecimento. Tradução Haroldo Netto. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

DAHLKE, R. A doença como linguagem da alma: os sintomas como oportunidades de desenvolvimento. São Paulo, Cultrix, 2007, pág. 292-317.

HOLLIS, James. A passagem do meio: da miséria ao significado da meia idade. São Paulo: Paulus, 1995.

JUNG, C.G. A natureza da psique: a dinâmica do inconsciente. 10 ed. Petrópolis, Vozes, 2013.

RAMOS, D.G. A psique do corpo: a dimensão simbólica da doença. 6 ed. São Paulo: Sumus, 2018.

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