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Aspectos da sexualidade masculina na perspectiva da psicologia analítica – Parte 1

Aspectos da sexualidade masculina na perspectiva da psicologia analítica

Aspectos da sexualidade masculina na perspectiva da psicologia analítica

Falar sobre a disfunção sexual masculina ainda é um tabu, tanto que muitas vezes o problema chega pela voz da parceira ou queixas evasivas sobre o estado de saúde, mas o fato é que problemas dos mais diversos em relação a sua performance ainda assombram o mundo masculino. 

Para se compreender sobre os aspectos da disfunção sexual masculina, se faz necessário saber sobre a interação das forças da cultura, do desenvolvimento individual, dos relacionamentos, interpessoais e da biologia. O sexo se faz a dois e essas questões estão presentes o tempo todo. Para tratar do problema, é necessário saber o contexto e analisar os diversos aspectos que contribuem para manutenção dessa disfunção.

Segundo Jung (2014, p. 77), o inconsciente pessoal e coletivo, estão envolvidos nas relações humanas, tanto nos aspectos sociais, como no trabalho, lazer, educação, sexual. 

Não é necessário acentuar a importância do instinto de conservação da espécie, a sexualidade. As restrições de natureza moral e social que se multiplicam à medida que a cultura se desenvolve fizeram com que a sexualidade se transformasse, pelo menos temporariamente, em supravalor, comparável à importância da água no deserto árido. O prêmio do intenso prazer sensual que a natureza faz acompanhar o negócio da reprodução se manifesta no homem — já não mais condicionado por uma época de acasalamento — quase como um instinto separado. Este instinto aparece associado a diversos sentimentos e afetos, a interesses espirituais e materiais, em tal proporção que, como sabemos, fizeram-se até mesmo tentativas de derivar toda a cultura destas combinações. (JUNG, 2013b, § 238) 

A atividade sexual vivida a dois, carrega para esse relacionamento as histórias de vida, lembranças perdidas, reprimidas, percepções dos órgãos dos sentidos que por falta de intensidade, não atingiram a consciência, referindo-se ao inconsciente pessoal de cada um, e, por outro lado, aspectos da psique coletiva, dos tabus de uma sociedade, assim como as experiências presente na humanidade que envolve um dos maiores mistérios que é a origem humana. Além, é claro , do papel e da função do princípio masculino na vida.

Como o assunto sobre a disfunção masculina é extenso e complexo, trataremos aqui alguns dos aspectos da anatomia morfofuncional, sistema neuroendócrino e psicológico. Dividirei o tema em dois artigos, sendo que no primeiro abordarei alguns conhecimentos sobre os aspectos anatômicos, neuroendócrinos e psicológicos e no segundo, que deve ser publicado em breve, as questões psicológicas sob a perspectiva da psicologia analítica, falando sobre os possíveis complexos envolvidos na questão, autoestima, aspectos sombrios etc.

O que estamos chamando de disfunção erétil, ou impotência sexual (uma das múltiplas disfunções sexuais), é a incapacidade de o indivíduo alcançar ou manter ereções firmes. O pênis não fica suficientemente rígido(ereto) para permitir a penetração e o desempenho sexual satisfatório, isto é, o sangue não se mantem nele durante o tempo necessário para a ereção. Pode ser a causa de estresse, tensão no relacionamento e baixa autoestima. Essa disfunção abala a confiança e a autoestima dos homens. Como sabemos o cérebro é o órgão sexual mais importante no ser humano. Ele controla a conduta sexual, mas o que ainda causa dúvida é saber exatamente a localização topográfica dos chamados centro sexual superiores. 

As pesquisas sobre as atividades sexuais tiveram seu início por volta de 1954, no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Escola de Medicina da Universidade de Washington e posteriormente, na Fundação de Pesquisa e Biologia da Reprodução. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 51)

Somente após o estudo de Masters e Johnson, pode-se dizer que houve a elucidação sobre alguns dos processos fisiológicos que tem lugar no relacionamento sexual humano. William Master e Virginia Johnson, foram os pioneiros nesse trabalho. Em 1966, estudaram a fisiologia sexual de 382 mulheres com idade entre 18 e 78 anos, desse grupo, 34 tinham mais de 50 anos, e 312 eram homens com idade entre 21 e 89 anos, dos quais 39 tinham mais de 50 anos, e publicaram seu estudo intitulado Human Sexual Response (Resposta Sexual Humana). Esse trabalho foi um marco importante para o estudo da biologia do sexo assim como os relatórios Kinsey o são, para a compreensão sociológica do comportamento sexual. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 49)

A resposta sexual humana, não se restringe a ser somente uma reação fisiológica. O indivíduo esta inteiro nessa relação, respondendo emocionalmente, fisicamente, socialmente, neurologicamente. Apesar de sermos iguais aparentemente, com dois olhos, duas orelhas, uma boca, duas pernas, dois braços etc., somos únicos; cada um tem suas características próprias e individuais. Sobre a perspectiva da psicologia analítica, imagens pessoais e coletivas, nos chegam à consciência das mais diferentes formas:  nos sonhos, poesias, músicas, expressões artísticas. A consciência psicológica e seus conteúdos consistem na parte modificável da psique, mas quanto mais profundamente tentarmos penetrar, pelo menos indiretamente no inconsciente, tanto se percebe que estamos lidando com a essência autônoma. (JUNG, 2013a, p.105). 

Mas não há divisão, como diria Jung (2013a), tudo é uma só e mesma coisa: mente, corpo e espírito. O comportamento sexual não é algo divino, extraordinário, celestial, mas um fenômeno real que se manifesta por intermédio de uma infraestrutura orgânica, com forma e função geneticamente determinadas. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 51)

Segundo Cavalcanti & Cavalcanti (2006, p. 81) há fortes indicações de que no sistema nervosos central, há regiões encefálicas que juntas, compõem em maior ou menor intensidade, a regulação fisiológica da função sexual. Cientistas se valeram de vários métodos de pesquisa, utilizando-se de animais de laboratório, principalmente camundongos, para tentar identificar quais as regiões cerebrais estariam envolvidas na regulação e na expressão da conduta sexual. Estudos mais complexos, utilizando determinantes neuroquímicos do comportamento sexual dos roedores, permitiram separar o que pertencia ao impulso motivacional para a copula e o que pertencia ao desempenho sexual propriamente dito. Com a separação do que correspondia a base neuroquímica da motivação e do desempenho sexual, pode-se elucidar o entendimento sobre a neuroquímica da sexualidade humana. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 81)

O sistema nervoso central (SNC) é complexo e apresenta seus neurotransmissores, as vias aferentes e eferentes, os hormônios, o sistema simpático e parassimpático, todos participando da atividade sexual do ser humano. Não existe um pênis ou órgão sexual, existe uma forte relação entre todas as partes que compõem o corpo humano, seu sistema sensorial, neuroquímico, relacional, sociocultural, hormonal, tudo corresponde ao ser humano vivo. 

Diante dos estímulos do meio ambiente há uma reação do córtex cerebral, que por sua vez leva mensagens para o hipotálamo (cuja função consiste em integrar as informações sensoriais recebidas e transmiti-las para que o córtex faça a interpretação), através de seu hormônio (GnRH), hormônios hipotalâmicos ou hipofisotrópicos (releasing factors). 

Esses hormônios hipotalâmicos regem o mecanismo hipofisário, e por meio dele, a produção dos hormônios gonadais. A interligação dos sistemas nervoso e endócrino é realizada pelo binômio hipotálamo/ hipófise. A hipófise funciona como amplificadora dos sinais neuro-hormonais gerados pelo hipotálamo. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 84)

A neurotransmissão química das drogas que atuam no sistema nervoso central se processa estimulando (agonista), ou bloqueando (antagonista) os receptores ou, com menos frequência, inibindo as enzimas reguladoras. Está cientificamente estabelecido; drogas que modificam a síntese, a captação, o catabolismo ou a ação dos neurotransmissores alteram também a atividade sexual, direta ou indiretamente. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 85). Esses neurotransmissores atuam aumentando ou diminuindo o desejo, a excitação e o orgasmo nas relações sexuais. Exemplo a dopamina pode aumentar o desejo, a prolactina pode diminuir o desejo.

A dopamina, a nor adrenalina e adrenalina são os três hormônios de maior importância, existentes em todo o organismo, mas a dopamina é encontrada principalmente no sistema nervoso central, enquanto a nor adrenalina e adrenalina são mais comuns no sistema nervoso periférico. A acetil colina é o representante do sistema colinérgico e, entre os neurotransmissores não adrenérgicos e não colinérgicos, podemos destacar o oxido nítrico. Ao lado desses, há os peptídeos neurotransmissores do tipo opioide (endorfinas) e os peptídeos hipofisários como a vasopressina, ocitocina e prolactina, que tem efeito significativo na vida sexual. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 85) Essa dança hormonal visa somente manter o equilíbrio nas instâncias neurológicas, psíquicas e hormonais. Portanto, em cada etapa sexual, diversas são as variáveis que podem influenciar o comportamento do homem.

Segundo Abdo (2000) 28,5% das mulheres e 18,2% dos homens, numa amostra de 7000 pessoas que foram entrevistadas, reportavam alguma dificuldade sexual. Os pesquisadores observaram após esses estudos que há uma resposta fisiológica aos estímulos eróticos que não se restringem somente aos órgãos genitais, essa resposta é mais ostensiva, todo o organismo participa do processo reativamente. Há uma reação generalizada sem localização topográfica específica.  Não há região corporal que não seja erotizável, tudo vai depender das condições próprias de cada indivíduo, das variáveis ambientais do momento (parceiro, intensidade estímulo etc.). As vezes uma região corporal que parecia ser neutra pode diante de um estímulo adequado ser despertada e reconhecida como uma região erógena (fonte de prazer) e determinar uma resposta maior do que a estimulação das partes genitais. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 53)

O sexo é uma função biológica, uma necessidade primaria, mas a adaptação dessa necessidade ao contexto sociocultural do qual a pessoa faz parte (sua história de vida, suas vivencias passadas) poderá mudar sua capacidade sexual reativa. A sociedade e a cultura dirão como essa capacidade será exteriorizada.

Sob o ponto de vista psicossomático, o indivíduo reage como um todo psicofísico e as disfunções sexuais podem ser determinadas por fatores primariamente orgânicos ou fatores psicológicos. Apesar de sabermos que não há enfermidade orgânica que não tenha um componente psíquico, assim como não há comprometimento psíquico que não cause uma alteração orgânica. (JUNG, 2013a, p. 257) 

As disfunções sexuais são distúrbios psicossomáticos, isto e, alterações fisiológicas e/ ou estruturais resultantes de processos psicológicos. Esses distúrbios aparecem no corpo, por perturbações circunscritas ou disseminadas no funcionamento dos efetores autônomos (glândulas e músculos lisos), em decorrência de diminuição ou aumento da atividade fisiológica. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 5)

O indivíduo diante de uma vivência emocional, terá uma resposta orgânica construtiva; o organismo vai se preparar para agir nessa situação, seja para enfrentar ou evitar. Essas modificações têm um caráter fisiológico de adaptação, mas se as reações emocionais se tornarem demasiadamente intensas ou duradouras, há uma perda desse caráter construtivo e passam a ser agentes agressores do organismo. Observaremos o distúrbio psicossomático, sendo uma simples alteração funcional (mudanças psicofuncionais), que podem ser totais ou parcialmente reversíveis, até lesões estruturais de tecidos e órgãos (doenças psicossomáticas).   As disfunções sexuais muitas vezes se enquadram entre as alterações reversíveis. 

Tudo vai depender do indivíduo, o que para determinada pessoa pode ser a causa de um desequilíbrio, para outra pode não ter significado algum. Portanto antes de relacionar os fatos psicológicos específicos e determinar qual o mecanismo que está ocorrendo diante dessa situação, o que importa e a estrutura psicofísica desse individuo, sua história de vida, suas predisposições genéticas e adquiridas, seu estilo de vida, uso de drogas, doenças orgânicas. 

Segundo Jung (2014 p. 19), o padecimento do doente vem da alma, de suas funções mais complexas e profundas, que mal ousamos incluir no campo da medicina. Mas, a partir daqui entraremos nas questões referentes a psicologia analítica. A história de vida desde seu nascimento, suas relações parentais, seu ambiente social, atividade profissional, o início de sua atividade sexual, sua vivência na escola, seu desempenho, suas relações com seus amigos, praticas de esportes, tudo isso irá influenciar sua resposta sexual. E, por isso, iremos abordar os possíveis complexos que podem ter relação com a impotência, a autoestima, controle, enfim as possíveis alterações de sua psique que estariam comprometendo seu desempenho sexual. Mas, esse será tema do próximo artigo, em que pretendemos aprofundar a relação dos complexos com a disfunção erétil e demais complicações da sexualidade masculina.          

Analista em formação: Ivone Ferreira

Analista Didata Responsável: Maria Cristina Mariante Guarnieri

Referências:

ABDO, C.H.N. organizadora. Sexualidade humana e seus trantornos. 2.ed.- São Paulo, Lemos, 2000.

CAVALCANTI, R., CAVALCANTI, M.  Tratamento clínico das inadequações sexuais. 3.ed – São Paulo, Roca, 2006.

JUNG, C.G. A natureza da psique v. 8/2. [Tradução de Mateus Ramalho Rocha]. 10.ed- Petrópolis, Vozes, 2013a.  

JUNG, C.G. O desenvolvimento da personalidade v. 17. [Tradução de Frei Valdemar do Amaral; revisão técnica de Dora Ferreira da Silva]. 14.ed- Petrópolis, Vozes, 2013b.  

JUNG, C.G. Psicologia do inconsciente v. 7/1. [Tradução de Maria Luiza Appy]. 24.ed- Petrópolis, Vozes, 2014.  

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