Resumo: Ler a Obra Completa de Carl Gustav Jung é uma realização pessoal, uma possibilidade de refletir sobre um vasto conhecimento e ao mesmo tempo um desafio. Nesta ampliação comparecem aspectos contidos no livro 14/3 – Mysterium Coniunctionis – com a intenção de trazer para o contexto o que no primeiro momento parece de difícil compreensão, em função do teor erudito, mesclado pela filosofia da natureza e pelo cristinianismo, aprofundado pela alquimia, conhecido como Aurora Consurgens – a aurora que surge – e que permite uma variedade de conexões. Neste sentido, são apresentadas questões sobre o desenvolvimento humano e o entardecer da vida. De modo especial, comparecem reflexões acerca do significado e sentido do número três na consciência, no inconsciente pessoal e coletivo e também sobre a possibilidade de integrar a tríade nascimento, desenvolvimento e morte.
O termo aurora pode ser associado a muitos aspectos. É comum comparecer em nome de diferentes lugares pelo Brasil afora.
Vale lembrar que Aurora de Tocantins tem uma natureza exuberante, com rios e cachoeiras ainda pouco exploradas pelo turismo. Na música, Aurora é o nome de uma cantora norueguesa. Igualmente, Aurora é uma personagem da Disney, o nome do livro de Friedrich Nietzsche, do filme Sunrise: A Song of Two Humans (1927), de clubes de futebol, de uma vinícula brasileira famosa ou mesmo o fenômeno Aurora Boreal da Islândia e também é nome da árvore Hibiscus Mutabilis. Na mitologia romana, Aurora é deusa do alvorecer.
Em Mysterium Coniunctionis, no capítulo II – Aurora Consurgens – comparecem motivos que justificam o título e o nome do texto, ou seja, a aurora que surge: hora do ouro ou hora propícia; o meio entre a noite e o dia; os doentes sentem-se aliviados das dores noturnas e adormecem e no amanhecer a alegria ocupa o espaço do pranto. Por último, o fim da noite e início do dia com rubor e fim da duração invernal (Cf. JUNG, 2012, p.61). No espírito da época, procurou-se unir a concepção cristã e a alquimia, que se interpenetravam (Cf. JUNG, 2012, p.11-12).
Neste sentido, a aurora que brilha entre a noite e o dia também é explicada pelo simbolismo das cores alquímicas nigredo (noite), albedo (dia), rubedo e citrinitas, nas cores vermelha e amarela, que representam simbolicamente a transformação (Cf. JUNG, 2012, p.212).
O oposto de aurora nos remete ao entardecer, momento em que o sol desaparece no horizonte. Para muitos, representa um registro lindo do crepúsculo com suas cores intensas, como acontece na Pedra do Arpoador, no Rio de Janeiro e em tantos locais marcantes.
Outros porém veem o pôr do sol como um recolhimento, um escurecer da vida, uma dimensão histórica e uma configuração de sentido, assim descrita no poema Anoitecer de Carlos Drummond de Andrade:
É a hora do descanso,
(ANDRADE, 1992, p.100)
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz – morte – mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
O percurso entre a aurora e o entardecer da vida pode ser longo.
Para ampliar essa compreensão é interessante novamente contemplar o livro O/C 14/3, na Quarta Parábola, em que é destacada a importância da fé filosófica, que consiste no número três: “Diz-se mesmo que tal como é o Pai, tal é o Filho e tal é o Espírito Santo, e os três são um só, isto é, corpo, espírito e alma, pois toda a perfeição consiste no número três, isto é, a medida, o número e o peso”. (JUNG, 2012, p. 85). No contexto, o Pai representa a sabedoria, o Filho a verdade e o Espírito Santo, a bondade. Ainda, as virtudes da Santíssima Trindade são exaltadas, assim como também o batismo, que permite a transformação do que estava morto em alma vivente:
A água preserva o feto durante três meses no ventre da mãe, o ar nutre nos três meses seguintes e nos últimos três meses o fogo o protege. A criança jamais viria à luz antes da consumação desses meses.
JUNG, 2012, p. 89
Assim sendo, pode-se entender simbolicamente que o primeiro trimestre da gestação é marcado pela água (função sentimento), o segundo evidencia o ar (função pensamento) e o terceiro manifesta o fogo (função intuição). O nascimento pode ser compreendido como terra, (função sensação), período em que a criança, a mãe e os familiares experenciam diferentes sensações, principalmente voltadas aos órgãos dos sentidos.
Como foi mencionado anteriormente, o número três tem o seu destaque na referida parábola e comparece em muitas situações corriqueiras, que acontecem na maioria das vezes sem serem percebidas e também Jung, mais para o final da vida, buscou um maior entendimento sobre a relevância dos números.
Gestação
Devido a sua importância, neste primeiro momento será dado enfoque ao período gestacional – os três trimestres – desde a fecundação até o nascimento, que pode simbolizar a aurora, o entardecer e a sua integração, pois geralmente envolve um período de nove meses que tem início, desenvolvimento e final.
Para um melhor entendimento e acompanhamento das diferentes fases do desenvolvimento pré-natal, a gravidez é convencionalmente dividida em três trimestres e é marcada por muitas transformações. Ela resulta da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, pode ocorrer pela relação sexual ou ser medicamente assistida com outros recursos de gestação, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro. É um processo que inicialmente envolve dois seres que se transformam em três ou mais.
Trimestres gestacionais
O primeiro trimestre compreende 12 semanas, tem início com o óvulo fecundado que forma o embrião, depois de oito semanas torna-se feto e é alimentado pela placenta. É importante observar que neste período são formados os principais órgãos. Alguns sintomas podem comparecer – cansaço, enjoos, aumento da frequência urinária sonolência e desejos por alimentos específicos – diversas alterações fisiológicas e emocionais da gestante que se prepara para o parto e para a maternidade. É um período de muitas mudanças e a função sentimento está bem presente.
O segundo trimestre ocorre entre a 13ª e a 27ª semana de gestação e o sistema do bebê é concluído, associado pela gestante como fase mais tranquila e com mais disposição. As transformações e adaptações são naturalizadas e a função pensamento bastante presente permite a realização de projetos relacionados ao espaço físico da casa, ao enxoval do bebê e também ao planejamento do parto.
Já o terceiro trimestre ocorre entre a 28ª semana até o nascimento. Desconfortos comparecem, em função do ganho de peso e altura do bebê. Com a proximidade do parto, a fase pode ser marcada por aspectos ansiosos, em forma de medo da dor do parto, da morte ou que o bebê tenha problemas, entre outros. Como foi citado anteriormente, a função intuição estará mais presente nestes três meses.
De um modo geral, embora seja um tempo de muitas expectativas positivas, também é marcado por alterações fisiológicas, hormonais, metabólicas, bioquímicas e anatômicas, podendo a gestante desenvolver hipertensão, diabetes gestacional, anemia por deficiência de ferro, náuseas, vômitos e abortos. São aspectos que envolvem mais a fase nigredo do período gestacional.
É importante ressaltar que durante a gravidez analogicamente também há um percurso entre a aurora e o entardecer, onde nigredo e albedo transformam-se em rubedo, o nascimento.
Com a dilatação, expulsão do bebê e da placenta, inicia-se uma nova fase, ou seja, um percurso intenso de vida. Algumas vezes o parto por cesariana é necessário, seguido do puerpério e alguns casos a depressão pós-parto está presente. Laços afetivos vão se estabelecendo e o apoio do pai tem um papel significativo.
Pode ocorrer uma mistura de emoções e cuidados, tão bem expressados na canção de Luiza Possi e Roberta Campos, Você Sorriu Pra Mim:
Você sorriu pra mim
(POSSI; CAMPOS, 2012)
Eu fui em direção do seu sorriso
Do céu até o chão
Pedaço de saudade
Te levo pela mão
Agora somos nós e o nosso tempo.
Dar à luz pode integrar a condição de ser mãe (maternidade), com os cuidados afetuosos, delicados e carinhosos da mãe (maternagem) e com características instintivas e também arquetípicas (materno).
O arquétipo materno é uma força universal com uma variedade de aspectos, que envolvem a fertilidade, o acolhimento, o alimento, a bondade nutritiva, o cuidado, a criação de vínculos e afetos, entre outros (cf. JUNG, O /C 9/1, p. 87-90).
Maternidade, maternagem e arquétipo materno são três forças poderosas para dar à luz na integração de polaridades.
Vindo ao encontro, a autora Adriana Tanese Nogueira também se debruçou sobre o tema e em seu livro apresentou sete deusas presentes na tríade gravidez, parto e pós-parto: Héstia, inspirando o ninho; Perséfone, guiando o centramento; Deméter, liderando a maternidade plena; Afrodite, causando a sensibilidade; Atena e Hera equilibrando planos e estratégias, com autonomia e respeito e Ártemis, movendo para um bom parto.
Num contexto amplo, é preciso trazer para a luz, parir, produzir, gerar e criar para transformar o mundo! E isso pode ocorrer na fase da vida que aqui denominamos de desenvolvimento, entre o nascimento e a morte.
Anteriormente as ampliações foram centradas na fase gestacional pela importância que o período representa. De agora em diante será abordado o desenvolvimento humano a partir do nascimento, que não é linear e sequencial, mas tão importante quanto a gestação. Existem diferentes fases, estudadas pela psicologia, pela medicina e demais áreas da saúde e da educação: infância, adolescência, vida adulta e velhice. De forma resumida será apresentado um percurso com algumas características apontadas pela psicologia analítica e considerações de Magaldi Filho. O período ampliado anteriormente, da concepção até os seis meses de vida, é denominado de Pleroma. Nesta fase a criança ainda não tem a consciência de si mesma. Posteriormente, até um ano e meio ela entra na fase urobórica, sentindo-se o centro das atenções. Tudo é voltado para ela, principalmente pelas experiências sensoriais.
Até os sete anos a criança vive o mundo da mãe e até os catorze anos o mundo do pai, mesmo não tendo a presença dele.
A adolescência é a fase de expansão e da criatividade, em que se busca a autoafirmação perante o grupo, apresentando mais inibição de instintos, consolidação de valores culturais, sociais e religiosos. Até os quarenta e cinco anos ocorre a fascinação pela razão, pela riqueza e pela ciência e o mundo adulto é voltado para a verdade objetiva. Com o passar dos anos e no decorrer do processo evolutivo é comum ocorrer uma diferenciação do indivíduo, com superações e integrações. Depois dos quarenta e cinco anos geralmente inicia o processo de individuação, que é um processo individual e relacional, marcado pela integração total do belo, do bom e do verdadeiro (Cf. MAGALDI FILHO, 2009, p. 244-47).
Nas diferentes fases da vida também ocorrem as crises, apresentadas por alguns autores como parte da vida, de sete em sete anos, porém não necessariamente acontecem dentro de uma perspectiva cronológica.
As crises podem ocorrer em qualquer momento da vida e são oportunidades de crescimento e de tornar algo melhor. Na Psicologia Analítica, a metanoia significa uma crise típica da vida adulta com mudança de visão de mundo e possibilita a ressignificação de velhos padrões. Quando ocorre, é comum a presença da angústia, que também pode abarcar o saudosismo, como comparece no poema Meus Oito Anos, de Casimiro de Abreu, que na vida adulta referiu-se à infância de forma saudosa:
Que aurora, que sol, que vida,
ABREU, 1972
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Pode-se ir além com as ampliações que envolvem o número três no desenvolvimento do ser humano em todas as dimensões da vida.
Os três movimentos reptilianos – sobreviver, crescer e perpetuar – aos poucos poderão dar espaço para a alteridade e a individuação. A vida também é marcada por aspectos tridimensionais, que envolvem altura, comprimento, largura e é difícil imaginar algo que não seja assim.
Do mesmo modo, os personagens em formato de trios deixaram marcas, como por exemplo na cultura popular.
Quem não lembra das Meninas Superpoderosas (Florzinha, Lindinha e Docinho)? Da série dos anos 70, As Panteras? Do programa do final da tarde de domingo Os Trapalhões? As Três Marias (Maria Augusta, Maria José e Maria da Glória), romance de Raquel de Queiroz também marcou época, assim como no universo infantil, os famosos Luizinho, Zezinho e Huguinho, Os Metralhas e o clássico Os Três Porquinhos. E para os que apreciam música sertaneja, o Trio Parada Dura até hoje faz sucesso.
Do mesmo modo, existem as três notas musicais DÓ, MI e SOL, que são enfatizadas nos estudos da música, embora as outras notas também sejam importantes. A forma geométrica triangular também é muito utilizada tanto em objetos, como em vivências. Do mesmo modo, os três reinos da natureza – animal, vegetal e mineral – permeiam a vida dos seres vivos e dos materiais.
São apenas alguns de uma variedade de exemplos vivos na consciência, no inconsciente pessoal e coletivo e que permitem pensar na importância do número três.
Seguindo com esse olhar, encontram-se em diferentes fontes sobre a Homeopatia três doenças crônicas descritas por Hahnemann: psora (alergias e manifestações cutâneas serosas e mucosas); sicose (alergias e manifestações cutâneas serosas e mucosas); sífilis (destruição dos tecidos em forma de úlceras, fistulas, furúnculos).
De forma similar, três aspectos também fazem parte da Abordagem Integrativa Transpessoal: nous (mente contemplativa e silenciosa), psique (alma, memória e ancestralidade) e soma (corpo físico e parte material do ser). Na Análise Transacional, três aspectos da personalidade humana são chamados de Estados do Ego (Pai, Adulto e Criança).
Enquanto isso, a Psicanálise apresenta três tipos básicos de transtornos mentais (neurose, psicose e perversão) e o Behaviorismo se baseia em três conceitos fundamentais: comportamento, estímulo e resposta. Assim, é possível perceber que em qualquer área o significado e sentido do número três está presente.
Paracelso também contribuiu com a ciência ao introduzir a química na medicina e o conhecimento sobre a tríade zinco, ferro e manganês. Ao mesmo tempo ele deixou outras valiosas contribuições ao afirmar que o médico não só deve conhecer as coisas externas do ser humano, mas também precisa conhecer de alquimia e do céu interno de cada ser, integrando sintomas exteriores e interiores (Cf. JUNG, 2013, p. 25-27).
Por falar em alquimia, os metais utilizados nos laboratórios eram compostos de enxofre, mercúrio e sal, considerados os três princípios de todas as coisas, que permitem diferentes analogias e uma delas é a representação da tríade alma, espírito e corpo ou mesmo o princípio masculino, feminino e a sua integração.
Vale lembrar das afirmações de Waldemar Magaldi, que em aulas, cursos, vídeos e palestras apresenta os três “AS” – autoconhecimento, autoestima e autonomia – como parte do processo de análise, da integração de polaridades e ressignificação de padrões.
Acompanhando esse raciocínio, é unânime a definição de axioma como algo verdadeiro, que interfere na comunicação e na convivência dos indivíduos.
Os três principais axiomas que podem promover reflexões sobre os temas aqui abordados são: ontológico (envolve questões filosóficas), lógico (proposição óbvia e que não precisa ser demonstrada para a aceitação de uma teoria) e de complexidade (concebe que a realidade é inacabada, incompletude e incerteza não só quantitativa, mas principalmente qualitativa).
De algum modo isso faz lembrar da Pedagogia, em que escola, pais e alunos é uma tríade que precisa estar integrada para que aprendizagens ocorram e de Piaget, ao afirmar que o processo de construção do conhecimento e da inteligência é composto de assimilação, acomodação e equilibração.
No Hinduísmo a tríade de divindades Brahma (deus da criação), Vishnu (deus da preservação) e Shiva (deus da destruição) formam a Trimurti, a trindade suprema da religião. A tríade força (criar), duração (manter) e destruição (extinguir) é necessária para haver evolução e a mudança consiste em desconstruir o que é velho para o novo entrar, florescer e frutificar. Dessa forma, ao confrontar-se com seu inconsciente pelo processo imaginal e reflexivo, personificando a vida e a morte, Jung apresentou Abraxas, umdeus que é sol e também abismo, que comparece descrito em Aprofundamentos, durante Os Sete Sermões dos Mortos. (JUNG, 2015, p. 459-460).
A representação de Abraxas permeia três mundos: o mundo de baixo, o mundo do meio e o mundo do alto.
Esses três mundos podem representar as fases nigredo, albedo e rubedo, bem como o processo de individuação, que tem como base a diferenciação. Ainda, no encontro imaginal de Jung no decorrer do Livro Vermelho comparecem três personagens: Elias, Salomé e a Serpente. Elias representa a função pensamento, Salomé a função sentimento e a Serpente, uma dualidade que penetra vários objetos terrenos e também vai às profundezas, representando as funções sensação e intuição.
O entardecer, por sua vez, remete-nos para uma história interessante sobre a morte no Antigo Egito. Osíris era considerado o deus do julgamento, da vegetação e da ordem. Em Budge (1978, vol. I, p. 16-8), encontra-se um estudo sobre o Mito de Osíris, que envolve uma história de julgamento na Sala das Duas Justiças ou Sala das Duas Verdades, um local onde se estabelecia o contato entre o submundo dos mortos e o além, pela pesagem do coração que deveria ser mais leve que uma pena.
Como disse Jung: “Profundeza e superfície devem misturar-se para que surja nova vida, mas a nova vida não nasce fora de nós, e sim dentro de nós” (JUNG, 2015, p. 137).
Profundeza, superfície e nova vida também envolve uma tríade e simbolicamente pode representar nascimento, desenvolvimento e morte.
O entardecer da vida pode ser vivido de várias formas. Alguns se tornam velhos (as), outros se tornam idosos(as).
E não é apenas a idade cronológica que define um estado ou outro. Velho (a) é quem tende a se entregar para o desânimo e para a doença. Idoso (a) para a sabedoria, percorrendo caminhos desconhecidos com um propósito de vida, que é a grande diferença. Morfeu, da mitologia grega, é inspiração para descrever o sono profundo de indivíduos que negam o crescimento em todos os âmbitos e permanecem nos braços de Morfeu. Como já foi mencionado, é preciso desconstruir o que ocupa espaço para algo novo entrar! Apesar da presença de idade cronológica marcante e limitante em muitos aspectos, sempre há tempo para a renovação.
A canção O filho que eu quero ter, revela como tudo se renova:
É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
(TOQUINHO; MORAES, 1979)
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar o filho que eu quero ter (…)
E ao sentir, também, sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme, meu pai, sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer ter.
O contrário de morte é nascimento e vida é o acontece em todos os momentos durante o percurso.
A vida é cíclica, tudo tem começo, meio e fim, para novos recomeços. Essa tríade pode alcançar a plenitude com um quarto elemento: a integração. É preciso resgatar a leveza da criança, conectar-se com o momento presente, aquietar a mente e ouvir a voz do coração.
Como na fala de Jung: “As coisas pesadas não podem ser aliviadas se não se ligarem às leves, nem as coisas leves podem ser levadas ao fundo se não se ligarem às pesadas”. (JUNG, 2012, p. 99).
A afirmação envolve um constante processo de ressignificação de padrões, que resulta em mais alma nas vivências. É uma tarefa desafiante, porém possível. É preciso gerar ideias e coisas novas para melhorar a vida e o mundo, inspirados (as) no surgir da aurora. Que possamos fecundar e gerar um mundo melhor!
E o que nos espera no entardecer? Talvez Fernando Pessoa tenha respondido com o poema Para Além da Curva da Estrada:
Para além da curva da estrada
PESSOA, F. 1997, p. 165
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei, nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.
Pode-se escolher a curva, a estrada ou ambas. Pode-se escolher viver melhor o momento presente. A vida com leveza é feita de escolhas mais assertivas: viver bem o hoje, criar um novo sentido e definir um propósito de vida, realizando assim a integração da tríade nascimento, desenvolvimento e morte, entre o surgir da aurora e do entardecer da vida.
Claci Maria Strieder – Membro Analista do IJEP
Waldemar Magaldi Filho – Coordenador e Analista Didata do IJEP
Fontes de Consulta:
ABREU, C. Meus Oito Anos. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972.
ANDRADE, C. D. de. Poesia e Prosa. 8ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.
BUDGE, E. A. W. Osíris and the Egyptian resurrection. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1978.
JUNG, C. G. Mysterium coniunctionis. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
_________ O espírito na arte e na ciência. 8. ed. Petrópolis: Vozes: 2013.
_________ O livro Vermelho: edição sem ilustrações. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
_________ Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
MAGALDI FILHO, W. Dinheiro, saúde e sagrado: interfaces culturais, econômicas e religiosas à luz da psicologia analítica. São Paulo: Eleva Cultural, 2009.
NOGUEIRA, A.T. As deusas na gravidez, parto e pós-parto. Editora Simplíssimo, 2022.
PESSOA, F. Para Além da curva da estrada. Vida e obras de Alberto Caeiro. 1 ed. São Paulo: Global, 2017.
POSSI, L; CAMPOS, R. Você sorriu pra mim. Midas Music, 2019.
TOQUINHO; MORAES, V. O filho que eu quero ter. CD 10 anos de Toquinho e Vinícius. Philips/Universal Music, 1979.
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