Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Clarice Lispector
E de repente, estamos na Menopausa, completando nossos 50, 60, 70 anos e ficamos estanque diante do que poderá acontecer com as nossas vidas.
Junto com os filhos crescidos, com a chegada dos netos, com os fios de cabelo branco, aparecem também a dificuldade em perder peso, o desânimo, cansaço, a falta de energia, o humor depressivo, a ansiedade, irritabilidade, insônia, os déficits de atenção e concentração, a perda de memória, os pensamentos com conteúdo negativos ou morte, a anedonia (nome bonito dado para a perda do prazer ou interesse), diminuição da libido, a desesperança e labilidade emocional.
Esses sintomas surgem isoladamente, muitas vezes nas mulheres que ainda menstruam, ocorrendo regular ou esporadicamente e outras vezes dissociados dos ciclos menstruais. Sintomas esses que podem ser representados por um quadro depressivo, mas também relacionados a transtornos de humor muito comum nessa fase da vida.
Mas as alterações fisiológicas no ciclo menstrual decorrente das oscilações hormonais fazem com que muitas mulheres sofram com sintomas desagradáveis relacionados ao humor. Algumas mulheres são mais vulneráveis e tem sintomas sugestivos de depressão já nos períodos correspondentes ao ciclo menstrual que se acentuam no puerpério (pós gravidez) e na perimenopausa.
As mulheres têm um mecanismo regulador hormonal representado pelas gonadotrofinas hipofisiárias, FSH e LH em equilíbrio com o Estradiol (E2). Essas glicoproteínas chamadas gonadotrofinas hipofisiárias têm metabolismo pouco conhecido. São excretadas na urina e são produzidas sob estímulo hipotalâmico mediado pelo hormônio liberação (GnRH).
Durante a perimenopausa o ritmo de produção de esteroides muda. Apesar de níveis normais, as flutuações hormonais podem ser induzidas por estresse e provocar situações de perda de controle, quadros depressivos, tristeza, ansiedade, etc.
Os esteroides sexuais alteram a atividade neurotransmissora do cérebro, favorecendo as alterações de humor. Precisamos compreender que não existe um corpo, um coração, um rim, um cérebro. Existe a psique e a matéria, que apesar de serem estruturas diferentes estão interligadas e não funcionam isoladamente, correspondem a uma mesma coisa. A cognição é um processo do pensamento onde o conhecimento é adquirido ou utilizado, e depende de vários elementos do SNC funcionando harmonicamente.
Na perimenopausa pode-se observar uma maior vulnerabilidade para os transtornos psíquicos. Por exemplo: podemos encontrar mulheres executivas, bem sucedidas, dona de suas ações, comprometida com seu trabalho, viajando, gerenciando, tomando decisões, a frente de empresas de nome e de repente essa mesma mulher tem a sensação de que sua vida não está fazendo sentido, que tudo parece repetitivo, tem dificuldade para dormir ou acordar, já não sente vontade de viajar, sem paciência , insegura, com labilidade emocional e ficam apavoradas diante desses primeiros sinais de descompasso Ao procurar ajuda querem ser medicadas com a pílula dourada, para não sentir os sinais de que o corpo está pedindo uma mudança, uma diminuição no ritmo, uma reformulação.
Penso que o ideal nesse momento seria que essas mulheres e outras que não executivas, mas com as mesmas sensações, fossem encorajadas a participar de atividades em grupo e/ou psicoterapia de apoio junto à especialistas em saúde mental. Esses sintomas de desconforto psíquico nessas mulheres na peri e pós- menopausa devem ser analisados cuidadosamente, porque a vida é um processo, onde se nasce, cresce, amadurece e morre.
Viver com consciência é descobrir que muitos problemas ou dificuldades não podem ser encarados como injustiça ou azar, depende de como levamos a vida, como nos relacionamos com a realidade. Diante das dificuldades aparecem as dúvidas e, a partir da dúvida, começamos a refletir sobre o que está por vir. Muitas mulheres sentem-se inseguras e com medo de mudar de atitude, pois procurar um novo caminho, que parece obscuro e indeterminado, é sempre amedrontador.
Por volta dos 40 anos podemos observar pequenas alterações de comportamento em algumas mulheres, como mudança de atitude ou aquisição de novos interesses ou ainda comportamento mais rígidos, como se sua existência estivesse ameaçada e daí a necessidade de enfatizar comportamentos anteriores.
Segundo Carl Gustav Jung, todos os distúrbios neuróticos da idade adulta têm em comum a dificuldade de desistir da fase anterior. A vida é um ciclo com momentos e necessidades diferentes. A dificuldade em deixar para trás nossa juventude e entrar na meia idade assusta. Muitos dos sonhos foram realizados; como, uma carreira de sucesso, filhos encaminhados na vida e a energia para novas realizações parece não existir. Outras também se sentem frustradas porque deixaram para trás muitos dos seus sonhos em função de filhos ou por não terem tido energia para realiza-los; de qualquer forma, há uma sensação de falta nessa mulher, ela sente como se sua vida agora não tivesse mais sentido.
Dependendo de como nos relacionamos com a realidade da vida, vamos enfrentar esse desconforto tendo a sensação de que tudo parece obscuro, sem sentido e/ou ameaçador. Nesse momento apesar de muitas se sentirem realizadas, não conseguem olhar para si mesmas e sentir seu próprio brilho, sua força, suas virtudes. Recolhem-se em si mesmas e tornam-se hipocondríacas, neuróticas ou eternas adolescentes.
Quantas mulheres se preparam para a segunda metade da vida, para o mistério dessa nova etapa, para a velhice, para a morte?!
De acordo com Jung, essa nova etapa deve ter um sentido. Observamos em geral que mulheres que tiveram consciência de que suas ações foram tomadas por necessidades ou vontade própria, sentem-se melhor nessa nova etapa, porque souberam fazer suas escolhas e se responsabilizaram por essas. Decidir superar cada limite que a dúvida cria não é tarefa fácil, é complexo porque o terreno é desconhecido e não temos parâmetros para nos guiar, falta o conhecimento suficiente sobre o que está por vir. O que pode ajudar será à vontade para continuar a caminhar, deixar o que vivenciamos para trás e procurar agir com uma nova atitude e clareza de que essa busca está dentro de nós e que a vida seja conquistada, como diz Jung, sempre e de novo.
O tratamento vai além de hormonioterapia ou antidepressivos. Nesse momento, o autoconhecimento facilita a passagem por mais essa etapa da vida. Ressignificar sua existência e procurar novos caminhos com novas atitudes e comportamentos, deixar de lado a vida que não foi vivida, tentar elaborar as perdas, o luto, tudo o que não pode ter sido realizado, poderá ser benéfico e reduzir essa sintomatologia.
Ivone Ferreira, médica, ginecologista, Psicoterapeuta Junguiana e analista em formação pelo IJEP.
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