Mulher é bicho esquisito
Todo o mês sangra
Um sexto sentido
Maior que a razão…
Não provoque!
É Cor de Rosa Choque
Rita Lee
O chamado “Outubro Rosa”, como referência à cor do laço rosa distribuído pela Fundação Susan G. Komen for the Cure, surgiu em Nova York, Estados Unidos, na década de 90 com a primeira Corrida pela Cura buscando a conscientização acerca do câncer de mama e sua detecção precoce. No Brasil, o movimento, agora internacional, iniciou-se em 2002, com a iluminação do Obelisco do Parque Ibirapuera na cor rosa. A adesão vem crescendo a cada ano, sendo que atualmente, acontece em muitas cidades brasileiras, com apoio governamental e da indústria. Falar do feminino é lembrar aspectos como docilidade, aconchego, calor humano, maternagem, flexibilidade, imprevisibilidade, sedução e ainda, da cor rosa, historicamente atribuída às mulheres. No entanto, o feminino é um atributo presente também nos homens e trataremos disto adiante.
O mito das Amazonas
A palavra “amazona” parece derivar do prefixo grego “a”, significando “sem”, seguido de “mazós”, “seios”. Na antiga sociedade greco-romana, mutilar o seio era sinal de coragem em facear as lutas contra os homens. O mito das amazonas, belas e honoráveis mulheres guerreiras, é parte significante da cultura humana e revela-se como um importante precursor, que simboliza a mulher questionadora da ordem patriarcal estabelecida. Não aceitando a condição de submissão, abandona seu papel de peso morto e passivo na sociedade e participa ativamente da vida pública e social. Evidentes e grandes avanços foram causados pela ativação deste arquétipo. Em contrapartida, a mulher atual desenvolveu traços de personalidade e estilo de vida que podem aumentar os fatores de risco para desenvolvimento de câncer, notadamente as neoplasias mamárias, como nuliparidade ou gravidez tardia, consumo de álcool e tabaco, dieta rica em gorduras e outros. Histórico familiar de câncer também se mostra um importante fator de predisposição.
Hipervalorização do princípio masculino e da supressão do feminino.
Infelizmente, a luta entre os gêneros parece perdurar até a atualidade, causando uma hipervalorização do princípio masculino e da supressão do feminino nas próprias mulheres. Como conceitos psicológicos, o princípio masculino – animus – relaciona-se a aspectos manifestados como rigidez, expansividade, agressividade, empreendedorismo, competitividade, racionalidade, objetividade e capacidade crítica. Anima, o princípio feminino, traz aspectos como intuição, subjetividade, vaidade, cooperação, síntese e contratilidade, conservadorismo e receptividade.
Quando a mulher, ferida nas relações, sofre com a polarização de um dos extremos, ela pode se apresentar como a eterna menina(puella) e a amazona de couraça, segundo Linda S. Leonard. Em seu livro “A Mulher Ferida” (1998), a autora afirma que a eterna menina ou puella não consegue desenvolver-se nos planos pessoal e profissional, de elaborar sua própria identidade, enquanto a amazona de couraça é a mulher que assumiu características em geral associadas à disposição masculina, mas, em lugar de integrar os aspectos “masculinos” que poderiam fortalecê-la como mulher, ela se identifica com o poder do “masculino”. Tanto uma quanto a outra necessitam do processo de autotransformação através do autodesenvolvimento e busca da integralidade. É preciso retornar ao equilíbrio entre os arquétipos de Atenas e Afrodite, pois viver nos extremos, tendo o equilibrio reprimido, pode trazer ao adoecimento físico pelas repercussões psicossomáticas com elevado estresse, fadiga, fragilidade emocional e depressão, ou ainda, vulgaridade, misticismo mágico e incoerente, além de sofrimentos nas relações.
Em contraponto à exarcebação do animus, com a excessiva valorização dos resultados e metas; do conhecimento racional e desvalorização do que é intuitivo; da ciência objetiva e esquecimento da filosofia e da espiritualidade, observa-se que o homem moderno tem lidado um tanto melhor com o seu feminino: mais presente nas relações com filhos, vaidoso, mais acolhedor com a afetividade. Ou no dizer de Gilberto Gil, na canção Super homem, “um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo me daria do que eu quisesse ter. Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara, é a porção melhor que trago em mim agora, é o que me faz viver”.
Cuidando dos relacionamentos
A cura das feridas nas relações entre homens e mulheres da sociedade contemporânea, passa pelo reconhecimento, valorização e resgate dos aspectos femininos, assim como restabelecer e reconciliar o espaço do feminino junto á ordem masculina. Este resgate possibilita a orientação da criatividade na busca de recursos e potenciais plenos.
Masculinidade e feminilidade são forças arquetípicas, isto é, estão inscritas no inconsciente humano. São, também, formas diferentes de se relacionar com a vida e com o mundo. A repressão da feminilidade, portanto, afeta a relação da humanidade com a sociedade, na mesma medida em que afeta a relação entre homens e mulheres. O predomínio de aspectos masculinos cada vez mais independentes e isolados, sem poder transformar criativamente a agressividade e o poder, levam à divisão. É preciso resgatar o cuidado individual e com o ambiente, dentro da visão bioética.
Assim, masculino e feminino poderão se manifestar, no campo seguro e protegido da troca efetiva de conhecimentos e afetos, compondo o Ser Humano Integral, em seus aspectos físico, emocional, cultural, ambiental e espiritual.
Para Simone Magaldi, em seu brilhante texto “O Feminino Frente às Religiões” (2013) “no Todo, que é o Uno, não há feminino nem masculino, nem homem nem mulher, nem deus nem deusa, ao mesmo tempo que não há singularidade, todas as multiplicidades estão presentes. Deus é, nem masculino, nem feminino, apenas Ser.”
Desta forma, o resgate do sagrado feminino e a união dos princípios masculinos e femininos, equilibrando anima e animus, possibilitam não apenas o desenvolvimento de relações sociais mais saudáveis, a melhoria nos relacionamentos interpessoais e conjugais, como tambem favorecem a busca do crescimento espiritual.
Leituras recomendadas:
Leonard, Linda S. A Mulher Ferida: em Busca de um Relacionamento Responsável Entre Homens e Mulheres. 3ª. Ed. S. Paulo. SUMMUS 1998
Magaldi, Ercilia SD. O Feminino Frente às Religiões. Download em 08.08.2013. http://ijep.com.br/index.php?sec=downpags
Rita de Cassia Macieira: Psicóloga, Mestre em Saúde Materno-Infantil pela Fac.Medicina da Universidade Santo Amaro; Presidente da Diretoria Nacional, gestão 2008/2010 e atual Presidente da Diretoria Estadual S. Paulo da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO).