A expressão mandala vem do sânscrito, falado na Índia antiga e significa literalmente círculo, mais precisamente círculo mágico. Em alguns textos, inclusive em alguns textos de Jung, é possível encontrarmos a expressão “o mandala” justamente por referir-se a um círculo, no entanto nesse texto vou utilizar a expressão “a mandala”, por ser mais comum no ocidente. As mandalas são sempre um sistema quaternário, a “quadratura circuli” (quadratura do círculo). As formas redondas das mandalas simbolizam a integridade natural, enquanto a forma quadrangular representa a tomada de consciência dessa integridade. A mandala pode se manifestar em suas combinações variadas de círculo e quadrado, representando respectivamente o mundo espiritual e o mundo material.
As mandalas estão presentes no universo desde sempre, remontam épocas remotas como no período paleolítico na história das civilizações, com as chamadas rodas solares. Podemos encontrar mandalas na natureza observando as plantas, em diversas flores, em cristais de gelo, no olho humano, numa teia de aranha, em conchas etc. Podemos também encontrá-las na arquitetura. Para Tucci todo templo é uma mandala, pois o homem quando adentra ao templo considerando-o como o lugar consagrado e percorre ordenadamente os recessos do templo, percorre o “mecanismo do mundo” e quando chega ao lugar mais sagrado identifica-se com a unidade primordial. Elas aparecem também como rosáceas nas catedrais cristãs. De acordo com Dibo e Arcuri as catedrais tinham por meta representar a Jerusalém Celeste possuindo janelas circulares e um labirinto no chão da entrada, representando a peregrinação dos fiéis a Jerusalém. Em seu caminho contemplavam as rosáceas que forneciam a iluminação ao ambiente e este ritual mandálico simbolizava a união do homem com Deus.
As mandalas estão presentes em várias religiões, principalmente na cultura oriental. Na tradição hindu a mandala representa a presença divina no centro do mundo, são utilizadas durante as práticas religiosas para auxiliar a passagem do estado material para o estado espiritual podendo ser pintadas, desenhadas para suporte a meditação e desenhadas no chão para rituais de iniciação. Nas escolas xivaístas o objetivo da mandala é despertar a consciência de nossa identidade com a consciência universal.
Na tradição tibetana a mandala é o guia imaginário da meditação. Ela manifesta em suas combinações variadas de círculos e quadrados o universo espiritual e material assim como a dinâmica das relações que os unem no plano divino. No ritual funciona como suporte da divindade.
Jung pintou sua primeira mandala em 1916, depois de ter escrito os Septem sermones ad mortuos e afirma que não a compreendera na época. Foi entre 1918-1919 quando estava em Château-dOEx, na função de comandante da Região Inglesa dos Internados de Guerra onde esboçava todas as manhãs num livro de notas um pequeno desenho de forma redonda, uma mandala, foi que se deu conta de que aqueles desenhos pareciam corresponder a sua situação interior e pôde observar dia após dia as transformações psíquicas que estes desenhos operavam nele.
Jung recorre a imagem da mandala para designar uma representação simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida. Ele observou que essas imagens são utilizadas para favorecer a meditação em profundidade e consolidar o mundo interior. Contemplar uma mandala supostamente proporcionaria serenidade, um sentimento de que a vida reencontrou seu sentido e sua ordem. As mandalas tem dupla eficácia, conservar a ordem psíquica se ela já existe, e restabelecê-la se ela desapareceu.
Jung observou que as mandalas podem surgir através dos sonhos, mas também da imaginação ativa, permitindo uma investigação psicológica mais aprofundada de seu sentido funcional. Quando ela aparece em um estado psíquico de desorientação ou dissociação psíquica devido a irrupção de conteúdos incompreensíveis do inconsciente, observa-se tal imagem circular, a qual compensa a desordem e a perturbação do estado psíquico. É uma tentativa de autocura inconsciente, a partir de um impulso instintivo, no qual o molde rigoroso imposto pela imagem circular como um ponto central compensa a desordem do estado psíquico. Ele diz que a mandala é um arquétipo da ordem, da integração e da plenitude psíquica, surgindo como esforço natural de autocura. O mais importante dos arquétipos é o Self e representa a totalidade do homem e pode aparecer de diversas maneiras, entre elas, a mandala.
As mandalas falam diretamente com nossa alma. Elaborar uma mandala é criar o próprio espaço sagrado, num lugar de proteção, um foco de proteção para a própria energia. Criar de forma espontânea cores e formas dentro de um círculo, pode ajudar a atrair a cura, a autodescoberta e a evolução individual.
As mandalas representam a totalidade em ação e correspondem a natureza microcósmica da psique.
Jung nos diz que “muitas vezes as mãos resolvem um enigma com o qual o intelecto luta em vão”. E é isso que podemos observar com o uso das mandalas na prática clínica. Tentamos por vezes, através do diálogo trabalhar alguma demanda, mas o trabalho não caminha. Quando introduzimos alguma das maneiras de se trabalhar utilizando as mandalas muita informação vem à tona, nos permitindo acessá-las.
Na prática clínica elas são utilizadas para ajudar no processo terapêutico. Nesse caso ela é feita de maneira intuitiva, pois o que nos interessa é a expressão do self, a mensagem do inconsciente, levamos em conta as cores utilizadas, a simetria ou a falta dê, a intensidade dos traços e outras características, mas é importante que ela nasça de maneira espontânea, sem a preocupação com a estética.
Existem várias maneiras de trabalhar com as mandalas dentro do setting terapêutico.
Hoje as mandalas vem se popularizando muito e estão presentes em todos os lugares, na decoração, nas escolas, nos livros de colorir, no vestuário, em oficinas artísticas tanto para crianças como adultos. Mandalas trabalhadas em pedras naturais, em tintas, tecidas em lã e linhas, trabalhadas com canetas coloridas, transformadas em adesivos e todo tipo de souvenir que possa ser pensado. Apesar de não utilizarmos essas mandalas no processo terapêutico acredito que elas tenham sua função, primeiro pela beleza que espalham e depois por acreditar que a observação dessas mandalas pode trazer benefícios para a psique, mesmo que seu observador não tenha conhecimento sobre elas. O sagrado está presente nessas ilustrações se partirmos do princípio que as pessoas que estudam sobre mandalas as estudam porque estão em busca de um equilíbrio interior, estão em busca desse sagrado e, portanto ao criarem esses desenhos mandálicos o fazem com esse intuito, e a energia transmitida por essas ilustrações podem chegar ao seu observador. Fioravanti (2003), em seu livro Mandalas: como usar a energia dos desenhos sagrados diz que o campo de força de uma mandala modifica a energia em vários níveis. Ela estimula a mente, equilibra as emoções e ativa os processos físicos, ajudando a restabelecer sua função plena. A mandala é uma fonte de cura por si só.
Já tive o prazer de organizar algumas oficinas de mandalas tecidas em lã e linha, e, também pintadas em madeira e pude observar que o encontro das pessoas e as trocas que acontecem nas oficinas já são por si curativas. As pessoas se sentem conectadas com seu lado criativo e lúdico. Apesar de seguirem pontos e algumas regras para a produção, pude observar que o inconsciente encontra um caminho para se manifestar através da intensidade, da tensão, da escolha de cores e de pontos que a pessoa escolhe utilizar, e a partir disso podemos observar como a pessoa está naquele momento.
Na clínica podemos utilizar as mandalas de várias maneiras, podemos usá-las para propósitos específicos, para trabalhar áreas específicas da vida, para observar a sombra e para muitas outras finalidades.
As mandalas são um material riquíssimo e podemos através da experiência de desenhá-las, pintá-las, esculpi-las, ou somente de sua observação encontrarmos um caminho para o equilíbrio e restaurá-lo.
As mandalas são mágicas, sagradas e tem um poder que escapa a racionalização, portanto eu sugiro que você apenas sinta o que uma mandala desperta em você. Experencie desenhar, pintar ou contemplar uma mandala e se deixe encantar pelo seu poder.
Keller Villela
Membro Analista em Formação pelo IJEP
Contato: (11) 98225-4490 SP/SP
Referências:
ARCURI, I. G.; DIBO, M, Arteterapia e mandalas, uma abordagem junguiana. São Paulo: Vetor, 2010
FIORAVANTI, C. Mandalas: como usar a energia dos desenhos sagrados. São Paulo: Pensamento, 2003
JUNG, C. G. Psicologia e Religião. 10ª edição, Petrópolis: Vozes, 2012
JUNG, C. G. Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006
JUNG, C. G. Psicologia e Alquimia. 5ª edição. Petrópolis: Vozes, 2011
JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 2012
TUCCI, G. Teoria e Prática da Mandala. São Paulo: Pensamento, 1993