Receber o diagnóstico de câncer, em si ou em algum membro da família, representa sempre um ataque ao psiquismo e causa uma disruptura no estilo de vida. Para fazer frente a esta notícia e auxiliar no enfrentamento da doença e/ou no tratamento das sequelas físicas e emocionais, a abordagem psicossomática, assim como os recursos da Arteterapia podem ser de extrema importância, notadamente o trabalho com a Imaginação Dirigida.
Imagens mentais são um tipo de pensamento que utilizamos para entrarmos em contato com a nossa realidade subjetiva, interna. Lida com o pensamento “não-lógico”, insight, intuição, e podem ser experimentadas naturalmente nos sonhos, divagações diurnas etc. O trabalho com imagens pode alterar aspectos fisiológicos de nosso corpo (neuro-psico-endócrino-imunologia). Importa lembrar que a Psicossomática nos alerta que emoções consideradas negativas possuem correlação com baixa imunidade, enquanto emoções positivas produzem respostas imunológicas positivas, portanto podem auxiliar na “cura”. Além disto, se o diagnóstico pode trazer a sensação de perda de controle sobre o próprio corpo, o trabalho com as imagens mentais, tem o poder de trazer de volta o sujeito ativo e participante do seu processo.
Segundo Epstein (1990, pg.25) tal trabalho “é a expressão ativa dos nossos desejos canalizados pelos nossos sistemas fisiológicos. Frequentemente se manifesta em forma física ou mental.” O mesmo autor nos diz que:
Isso é parte do ato consciente da vontade que precede a abertura dos olhos para as imagens; faz parte da decisão de darmos uma boa olhada para dentro de nós mesmos e de estarmos abertos para entender o que nossos corpos e sentimentos estão nos dizendo. Ao usarmos imagens, podemos jogar fora nossa negação de que haja algo errado, limpar nossas decepções e projetar luz sobre nossos padrões habituais e autodestrutivos. (ibid., p. 30).
No caso específico da Imaginação Dirigida, são imaginações estimuladas, conduzidas e induzidas pelo terapeuta, que dialogam com nossos desejos, emoções, com conteúdos do nosso inconsciente e trabalham nossas fantasia, atuando no limiar de ansiedade. Para Jung “a humanidade sempre teve em abundância imagens poderosas que a protegiam magicamente contra as coisas abissais da alma, assustadoramente vivas. As figuras do inconsciente sempre foram expressas através de imagens protetoras e curativas, e assim expelidas da psique para o espaço cósmico.”
Em Psico-Oncologia a Imaginação Dirigida pode ser utilizada em todas as fases desde o diagnóstico até a “cura” ou terminalidade, através de varias técnicas de recursos expressivos como a Arteterapia. Para Epstein (1990), o trabalho com imagens mentais em estado ampliado de consciência é o método de cura mais antigo que existe, além de ser o melhor meio de aumentar a fé e a confiança em si mesmo. Além disto, estimula a criatividade e promove o acesso a outros níveis de realidade, que não estão presos ao tempo linear nem ao espaço físico, favorecendo mudanças de atitudes e ideias frente às experiências atuais de sofrimento. (Epstein, in Macieira, 2012, p. 59)
Para Macieira (2012):
Os exercícios com imagens ou de relaxamento físico e mental podem ser facilmente aprendidos e utilizados em qualquer ambiente ou situação. Ocasionam mudanças psiconeurofisiológicas tais como: distensão muscular, diminuição das frequências cardíaca e respiratória, diminuição da ansiedade e do sofrimento, e alívio das dores. Através dos exercícios, o doente é levado a um estado ampliado de consciência. Por isto, é uma das técnicas mais utilizadas no tratamento. Têm ainda a vantagem adicional de não acrescentar custos e ficar sob controle dele onde e quando praticar. E isto se torna significativo quando se trabalha para desenvolver ou devolver a autonomia do doente. (Macieira, 2012, p. 64)
Os recursos expressivos trazidos pela Arteterapia podem ser de valorosa utilidade, na medida em que Jung (1984, §179) nos salienta que “muitas vezes impõe-se a necessidade de esclarecer conteúdos obscuros, imprimindo-lhes uma forma visível. Pode-se fazer isto, desenhando-os, pintando-os ou modelando-os. Muitas vezes, as mãos sabem resolver enigmas que o intelecto em vão lutou por compreender.” Podemos desenhar ou modelar e “conversar” com os sintomas ou com a doença, já que as nossas imagens mentais sempre têm algo a dizer sobre nós mesmos ou sobre o momento que estamos vivendo. Além disto, a Arteterapia favorece a criação de um espaço onde a pessoa pode expressar sua vivência atual, seus sofrimentos, angústias, medos e vulnerabilidades, mas tambem trabalhar sobre a potencialidade de seus recursos de enfrentamento, no sentido de alcançar melhora em sua qualidade de vida e fazer frente ao tratamento em melhores condições. (AZNÁREZ ROJO, 2020, pg.24). Para a mesma autora, uma intervenção baseada em Arteterapia pode levar a pessoa afetada pela doença a melhorar seu bem-estar, favorecer a comunicação com seu entorno e a lidar melhor com as dificuldades emocionais, de vez que estimula a reflexão, canaliza as emoções e favorece o autodescobrimento e a autoconsciência, de forma não invasiva, no tempo e na medida que lhe são possíveis.
Os níveis elevados de estresse em pacientes oncológicos, em seus familiares e nos relacionamentos entre eles, trazem repercussões psicossomáticas que podem afetar sobremaneira não apenas o processo de tratamento e cura, mas ainda, na própria adesão aos tratamentos. Em um trabalho recém publicado no Brasil, elaborado pela psico-oncologista Maria Carolina Brando (2020), foi elaborado um workshop de Arteterapia onde foram convidadas mulheres mastectomizadas e seus maridos ou companheiros, de vez de que nem sempre os familiares têm espaço para se expressarem. O trabalho aconteceu através da música, da expressão corporal, histórias, desenhos, além de um processo de confraternização. Pelo processo criativo, os parceiros tiveram a oportunidade de se expressarem através das imagens, autentica e espontaneamente. A ideia é que com o tempo essa experiência possa levá-los a uma melhor visão de si mesmos, assim como uma provável reparação e transformação emocional, além de ajudarem suas companheiras na recuperação após um câncer de mama.
Segundo Brando (2020), o processo criativo tem se mostrado muito eficiente em trabalhos dentro da área da saúde, notadamente em Psico-Oncologia. Com a Arteterapia, a comunicação acontece de maneira simbólica, facilitando novos entendimentos e insights, trazendo aumento do senso de controle. Ajuda, portanto, na resolução de conflitos, na solução de problemas e na formulação de novas percepções que conduzirão a mudanças positivas, crescimento e cura.
Referências:
BRANDO, Maria Carolina M.M.S. Um novo amanhecer através da arteterapia… Resgatando relacionamentos, após a mastectomia. Latin American Journal of Development, Curitiba, v.2, n.5, p. 186-189, sep./oct. 2020. ISSN 2674-9297
EPSTEIN, G. Imagens que curam . Guia completo para a terapia pela imagem. 3ª ed. Rio de Janeiro: Xenon, 1990
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Vols. VIII-2. Petrópolis: Vozes, 1984.
JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000.
MACIEIRA, R.C. O sentido da vida na experiência da morte; uma visão transpessoal em Psico-Oncologia. 3ª.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012.
AZNÁREZ ROJO, Guadalupe. “Atención en Salud Mental para pacientes oncológicos Intervención desde la Psicoeducación y la Arteterapia” Nuevo Hospital de Rio Cuarto “San Antonio de Padua”. Cordoba, 2020 (Download em: https://repositorio.uesiglo21.edu.ar/bitstream/handle/ues21/18660/AZNAREZ%20ROJO%20GUADALUPE%20-%20Guadalupe%20Aznarezrojo.pdf?sequence=1)