O existir de qualquer ser biologicamente considerado como expressão de vida é absolutamente estressante, porque exige constante tensão, e tenção, diante da competição para possibilitar a biosobrevivência, matando e comendo para não ser morto e comido. Mesmo nós, humanos, que estamos no topo da cadeia alimentar, algum dia perderemos a batalha e seremos derrocados e devorados, não por leões, jacarés ou cobras, mas por ínfimas bactérias, fungos e vírus. Aliado a isso, pela necessidade instintiva de proteção e perpetuação, ainda temos que conquistar e defender nosso território e estabelecer algum tipo de vínculo relacional com nossos semelhantes, que são absolutamente diferentes! Mas tudo isso são questões concretas, práticas e objetivas, que a maioria dos seres vivos precisam enfrentar, e para agravar um pouco mais a condição estressante dos seres humanos, temos as questões metafisicas, incluindo o medo da morte e a falta de sentido e significado existencial, devido a pressão que o inconsciente, por meio dos nossos aspectos sombrios, exerce à consciência do ego, questionando nossas personas, que são os personagens/máscaras usadas para a adaptação social, muitas vezes dissonantes com o Self, que é nossa verdadeira essência, na maioria das vezes imerso no inconsciente sombrio.
Obviamente, diante dessa realidade, constantemente assoberbados pelo medo, ansiedade, competição, raiva, ressentimento, culpa, mágoa e insegurança diante da vida, não temos como ficar imunes ao estresse em algum momento. Hans Selye, em 1936, expõe uma tríade que representa a expressão corporal diante do stress: alerta, resistência e exaustão. Na fase do alerta ficamos aprisionados na dinâmica entre luta ou fuga. Na resistência surge a adaptação em função da capacidade homeostática e autopoiética dos seres, onde muitos dos sintomas iniciais desaparecem, dando lugar a uma sensação de desgaste e cansaço. Com o avanço da medicina, neste momento, é usado exagerada e horizontalmente, remédios antidepressivos e hormônios, ao invés de sugerir que as pessoas façam uma análise profunda em busca de sentido e significado para suas vidas, até que se atinja a fase da exaustão e, neste momento, devido a quase falência do sistema autoimune, acontece o dano maior.
Diante do exposto, o verbo estressar é uma condição de vida e, por isso mesmo, vários autores trabalham com dois adjetivos para o substantivo stress: o eutresse e o distresse. O eutresse pode ser considerado o estresse “saudável”, porque é caracterizado pelas pessoas que estão motivadas e entusiasmadas por aquilo que podemos chamar de “bom combate”. Ainda presente na minoria de pessoas, que conquistaram sua individualização, vivendo com sentido e significado, prontos para morrer, mas enquanto isso não acontecer, continuar servindo altruisticamente a humanidade, engajados em questões autossustentáveis, da desigualdade, da inclusão, etc. Isso é o que Carl Jung chamaria de estar consciente e atuante no seu processo de individuação, fazendo com que a consciência do ego esteja a serviço da alma, que é o verdadeiro agente desintoxicante do corpo, ajudando-o a desenvolver a resiliência e transformar todo estresse em mais qualidade de vida e crescimento evolutivo.
Já o distresse, é o estresse patológico, infelizmente presente na maioria das pessoas, que ainda não fizeram a imersão nas profundezas do inconsciente, confrontando suas sombras, enfrentando o diabo, o representante do inferno, da divisão, da dualidade e da falta de fé, para encontrarem e passarem a servir a alma. Sem alma, não pode existir felicidade e muito menos entusiasmo para a vida, apenas momentos efêmeros de prazer e alegria, constantemente dominados pelo medo, inclusive da morte, e um contínuo sentimento de miserabilidade egoísta. Por isso, o distresse exige remédios psicoativos e, obviamente, a medicina da sociedade de consumo, prescreve-os em larga escala, mantendo a maioria das pessoas nesta infelicidade comum, apesar de consumindo, poluindo, competindo em busca de poder e sem amor.
É incrível vermos distressados obcecados por dietas detox, acreditando que de fora para dentro o corpo pode ficar saudável! Já atendi pessoas absolutamente egoístas e atormentadas pelo medo da morte, mas que são veganas, tomam tudo que é receita detox, consumindo apenas produtos absolutamente orgânicos, praticam meditação mais de duas horas por dia e são absolutamente infelizes, sem perceber que fazem parte da grande massa competitiva. Neste caso, competem para ter o corpo mais saudável e com menos efeitos do envelhecimento e terem a mente mais limpa e pura, para viver mais tempo possível! Para que? Por que? Por quem? Para quem? Aí as coisas começam a complicar, porque estão treinadas, como a maioria, a competir egoistamente, defendendo seus territórios e posições, se servindo e nunca servindo, até que, em um dado momento a crise surge e os sintomas físicos, psíquicos, relacionais, profissionais, familiares, sociais ou espirituais surgem, como um movimento pendular ao contrário, que Jung chamava de enantiodromia, fazendo com que os “saudáveis” da geração naturalista, esportistas e “espiritualizados” egoístas reflitam suas vidas.
Com isso, compreendemos que stress não é bom ou ruim, é apenas condição humana ou, se quiserem, reflexo da angústia existencial ou de fundo. A maneira que cada indivíduo vai lidar com a realidade, que é estressante por sua própria natureza, é que pode produzir sintomas e, neste caso, torna-se distresse. Caso lide com a realidade de forma confiante e com fé na vida, agindo com atitude e livre da esperança do esperar passivo, acontecerá a evolução criativa e, neste caso, é eutresse. Sei que a necessidade de classificação é oriunda desta ciência fragmentada que precisa nomear, polarizar e segmentar, mas infelizmente só assim conseguimos sensibilizar os profissionais da saúde para a dimensão psíquica, ou da alma. Para o Self tudo é possibilidade criativa e potencialidade, mas para o Ego, nem tanto. Quando o Ego não contempla a alma no seu dia a dia, o adverso, que também é chamado de diabo ou capeta, vira distresse. Ou seja, para o Self, tudo isso é bobagem, porque tudo é potencialidade criativa que, na maioria das vezes, o Ego unilateral, literal, materialista e egoísta, desperdiça. Por isso, se a vida tem propósito, o distresse não pode existir, porque tudo que vier acaba servindo para o processo de individuação. Não podemos esquecer que tristeza e dor são possibilidades e alimento para esse processo!
Também podemos aproximar esses conceitos do construto filosófico da homeopatia, onde Hahnemann no século XVIII já afirmava que a doença é decorrente do desvio do mais alto fim existencial e que, a partir daí, ela vai evoluindo em três fases, ou miasmas, de sintomatologia (acredito que essa foi a fonte de inspiração de Selye). A primeira manifestação é a Psora, onde começa surgir o mal-estar, o incomodo com as adversidades da vida. Caso a pessoa não consiga ressignificar esse “prurido” existencial, encontrando seu caminho de servir, a doença avança e vira Sicose, fase de hipertrofias, atitudes compulsivas e obsessivas, valorizando o poder, a competição o acúmulo, muito parecida com a adaptação ao estresse. Obviamente, a consequência disso é a exaustão, chegando a Sífilis, onde acontece o estupor e a agravação da doença, com o surgimento de sintomas mais fatais. Neste processo, se a pessoa entrar em contato com seu “similia similibus curentur”, o outro de si mesmo, que está na sombra e pode curar, no sentido de possibilitar a integridade, resignificando a vida ao encontrar autonomia, sentido e significado e, neste caso, conseguindo transformar toda pedra, obstáculo, crise, adversidade em oportunidades criativas e evolutivas, na dinâmica do eutresse ou estresse não patológico.
*Waldemar Magaldi Filho, analista junguiano, psicólogo, mestre e doutor em ciências da religião, autor do Livro: ” Dinheiro, Saúde e Sagrado” – editora Eleva Cultural, sócio fundador do IJEP – instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa, onde atua como coordenador dos cursos de pós-graduação em Psicologia Junguiana, Arteterapia e Expressões Criativas e Psicossomática – www.ijep.com.br