Ao longo deste artigo, ampliaremos as nuances da solidão e da solitude, as diferenças entre essas experiências e como elas podem nos guiar na jornada do autoconhecimento e da individuação.
A imagem do artigo foi feita a partir da técnica de colagem. A primeira figura que “me escolheu”, foi da pessoa adentrando o mar, como se emergisse do inconsciente coletivo. Imagem arquetípica da Grande Mãe, repesentada por Iemanjá, que é útero que envolve: água. Mar que encanta em mistérios e em curiosidade de descobertas, que também traz medo do desconhecido, encontros sombrios em cada mergulho, que a cada emersão transborda em ressignificação. Depois de um mergulho na solidão e solitude, ao tirar cabeça fora da água e retomar profundamente a respiração, será que sou o mesmo eu antes do salto?
Como disse Marianne Moore em um de seus poemas:
“A melhor cura para a solidão é a solitude”.
Esta frase nos convida a refletir sobre a complexidade da experiência humana de estar sozinho. Para muitos, a solidão é percebida como um estado de sofrimento e extremo vazio. No entanto, se nos permitirmos momentos de desconexão e estarmos só conosco, podemos descobrir que a solidão pode ser uma oportunidade de crescimento e autodescoberta.
A solidão é uma condição humana básica que frequentemente está ligada a sentimentos de angústia, perda e isolamento. É um estado geralmente associado a experiências traumáticas como: separações, mudanças abruptas, luto etc.
No entanto, ao olharmos para a solidão sob uma nova perspectiva, percebemos que ela pode ser um caminho para a plenitude.
A solidão nos oferece a chance de nos encontrarmos com nós mesmos de maneira mais profunda, permitindo que sejamos confrontados com nossas emoções, inseguranças e medos representando nossa sombra.
“A sombra constitui um problema de ordem moral que desafia a personalidade do eu como um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência da realidade sem dispender energias morais. Mas nessa tomada de consciência da sombra trata-se de reconhecer os aspectos obscuros da personalidade, tais como existem na realidade.” (JUNG, 2022, p.14)
Este ato é base indispensável para qualquer tipo de autoconhecimento e, por isso, em geral ele se defronta com considerável resistência.
A solidão não deve ser vista apenas como um estado negativo; ao contrário, ela pode ser um catalisador para o autoconhecimento. Sustentar a angústia da solidão pode nos aproximar de conteúdos do inconsciente que podem emergir à consciência. A solidão pode ser um chamado para o caminho da individuação.
Ao enfrentarmos a solidão, conseguimos acessar as partes mais profundas de nosso ser, permitindo que esses conteúdos se manifestem. Através desse processo, a solidão torna-se um ferramental de transformação psíquica.
“Não podemos começar a curar ou desenvolver a nossa alma sem uma vívida apreciação do relacionamento com o Si-mesmo. Alcançar isso requer solitude, o estado psíquico no qual nos encontramos totalmente presentes a nós mesmo.” (Hollis, 2023, p.139)
Enquanto a solidão pode ser uma experiência involuntária, a solitude é a escolha consciente de estar sozinho. Este estado nos convida a entrar em um espaço de reflexão, no qual podemos confrontar nossas emoções em relação à vida.
Ao olharmos para a solitude como uma aliada no processo de individuação, percebemos que ela pode ser um grande passo em um caminho de autodescoberta. Para isso, precisamos ter coragem de encarar nossa sombra, partes de nós mesmos frequentemente rejeitadas. Neste contexto, a solidão é um convite para entrar em contato com essas partes ocultas confrontando nosso verdadeiro eu. Ao cair da noite mergulhamos na sombra e somos visitados por fantasmas, querendo emergir em nossa consciência.
Em “Memórias, Sonhos, Reflexões”, Jung destaca que: “a introspecção e o silêncio são essenciais para ouvir a voz do nosso inconsciente” (Jung, 1963, p. 113).
A solitude proporciona um momento de integração e compreensão, onde é possível explorar nossa realidade interna.
Durante a solitude, podemos entrar em contato com contéudos que nos nutrem e nos reconectam com nossos interesses e paixões. Esses momentos de estarmos sozinhos podem se tornar uma experiência profundamente transformadora ao nos permitirmos olhar para dentro e buscar significado na nossa existência. Podemos explorar nossa vida emocional, meditar e até mesmo criar, utilizando esse tempo para nos envolvermos em atividades que nos tragam alegria e realização. A alma é o único caminho que nos coloca para caminhar de encontro a totalidade.
É necessário introverter e silenciar a extroversão do mundo. Se tivermos medo do silêncio, de ficarmos sozinhos, não conseguiremos estrar presentes a nós mesmos.
“Quando o silêncio fala, conquistamos a nossa própria companhia, saímos da solidão e avançamos em direção a solitude, um pré-requisito necessário a individuação” (Hollis, 2023, p.142).
Nietzsche escreveu há cem anos: “Quando estamos sozinhos e quietos temos medo de que algo vá ser sussurrado ao nosso ouvido, e, portanto, odiamos o silêncio e nos entorpecemos com a vida social”.
Esse receio em relação à solidão é uma barreira que impede muitos de experienciar a verdadeira profundidade da solitude. O medo do que pode surgir durante esses momentos de reflexão pode desestimular o indivíduo a buscar esse estado.
Para evitar o confronto com suas próprias verdades e os aspectos reprimidos de si mesmo, muitos se afundam em distrações e compromissos excessivos. Os trabalhos intensos, relacionamentos superficiais ou vícios como o consumo de álcool e comida em excesso, servem para entorpecer a dor da solidão. No entanto, essa abordagem apenas anestesia momentaneamente o desprazer as dores da alma, sem proporcionar a verdadeira tranformação que a solitude pode oferecer.
Não conseguiremos ouvir nossa voz interior, se não nos arriscarmos a enfrentar a solitude.
Algumas pessoas se propõem a fazer um ritual que obriguem a silenciar os pensamentos, para ouvir o silêncio e permitir que este fale. O medo nos mantém afastados desse encontro essencial. Quando não nos sentimos solitários por estarmos sozinhos, alcançamos a solitude. Abraçamos nossa alma.
É nas horas de solidão que as questões que mais nos afligem podem ser abordadas. Permitir-se sentir a solidão é um ato corajoso que pode levar à “cura” e transformação. Essa jornada pode ser desafiadora, mas é necessária para que possamos nos tornar indivíduos mais completos. Através da exploração da nossa sombra, podemos encontrar não apenas a dor, mas também a liberdade e o entendimento de quem realmente somos.
Em suma, solidão e solitude nos oferecem lentes diferentes através das quais podemos examinar nossa experiência humana. Enquanto a solidão pode ser dolorosa e repleta de angústia, a solitude nos proporciona uma chance de crescimento e autoconhecimento. Ao aceitarmos a solidão como parte da nossa jornada, podemos nos arriscar a navegar em alto mar, enfrentando tempestades internas e emergindo mais inteiros e completos.
O verdadeiro crescimento surge das profundezas da solidão que podemos, com coragem, transformar em solitude. Portanto, ao invés de temer a solidão, devemos abraçar a solitude, reconhecendo-a como um caminho para a plenitude e a individuação, pois somente assim poderemos encontrar a verdadeira capacidade de sermos quem realmente somos.
Mônica Contreras – Membro Analista em Formação pelo IJEP
Ana Paula Maluf– Membro Didata do IJEP
Referências:
HOLLIS, James. A passagem do meio.1 ed. São Paulo: Paulus, 2023
JUNG, Carl Gustav. Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
_____ Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Vozes.