Resumo: O presente artigo, escrito em duas mãos, traz reflexões sobre a violência relacionada às mulheres no contexto brasileiro. O Brasil é considerado um dos países mais inseguros para as mulheres, ou seja, a violência doméstica, abusos físicos, psíquicos e sexuais, se traduz em medos, inseguranças e traumas. Normalmente, os abusadores são pessoas conhecidas e as violências ocorrem dentro de casa, no ambiente familiar. Relações disfuncionais se refletem no corpo e na alma de todas as mulheres, numa rede inconsciente coletivamente compartilhada, e os complexos e compensações nas relações abusivas impactam a todos. Mudanças legais e sociais estão em curso, com altos e baixos nos palcos sociopolíticos, portanto, o presente artigo é mais que pertinente, é necessário para ampliarmos as discussões atualmente vigentes.
A violência é noticiada todos os dias nas mídias sociais e nos canais de telecomunicação.
E parte nos comove e em outra medida nos mostra nossa insensibilidade ou normalização em relação à violência. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNS, 2019), no Brasil, um contingente de 29,1 milhões de pessoas sofreu violência física, psicológica ou sexual em 2019; a violência atingiu 19,4% das mulheres e 17,0% dos homens. Companheiros, ex-companheiros ou parentes são os principais agressores das mulheres que sofreram violência física (52,4%), psicológica (32,0%) e violência sexual (53,3%). O domicílio é o principal local da agressão das mulheres. A violência sexual gerou consequências psicológicas (60,2%), físicas (19,4%) e sexuais (5,0%) para as vítimas. A pesquisa mostra que a violência atinge mais as mulheres, os jovens, as pessoas pretas ou pardas e a população de menor rendimento.
O espírito da época contemporânea é atravessado por recursos tecnológicos e midiáticos que evoluíram sobremaneira nos últimos 50 anos. Isso não significa que os utilizamos de maneira adequada. No Brasil (IBGE, 2021), a sensação de vitimização média a alta para situações que envolvam fotos, vídeos ou conversas divulgadas na internet contra sua vontade foi maior para o grupo etário de 25 a 39 anos. Ou seja, a violência não se restringe a presença do agressor(a) no ambiente físico, virtualmente existem riscos que precisam ser mais bem estudados para aprendermos a nos proteger, criar regulamentações e políticas públicas necessárias. Tudo é novo e ao mesmo tempo velho, pois a violência não é algo novo, mas uma construção histórica e cultural.
Historicamente, a violência contra as mulheres foi respaldada pelos contextos religiosos e patriarcais, conforme ensina BORGES (2020):
A Idade Média foi considerada por muitos historiadores como a Idade das Trevas, uma época de muita perseguição religiosa, várias doenças e ataques entre povos, porém foi nessa época que as mulheres conquistaram acesso a grande parte das profissões e também ao direito de propriedade, porém subjugadas como podemos destacar no trecho do livro MALLEUS MALEFICARUM:
[..] convém observar que houve uma falha na formação da primeira mulher, por ter sido ela criada a partir de uma costela recurva, ou seja, uma costela do peito, cuja curvatura é, por assim dizer, contrária à retidão do homem. E como, em virtude dessa falha, a mulher é animal imperfeito, sempre decepciona e mente (KREMER, SPRENGER 1991, pag. 116).
As mulheres deste período eram muito desvalorizadas, pois a sociedade era toda centralizada na figura do homem, porém com as guerras, doenças e perseguições a expectativa de vida desse período tornou-se muito baixa. Decorrente desses fatos as mulheres tornavam-se viúvas de forma precoce, assim tinham que assumir como chefe de família. Entretanto, a participação das mulheres durante a Idade Média foi ainda mais concisa por meio de mulheres de destaque que estudaram em universidades e que participaram da vida política da época, exemplos como de Hilda de Whitby que fundou vários mosteiros e conventos pela Europa, da Duquesa da Aquitânia que lecionou e governou o feudo junto ao seu marido, e um dos maiores exemplos da história Joana D’arc.
Joana D’arc é uma das mais ilustres figura da história francesa, nasceu no período da Idade Média, em uma época bastante conturbada e sem muito espaço para manifestação do pensamento feminino. Essa valente figura rompeu com os paradigmas impostos pela sociedade, vestia roupas masculinas e possuía uma forte personalidade.
Diante dos dados expostos, fica evidente que a violência contra as mulheres é muito mais que apenas um problema cultural e localizado, mas uma inferência de que o corpo feminino é menos valioso que o masculino.
É patente que a mulher vem sendo diminuída enquanto ser humano, por ser taxada de “suja”, “frágil”, “emocional”. Esses dados remontam, como visto acima, uma trajetória de milhares de anos.
A persistência da violência contra as mulheres no Brasil segue sendo uma das expressões mais alarmantes das desigualdades de gênero no país. Em mais um ano, os dados do sistema de saúde revelam números elevados de homicídios femininos e de agressões a mulheres, evidenciando a continuidade desse fenômeno estrutural. A despeito das políticas públicas implementadas nas últimas décadas e dos avanços normativos – como a atualização da Lei do Feminicídio (Lei nº 14.994), em 2024 –, a letalidade feminina, especialmente daquelas em situação de maior vulnerabilidade, segue como um problema público grave, e que, só em 2023, matou quase 4 mil mulheres (IPEA, 2025). Isso representa 4 mulheres mortas diariamente em consequência do feminicídio.
A história de conquista feminina no país com as normativas de Lei do Feminicídio e Lei Maria da Penha são muito atuais, sendo promulgadas em 2006 e 2015, respectivamente.
Isso significa que, anteriormente a 2006, essas violências não eram tratadas como uma violência direcionada à mulher pelo simples fato de ser mulher. Infelizmente, o Brasil ainda é um país com muitas subnotificações, tornando os dados aproximados com relação aos abusos sofridos e às marcas deixadas ao longo dos anos. Cabe ainda, relembrar que durante o período escravista no Brasil, a Lei do Ventre Livre, que estabelecia que os filhos nascidos de mães escravas seriam livres foi promulgada em 28 de setembro de 1871, apenas 17 anos antes do fim da escravidão.
O Atlas da Violência 2025 fornece um retrato alarmante e preciso da violência de gênero no Brasil: mulheres continuam sob grave ameaça, especialmente dentro de casa, com impacto diferenciado sobre mulheres negras e jovens.
A combinação entre violência letal, formas não letais e subnotificação aponta para a urgência de ações políticas, legais e sociais mais eficazes, ampliando o alcance da proteção e atuando na prevenção desde o ambiente familiar até o contexto estrutural (IPEA, 2025).
Entre os mamíferos, os chimpanzés e humanos regularmente matam adultos de sua própria espécie. Também compartilham outros males, como assassinatos políticos, espancamentos e estupros. O estupro é um ato comum aos orangotangos machos e gorilas machos matam bebês com muita frequência, embora essa atitude não seja exclusiva dos primatas (Wrangham e Peterson, 1996).
Pergunta-se se há algo com os primatas que os predispõe a violência? E aos seres humanos?
Wrangham e Peterson (1996, p. 181) no livro “O macho demoníaco” mostram que os ataques violentos dos chimpanzés machos contra as fêmeas é um aspecto sistemático e comum. Os autores comparam o comportamento dos humanos e dos chimpanzés da seguinte forma: 1) ambos são casos de violência de machos contra fêmeas, ou homens contra mulheres no caso humano; 2) ambos são exemplos de violência no relacionamento – os machos conhecem as fêmeas a muito tempo, membros da sua comunidade e não havia um contexto como falta de comida ou alianças a outros grupos para justificar o comportamento; 3) fatores superficiais desencadeiam a reação, mas a questão subjacente é o controle ou a dominação da fêmea pelo macho.
Os autores, pautados nas pesquisas com primatas, buscaram a associação entre a violência do macho/homem como fator biológico, instintivo e social. Entretanto, os próprios autores admitem que a complexidade do tema é maior que uma herança geracional, genética ou modulação de comportamentos ao longo da história. Se temos a maldição de um temperamento masculino demoníaco e uma capacidade maquiavélica para expressá-lo, somos também abençoados com uma inteligência que é capaz, através da sabedoria, afastar-nos do passado de grande primata. Se a inteligência é capaz de enxergar, a sabedoria é capaz de ouvir e ver ao longe, ou seja, a sabedoria é a perspectiva futura (WRANGHAM e PETERSON, 1996, p. 315).
O machismo estrutural, resultado do patriarcado, e a subordinação da mulher às necessidades dos homens ao longo de milênios, é uma base importante para atitudes violentas e possessivas em relação aos corpos femininos.
Essa construção de força masculina está mais vinculada à força física. Através da força, homens e animais machos imprimem abusos físicos, psicológicos e sexuais ao sexo oposto. Pensando na imagem arquetípica do masculino, esse seria o lado demoníaco do arquétipo.
Jung (OC 7/2, § 245-254) menciona em sua obra a persona, como um fragmento da psique coletiva, comportamentos ou papéis esperados em determinado tempo e época, incluindo os papéis de homens e mulheres.
Esses papéis são construções sociais, influenciados pela história humana e sua evolução ao longo dos séculos. À medida que aumenta a influência do inconsciente coletivo, a consciência perde seu poder de liderança, e passa a se mover como uma peça de xadrez, à mercê do inconsciente. Esse colapso da consciência e domínio do inconsciente é desastroso ao indivíduo, ele perde o chão, desenraiza. Essa inundação pode ser refletida em paranoia e esquizofrenia, em excentricidade e atitude infantil, apartando-o da sociedade, ou entrando em um processo de restauração regressiva da persona.
Jung, em seu livro “Aspectos do drama contemporâneo”, descreve as guerras europeias do século XX como uma onda de primitividade e violência, que seriam a manifestação de “poderes obscuros” que se intensificaram durante a Primeira Guerra e atingiram o auge na Segunda, em movimentos como o Nazismo e o Fascismo. Ele afirma que o “caos e a desordem do mundo” se refletem de forma semelhante na mente de cada pessoa, e que essa ausência de direção é equilibrada no inconsciente pelos “arquétipos da ordem”. A integração dos conteúdos inconscientes é apresentada como uma ação individual de concretização, compreensão e julgamento ético, que exige uma grande responsabilidade moral (§ 449-451).
Diante do exposto, muitas perguntas ficam em suspenso:
Quais complexos estão envolvidos nessa construção coletiva, que incide em diferentes tipos de violências? A violência e a necessidade de dominação podem ser atreladas a uma necessidade compensatória, busca-se dominar o outro na tentativa de se sentir superior?
Ousamos dizer que um estudo sobre o assunto seria muito rico e beneficiaria sobremaneira a humanidade. Entender essa necessidade de poder, especialmente em relação às mulheres.
Uma pesquisa sobre o perfil dos agressores presos em flagrante mostra que são homens adultos jovens em maior percentual, com baixa escolaridade, possuíam uma ocupação e havia relato de passagens pela polícia anteriormente em aproximadamente 30% dos casos, incluindo a própria violência doméstica. É interessante que o tipo de violência se caracteriza de forma distinta em relação ao consumo de substâncias: os agressores que consumiram somente álcool praticam mais violência física (39,7%); os que ingeriram álcool e drogas associados perpetraram mais violência psicológica (30%); e os usuários de drogas isoladas cometeram mais a psicológica (75%) – (MADUREIRA, et. al., 2014).
Estudo feito no Maranhão observou que os atos violentos foram praticados majoritariamente por indivíduos que não têm mais relações afetivas com as vítimas e entre as motivações para a violência destacam-se o inconformismo com o fim da relação, ciúmes, dentre outros (BEZERRA e RODRIGUES, 2021). Em grande parte dos casos, as violências contra a mulher são cometidas no ambiente doméstico, na frente dos filhos, gerando impactos na saúde emocional e psíquica de toda a família (LEITE, et. al., 2015).
Existe um ditado popular que diz “violência gera mais violência”.
Em ciclos repetitivos de vitimização e agressão, com trocas de papéis ao longo da vida e a reprodução de padrões de conduta, de forma sistêmica. Enquanto não ocorre uma quebra, um repensar, não há mudanças significativas. A relação entre vítima e agressores gera polaridades, e movimentos internos compensatórios se manifestam.
Um conto brilhante que trabalha essa questão chama-se Barba Azul.
O Barba Azul seduz mulheres, casa com elas e depois as mata, jogando seus restos mortais no porão.Sua tática de sedução, afinal ele não é tão atraente assim, é o poder e dinheiro. Ele conquista a moça e sua família mostrando suas propriedades, seu conforto e o padrão de vida que a moça terá sob sua tutela.
Até que um dia ele avisa que tem uma única sala que não pode ser aberta, senão a mataria. E não por acaso, ele entrega todas as chaves da casa para ela enquanto viaja (intencional? Perverso?). Quando volta e descobre que o porão foi aberto num arroubo de curiosidade da mulher, avisa que ela irá morrer. Ela, espertamente, usa de suas habilidades para enrolar o Barba Azul enquanto chama seus irmãos para ajudá-la.
No fim, Barba Azul é morto e despedaçado, e seus pedaços espalhados pelos cantos do mundo. Note que ele nunca é eliminado de vez, ele fica espalhado, com menos energia psíquica, mas está lá, em algum lugar internamente.
Estudos observam que o manejo do trauma ocorre de maneira mais eficiente para pessoas que usaram de suas habilidades para escapar, se salvar ou resolver a situação. Quando entram em estado mais passivo ou letárgico, o trauma se instala com uma profundidade maior (LEVINE, 2022). Essa é a ideia do conto do Barba Azul. A única esposa que sobreviveu foi a que teve uma atitude, que lutou para sobreviver com inteligência.
Cabe observar ainda, que nesse conto, demonstra-se uma dinâmica psíquica de agressor-vítima, em que a vítima em determinado momento passa a se identificar com o agressor, de forma a permanecer no relacionamento ainda que seja abusivo.
Sobre esse assunto, Kast (2022):
Tal “identificação com o agressor” é também um conhecido mecanismo de defesa ou de enfrentamento: quando temos medo de alguém, podemos assumir seu ponto de vista, traindo a nós mesmos no processo e assim estabilizando temporariamente nossa autoestima, pois fingimos estar de acordo com o mais forte – nós nos identificamos com o agressor.
Compele-se dizer que as razões que mantém as vítimas em relacionamentos são muitas. A principal delas é a falta de independência financeira. Contudo, o agressor se nutre do medo da vítima, numa tentativa de manter o controle em uma relação desigual.
Outro ponto significativo para pensarmos essa questão seria a relação de codependência que se estabelece entre agressores e vítimas.
Muitas pessoas incorporam uma entidade salvadora, capaz de redimir o outro(a) de seus desvios de conduta, como se o seu amor fosse suficiente para a mudança do outro(a). Na verdade, estamos em nossa jornada de autoconhecimento e precisamos nos ver com nossos aspectos sombrios, que nos atravessam para nos ensinar.
O que temos em jogo são carências afetivas e complexos constelados que nos aprisionam a situações que não são saudáveis.
Em relação aos homens, o que não pertence à consciência masculina (o não “eu”) é sentido como se não pertencesse ao eu, por isso, a imagem da anima (contraparte feminina) é projetada nas mulheres. Os índices de divórcios cada vez maiores apontam que essa projeção no sexo oposto, ocasiona relacionamentos complicados (JUNG, 9/1, § 61).
A anima é o arquétipo do significado ou sentido, o arquétipo da vida (JUNG, 9/1, § 66). Um homem que se priva de entrar em contato com seu aspecto psíquico feminino está desalmado e sem vida.
A ideia de poder está muito vinculada à imagem de homem em uma sociedade patriarcal, que estabeleceu há milhares de anos uma relação de subordinação do corpo feminino e sua capacidade reprodutiva.
Construiu-se uma divisão sexual, social e do trabalho entre homens e mulheres, delegando às mulheres os trabalhos tido como inferiores e menos valorizados, simbolizando seu papel na hierarquia social (BOURDIEU, 2024). Esse complexo cultural que atravessa gerações permeia o inconsciente coletivo traçando relações injustas entre os dois sexos ainda nos dias de hoje. Em nossa sociedade o que faz um homem ser considerado forte? Ter dinheiro, poder e mulheres, ou seja, ele precisa “possuir”.
Por outro lado, os homens expõem sua vulnerabilidade e sentimentos com muito mais facilidade para as mulheres do que entre os amigos. É compreensível que a população mais vulnerável estude sobre os seus “opressores”, para entender melhor o fenômeno e traçar formas de resistência. Isso significa que as mulheres estavam muito mais atentas aos homens do que o inverso, por uma questão de necessidade.
A ideia de submissão das mulheres é construída ao longo de todo um trabalho de socialização. Um trabalho que tende a diminuí-las, negá-las, fazem parte das virtudes negativas da abnegação, resignação e do silêncio feminino.
Ao mesmo tempo, aprisionam os homens em uma persona de domínio e os obrigando a afirmar sua virilidade. A virilidade entendida como a capacidade reprodutiva, sexual e social, aptidão ao combate e ao exercício da violência são uma carga ou cilada. Às mulheres fica relegada a fragilidade, a astúcia diabólica e a magia. Como a honra e a vergonha estão ligadas a virilidade masculina, práticas sexuais violentas como visita coletiva a bordeis, estupros coletivos realizados por adolescentes são formas de provar sua condição de homem (BOURDIEU, 2024, p. 86-91).
Bourdieu explana que o que chamamos de coragem tem suas raízes na covardia ou medo de ser excluído do mundo dos homens tidos como fortes, e para comprová-lo, atos como matar, torturar e violentar, a vontade de dominação, de exploração ou de opressão estão relacionados. A virilidade é uma noção relacional, construída diante dos outros homens, para os homens e contra a feminilidade, em uma espécie de medo do feminino, construída dentro de si mesmo.
A violência contra mulheres e feminicídio provocados pelos homens nos dias atuais podem ser um reflexo dessa persona coletiva de um masculino tóxico e ferido em sua construção social de virilidade.
É comum esse tipo de ato ocorrer após o término de um relacionamento ou durante a tentativa de finalizar um ciclo de violência já estabelecido na família.
Atualmente, observamos uma crise do masculino, não coincidentemente após a legalização e aumento dos divórcios e o aumento de mulheres no mercado de trabalho, garantindo recursos financeiros e independência. Em consequência, ocorre um fenômeno sem precedentes: o aumento de mulheres chefiando os lares brasileiros.
Gráfico 01: Número de domicílios pelo sexo do responsável, Brasil.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.
Essa estrutura patriarcal aprisiona mulheres e homens, criando expectativas (personas) a serem alcançadas, gerando empecilhos para um crescimento e amadurecimento mútuo, em relações mais equitativas e menos opressoras para ambos.
Não se questiona os papéis se não houver um atravessamento ou incômodo por alguma das partes. Entretanto, mudanças não ocorrem de forma unilateral. Precisam envolver diversos atores, homens e mulheres em trabalho conjunto. O mundo está mudando porque as pessoas mudam e se transformam. As imagens de homens e mulheres estão sendo revistas, gerando conflitos entre os que querem conservar o que se entende por imagem de família, apegados a estruturas que não funcionam mais.
Arriscaríamos dizer que a base dos conflitos políticos atuais estão calcados nessa polaridade: o desejo de mudança e conservação coexistindo e em confronto ao mesmo tempo. Felizmente, os movimentos e mudanças sociais estão em constante fluxo. Não conseguimos impedir o curso da vida e da alma.
Como mulheres e como analistas junguianas, não podemos ignorar as questões sociais de nosso tempo. A violência não é um fenômeno isolado — ela é coletiva, sistêmica, e nos atravessa em múltiplos níveis. Quando uma mulher sofre abusos físicos, psicológicos ou patrimoniais, todo o sistema ao seu redor é afetado. Somos parte de uma grande psique coletiva, que se manifesta em nossas individualidades. Cada ferida aberta em uma mulher reverbera em todas nós.
Michella Cechinel Reis – Analista em formação pelo IJEP
Paula de Azevedo Bernardi Peñas – Analista em formação pelo IJEP
Dra. E. Simone Magaldi – Analista Didata do IJEP
Referências:
BEZERRA, A.R.; RORIGUES, Z.M.R. Violência contra as mulheres: o perfil da vítima e do agressor em São Luís-MA. Revista do Departamento de Geografia, v. 41, e176806, 2021. Disponível em: [https://revistas.usp.br/rdg/article/view/176806]. Acesso em: [12/08/2025].
BORGES, José Carlos. A mulher e suas concepções históricas. 2020. RC:52704. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/historia/concepcoes-historicas. Acesso em: 10.nov.2025
BOURDIEU, P. A dominação masculina: a condição feminina e a violência simbólica. 23 ed. Rio de Janeiro: Difel, 2024.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019). Pesquisa Nacional de Saúde: acidentes, violências, doenças transmissíveis, atividade sexual, características do trabalho e apoio social. Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento, [Ministério da Saúde].
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: vitimização – sensação de segurança. Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento.
CERQUEIRA, Daniel; BUENO, Samira (coord.). Atlas da Violência 2025. Brasília: Ipea; FBSP, 2025. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/290/atlas-da-violencia-2025. Acesso em: 10 ago. 2025.
JUNG, C.G. O eu e o inconsciente: dois escritos sobre psicologia analítica. 27 ed. Rio de Janeiro, Vozes, 2015.
JUNG, C.G. Aspectos do drama contemporâneo: civilização em mudança. 5 ed. Rio de Janeiro, Vozes, 2012.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 11 ed. Petropolis, RJ: Vozes, 2014, reimpressão 2019.
KAST, Verena. Abandonar o papel de vítima: Viva sua própria vida. Ed. Vozes, 2022.
LEITE, F. M. C. et al. Violência contra a mulher: caracterizando a vítima, a agressão e o autor. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online, v. 7, n. 1, p. 2181-2191, 2015. Disponível em: [https://www.redalyc.org/pdf/5057/505750945029.pdf]. Acesso em: [12/08/2025].
LEVINE, P.A. O despertar do tigre: curando o trauma. 5 ed. São Paulo, Summus, 2022.
MADUREIRA, A.B.; et. al. Perfil de homens autores de violência contra mulheres detidos em flagrante: contribuições para o enfrentamento. Esc Anna Nery 2014;18(4):600-606. DOI: 10.5935/1414-8145.20140085.
WRANGHAM, R.; PETERSON, D. O macho demoníaco: as origens da agressividade humana. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 1996.

