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Tudo que os animais são para nós… e mais um pouco!

Os animais domésticos têm uma importância inegável nas nossas vidas, isso é incontestável e cada vez mais significativa na contemporaneidade, podemos inclusive observar seu aumento, conforme podemos ver em notícia publicada pela CNN Brasil em 11 de maio de 2020 ¨Mercado ‘bom pra cachorro’: setor pet resiste à pandemia da Covid-19¨.

Muitas são as demandas atuais que aumentam ou mantem essa relação entre nós e nossos companheiros animais, seja a própria dificuldade de interação social, o tempo escasso, a oportunidade de exercer a maternagem, a solidão em tempos líquidos, enfim…. quantos são os papéis que eles exercem em nossas vidas? Infinitas possibilidades, gostaria de convidar a você a refletir junto comigo em um recorte, que é o quanto esses animais nos ajudam no nosso próprio processo de auto descoberta através da projeção de nós mesmos e de nossos aspectos sombrios.

Jung cunhou o conceito de sombra, em que ele se utiliza da metáfora da luz projetada sobre o indivíduo que produz uma sombra, levada muito a sério, pois todos nós temos inúmeros aspectos, potencialidades e fatos sobre nós mesmos que desconhecemos ou que em algum momento alguém em nós julgou que não deveria fazer parte daquilo que deixamos na consciência, esse conteúdo muitas vezes é desagradável e imoral e portanto indigno de acessarmos e reconhecermos em nós mesmos, eles contradizem tudo aquilo em que acreditamos e gostaríamos de ser. 

Deixemos que o próprio Jung nos esclareça do que se trata a sombra:

¨Os conteúdos do inconsciente pessoal são aquisições da existência individual, ao passo que os conteúdos do inconsciente coletivo são arquétipos (…) empiricamente, os arquétipos que se caracterizam mais nitidamente são aqueles que mais frequentemente influenciam ou perturbam o eu. São eles a sombra, a anima e o animus. A figura mais facilmente acessível a experiência é a sombra. ¨ (JUNG OC 9/2 §13)

Ainda nos esclarecendo sobre nossos conteúdos sombrios eles nos afirma:

¨ (…) nesta tomada de consciência da sombra trata-se de reconhecer os aspectos obscuros da personalidade, tais como existem na realidade. (…) uma pesquisa mais acurada dos traços obscuros do caráter, isto é, das inferioridades do indivíduo que constituem a sombra, mostra-nos que esses traços possuem uma natureza emocional, uma certa autonomia…(…) (JUNG, OC 9/2§14-15) 

Mas acontece que por deixarmos de reconhecer certos aspectos em nós eles não ¨somem¨, só se escondem, e resolvem aparecer nos momentos mais inoportunos e perversos possíveis…. 

E como os animais entram nessa história? Eles surgem como agentes do nosso destino, a serviço do Self, nos mostrando através da projeção de nós mesmos, dando voz aos complexos e a nossa sombra. 

Imagine todas as vezes que você nunca teve coragem de falar tudo aquilo que pensa e sente sobre uma determinada pessoa e um belo dia seu cãozinho late e ameaça esta mesma pessoa, neste dia você o segurará porque é o certo e o civilizado a se fazer, mas certamente existirá uma verdadeira satisfação em ver aquela cena, este é um dos inúmeros exemplos possíveis.

 

Para entendermos melhor como se dá a projeção:

¨(…)como se sabe, não é o sujeito que projeta, mas o inconsciente. Por isso não se cria a projeção: ela já existe de antemão. (…)¨ (JUNG, OC 9/2§17) 

 

E aquela outra situação em que você estava chateado, magoado e seu gatinho deita em seu colo e te ¨obriga¨ a ficar paradinho ali, e ao fazê-lo você se vê pensando sobre o assunto que lhe aflige e toma alguma atitude, mesmo que seja relembrar e refletir sobre o fato ocorrido em si, ou talvez simplesmente chorar, então você provavelmente pensará: ¨Nossa, ele sentiu que eu estava triste e me consolou! ¨

 Pode até ser que sim, mas podemos pensar na projeção que Jung nos explica, onde somos capazes de identificar no outro somente aspectos de nós mesmos, e quanto mais tal fato ou tal sentimento despertado tiver força, mais energia psíquica está estacionada nele, ou seja, maior é a importância deste assunto para mim e talvez seja justamente o que eu deveria olhar, ampliar e interagir, esse é o chamado da Alma!   

Vale aqui relembrar que para Jung a energia psíquica é a possibilidade inerente aos próprios processos de atualizar a força neles mesmos, podemos entender então que quanto mais determinado assunto possui energia, maior sua capacidade de afeto, e este afeto a que me refiro é de incômodo, de falta de controle e pensamento monotemático. (JUNG OC 8/1, § 26)

Assim como o processo de individuação nos impulsiona para frente com seus objetivos que sempre estão em uma tela a distância, sempre em busca de quem somos, me arrisco a dizer que não somos nós ou eles (os animais) quem nos escolhem, mais sim a nossa alma, que busca a proximidades com aqueles que podem, através de uma sintonia via inconsciente coletivo, mostrar uns aos outros ondem podem melhorar. Me lembro de muitas vezes ouvir ¨nossa, como o fulano e seu animal de estimação se parecem, tanto no aspecto como na personalidade¨, para mim aí se trata justamente do mesmo processo que acontece com os filhos, inclusive os adotivos que tem mudanças de ossatura para se parecerem com os pais. Sobre estas mudanças me recordo que no livro A natureza da psique, onde Jung nos afirma que não são as tempestades, os trovões e os relâmpagos, nem a chuva e as nuvens que se fixam como imagens na alma, mas as fantasias causadas pelos afetos, ali ele se referia ao índios norte-americanos pueblos, que ligados ao espírito do seu tempo, viviam e viam em si características similares, em outras palavras poderíamos dizer que projetavam suas sombras e acabavam transformando uns aos outros como se fossem um só, ou o espelho de si mesmos. (JUNG OC 8/2 § 113)

É claro que no caso dos animais entendo que inconscientemente o indivíduo busque, mesmo que lhe pareça aleatório, seja na aparência ou personalidade, aquele que mais se assemelha a si mesmo. E no caso que adota ou compra o filhote e ao crescer o mesmo modifica seu agir e muito se assemelha ao tutor? Espelhamento total desta personalidade, ou nós quem enxergamos o que queremos (ou precisamos) ver? Prova disso é que muitas vezes este mesmo animal é visto e entendido de formas diferentes para cada um dos tutores, as vezes de formas extremamente opostas, pode ser que o animal reaja ao afeto e ao tratamento recebido, que por isso já tenha suas preferências, mas muitas vezes sem nenhuma razão justificada, por exemplo, maus tratos, ele é o extremo opostos com pessoas da mesma casa. Vejo aqui um padrão forte de projeção, onde só identificamos e projetamos o que temos dentro de nós mesmos.

 Nesse aspecto me pago observando, como são meus animais, o que eles fazem e são que me incomodam, isso se assemelha a mim em que ponto? Qual a intensidade deste incômodo? (Aqui justamente para entender o quanto este aspecto me é sombrio)

Isso me ajuda a entender a minha própria sombra, qual a quantidade de energia empenhada nela, ou seja, o quanto eu resisto a esta parte minha (pois quanto maior a resistência, mais eu resisto, mais isso me afeta de alguma forma, quais aspectos que ainda me são difíceis, o que em mim ainda não aceito ou não reconheço.

Mas afinal qual o sentido destas observações, além de ampliar o conhecimento de mim mesma? Deixemos que Jung nos esclareça sobre este emergir de conteúdos de nossa sombra:

¨ (…) isso, por si só, já é um benefício- pois as qualidades inferiores e até as condenáveis também me pertencem, e me conferem substancialidade e corpo: é a minha sombra. Como posso ter substancialidade sem projetar sombra? O lado sombrio também pertence a minha totalidade, e ao tomar consciência da minha sombra consigo lembrar-me de novo de que sou um ser humano (…)¨ (JUNG OC 16, § 134)

Em outra colocação:

¨Resumindo, gostaria de ressaltar que a integração da sombra, isto é, a tomada de consciência (…) constitui a primeira etapa do processo analítico, etapa sem a qual é impossível qualquer conhecimento (…)¨ (JUNG OC 16, § 42)

Sempre gosto de pensar que nesta relação entre o tutor e seu animal o amor impera, e o amor no meu ponto de vista sempre serve a alma, ao crescimento, a busca de uma vida mais plena, resumindo, a completude!

Convido a todos vocês, a se questionarem: 

Como é a minha relação com o meu animal de estimação?

Com esta pergunta talvez você possa descobrir como se relaciona com o afeto em si, com o dar e receber este afeto, como o amor, ou também, como se relaciona com sua própria sombra, por vezes projetada neste animal.

Como ele é, se parece comigo ou eu o moldei para se parecer comigo mesmo?

Com esta pergunta, talvez respondesse como você é, ou como se mostra para o mundo, interessante aqui fazer uma distinção e observar, eu sou assim, ou o animal está me mostrando como eu gostaria de ser e não consigo, ou não me permito, não posso ser por vários motivos.

Que papel ele desempenha na minha vida, é o meu amigo?

Com esta pergunta há a possibilidade de entender se sou solitário, porque certamente se ele exerce esse papel me falte companhias, companhias profundas, ou talvez que me aceitem como eu realmente sou.

É o meu filhinho?

Se este for o caso, talvez exercer esta maternagem seja importante para você, qual a sua relação com a maternidade e a maternagem.

Como podemos observar, as possibilidades de ampliações para tais assuntos, outros questionamentos sobre tal e as possibilidades de respostas são infinitas, mas todas elas certamente nos conduzirão ao autoconhecimento.

E quem sabe este seja o ponto de partida para uma imensa jornada em si mesmo, e então o seu companheiro de vida lhe dará uma das maiores contribuições, que é te ajudar na descoberta de ser, ser quem você realmente você é!

Natalhe Costa

Membro analista em formação pelo IJEP-SP

Bibliografia 

JUNG, C.G. Energia psíquica. 10 ed. OC 8\1. Petrópolis,RJ: Vozes,2014.

JUNG, C.G. A natureza da psique. 10 ed. OC 8\2. Petrópolis,RJ: Vozes,2013.

JUNG, C.G. Aion. 10 ed. OC 9\2. Petrópolis,RJ: Vozes,2013.

JUNG, C.G. A prática da psicoterapia. 10 ed. OC 16. Petrópolis,RJ: Vozes,2013.

NATALHE COSTA 

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