Você é terapeuta ou analista iniciante e não sabe muito bem como abordar os sonhos nos atendimentos que você conduz? Este artigo foi escrito pensando em você, lhe orientando e apontando em passos gerais como dar espaço para que o sonho ocupe mais espaço em seus atendimentos. Diferentemente de indicar como analisar ou interpretar um sonho, este artigo sugere como abordar o sonho, antes mesmo de analisá-lo. Algo que já foi feito com maestria por diversos autores junguianos.
Desde muito jovem, mesmo antes de conhecer a psicologia analítica, os sonhos me fascinaram.
Já mais velho, ao longo do meu processo de análise pessoal, aprendi muito e continuo aprendendo com eles. Paralelamente, na prática de Analista Junguiano, me deparo semanalmente com uma série de sonhos dos meus analisandos. Além de também investigar secundariamente sonhos dos clientes que meus supervisionandos apresentam nos grupos de discussão de casos por mim conduzidos.
Apesar da longevidade que os sonhos participam da minha vida – o primeiro em que tenho registro escrito eu tinha 16 anos de idade (irritantemente Jung lembra de sonhos de quando ele tinha 4 anos), e na data de publicação deste artigo tenho 40 anos – eles ainda permanecem paradoxalmente fascinantes e reveladores, mas ao mesmo uma incógnita a ser constantemente descoberta.
De certa forma já me penitenciei por essa sensação de incógnita, mas hoje, com mais profundidade na psicologia analítica, percebo que esta “ignorância” diante dos sonhos é até benéfica, pois me permite investigá-los tais como eles se apresentam, evitando interpretações ansiosas e reducionistas.
Contudo, no decorrer dos meus estudos, preciso confessar que sempre busquei algum livro que me desse algum tipo de “caminho”, seguramente influenciado pelo pensamento, minha provável tipologia predominante.
Queria uma espécie de “manual” na arte de analisar sonhos, visando aplacar minha angústia, mas não encontrei, e menos ainda na obra de Jung!
A maneira como o mestre nos ensina a investigar sonhos está longe de obedecer a algum tipo de método rigoroso e sistematizado que nos permita aplicá-lo como se fosse uma “fórmula” da descoberta dos motivos simbólicos dos sonhos.
Inclusive, se assim o fosse, contradiria a própria proposta de Jung, que consiste em ampliar as imagens, buscando nelas significados tanto no âmbito pessoal (inconsciente pessoal). Isto é, no histórico de vida e rede de associações dos analisandos, como no âmbito coletivo (inconsciente coletivo), evocando mitos, contos de fada e símbolos religiosos para nos ajudar a compreender arquetipicamente as imagens.
Então não há método?
Na verdade, existem alguns passos gerais que devem ser aplicados, mas ainda assim, de forma alguma garantem uma interpretação definitiva do sonho. Fato é que no campo junguiano evitamos o termo “interpretação”, pois não é isso o esperado que façamos. Devemos ampliar ou analisar os sonhos, ou seja, buscar possíveis sentidos e significados para as imagens para além daquilo que o sonho expressa de maneira literal, de forma a ajudar os analisandos a produzirem insights, a sustentarem suas angústias, a criar novas reflexões e até mesmo a alcançar a função transcendente, que é aquela que integra conteúdos da consciência e do inconsciente (OC 8/2). Lembrando que a palavra análise se refere a decomposição de uma totalidade, portanto, no sonho fazemos esta espécie de decomposição para recompô-lo numa síntese.
Marie-Louise von Franz nos auxilia profundamente a investigar os sonhos ao introduzir o estudo dos contos de fada dentro da Psicologia Analítica.
Porém, não é um método ou modelo a ser seguido literalmente, ao menos da maneira como foi idealizado por mim (ou pelo pensamento dominante em mim). Por isso resolvi, por conta e risco, (e com o aval de meu analista didata) publicar neste breve ensaio algumas etapas que julgo importantes no processo de análise dos sonhos. Aprendidas na minha própria análise, nos meus processos de supervisão em grupo e individual, assim como nos meus estudos acadêmicos junguianos (livros, cursos e congressos). Talvez este texto interesse bem mais àqueles que estão mais no início da prática da terapia/análise junguiana do que àqueles que já possuem mais experiência clínica e na análise de sonhos.
Passo a passo
Também é claro para mim que as sugestões aqui expostas são apenas contribuições simplificadas para apoiar profissionais iniciantes, que ainda têm poucos recursos para investigar os sonhos de seus analisandos. Tais contribuições estão longe de terem caráter definitivo ou de obedecerem a uma rigidez metodológica. Entretanto, com esse artigo, sem a profundidade de um livro, penso que intenciono oferecer aos colegas algo que nunca encontrei: um passo a passo com relativa clareza do que se fazer diante dos sonhos de nossos analisandos.
Em Tipos Psicológicos (OC 6) Jung disse que sua classificação tipológica era uma forma mais ou menos “grosseira” de entender alguns padrões da consciência. Digamos que, em escala bem menor, estou fazendo o mesmo com a forma de se analisar os sonhos.
Para encerrar esta parte, informo que diferentemente de explicar para que servem os sonhos, quais são suas dinâmicas compensatórias no inconsciente e quais são as suas propriedades prospectivas ou pedagógicas, vou me concentrar mais nas ações que o Analista deve ter diante deles na clínica junguiana, uma vez que esses elementos mais conceituais sobre o sentido e o significado dos sonhos para a psique é facilmente encontrado na literatura junguiana.
Passo 1: peça sonhos aos seus analisandos.
Não existe um livro de Jung que seja dedicado explicar o método de análise dos sonhos, pois isso aparece de maneira difusa em seus escritos. Porém, de certa forma, ele aplica o método de maneira bastante consistente em Símbolos da Transformação (OC 5), quando avalia a série de fantasias/pensamentos registrados por Miss Miller. Em Psicologia e alquimia (OC 12) ele também analisa uma série de sonhos de um analisando. Entretanto, em ambos os livros, Jung já inicia na análise dos sonhos, e não nos diz de maneira clara, até porque não é o seu estilo de escrita, o que devemos fazer antes da análise propriamente dita.
Além disso, Jung era conhecido e respeitado pela sua grande capacidade de analisar sonhos, algo que nem todos temos! O comum entre ambos os livros é a série de imagens ou sonhos, isso implica em ter um registro desses conteúdos, portanto, é preciso que os analisandos os tragam para a conversa analítica a partir do seu estímulo como analista.
Ainda sobre os dois livros mencionados, há algo fundamental: olhar não só para um sonho isoladamente, mas olhar para uma série de sonhos, por isso você precisa pedir que seus analisandos tragam sonhos para a análise. Alguns ficarão entusiasmados, alguns desconfiados e outros curiosos, mas independentemente disso, peça sonhos a eles. Não precisa ser a todo momento, nem toda a semana, mas de quando em quando relembre-os de que os sonhos são bem-vindos na análise. E penso que do menos experiente ao mais experiente Analista, sempre haverá pessoas em meio a sua clientela que terão resistência a trazer sonhos, por isso nosso papel será sempre pedir que tragam sonhos, afinal, tal como proferiu e ensinou Jung ao se dirigir à médicos:
“O que fazer quando o paciente não sonha absolutamente nada? Posso lhes garantir que todos os pacientes, mesmo os que dizem nunca ter sonhado antes, começam a sonhar quando passam pela análise. Por outro lado, acontece também que pacientes que sonhavam bastante, de repente não são capazes de se lembrar de seus sonhos. Adotei a norma empírica e prática de que o paciente que não sonha tem bastante material consciente que ele está escondendo por alguma razão. Uma delas, a mais comum, é: ‘Estou nas mãos do analista e estou disposto a ser tratado. Mas é ele que deve fazer o trabalho; vou ficar passivo’”
(OC 4, §535).
Passo 2: aja como um ignorante diante do sonho, e não tenha vergonha disso.
Eu sei que muitos de nós desejaria ter um repertório impecável, com a capacidade de dar todas as respostas aos sonhos dos analisandos. Mais irritante ainda é quando lemos alguns livros do Jung e ele nos relata casos de pessoas que com apenas um sonho ele deduziu questões muito profundas. Contudo, o próprio Jung admite que alguns sonhos que escutou deixaram ele na angústia, por não ter a mínima ideia do que eles queriam dizer.
Logo, agir como um ignorante é fazer perguntas, perguntas e mais perguntas. Temporariamente, esqueça as deduções, apenas pergunte, como se fosse algo totalmente novo a você, mesmo que não o seja. Vou exemplificar: cliente sonhou que estava numa festa com muitas pessoas. Perguntas possíveis para se fazer ao analisando:
Quem eram essas pessoas? Você conhecia alguma delas? Ou conhecia todas? Você sabe o que era festejado? Você costuma ir a esse tipo de festa? Lembra alguma festa parecida que você já foi? Se não sabe qual festa era de fato, se parecia com que tipo de festa, ou seja, se assemelha com alguma categoria de festa mais típica, como casamento, aniversário, debutante, ano novo etc.? Era uma festa sua ou você era convidado? Como era o ambiente da festa? Que tipo de roupa você vestia? Que tipo de roupa as pessoas vestiam? Esse espaço da festa lembra algum lugar que você já tenha ido, mesmo que não em situação de festa? Por aí vai… Claro que não precisa fazer exatamente todas essas perguntas, mas penso que me fiz entender.
A investigação é do básico mesmo!
Você perceberá que a partir desse processo dialético estimulado por essas perguntas investigativas insights começarão a surgir, assim como novas perguntas. Mas também é bem possível que você chegue a lugar nenhum com isso, e está tudo bem, é assim mesmo, por isso é importante olhar para uma série de sonhos – falaremos mais abaixo.
Passo 3: exercite a ampliação
Ampliar o sonho é algo paradoxalmente simples e complexo! Consiste em buscar possibilidades imagéticas para as cenas oníricas. Isso se constrói em conjunto com o analisando e não cabe apenas ao analista essa tarefa. Ampliação é essencialmente o “como se” (HILLMAN, 2018). Para exemplificar voltemos ao sonho da festa. Suponhamos que a pessoa não saiba dizer do que se tratava a festa onírica. Então você pergunta: essa festa se parecia com o que? E o analisando responde: “era como se fosse uma festa de casamento”.
A partir daí diversas possibilidades podem emergir. Assumindo que era potencialmente uma festa de casamento, mesmo que não se saiba se realmente era, podemos partir deste ponto, com as perguntas: O que se pode ter numa festa de casamento? O que se celebra numa festa de casamento? O que o casamento representa social e/ou culturalmente? O que o analisando sabe sobre casamento? Ele já se casou? Quais narrativas cinematográficas, míticas e/ou contos de fada sobre casamento que se assemelham com o sonho apresentado, segundo o contexto apresentado? E assim vamos trazendo possibilidades de entendimento para as imagens.
Esse tipo de exercício vai possibilitando um entendimento mais ampliado das imagens do sonho, pois a partir do que o analisando comenta podemos trazer algumas imagens para observar as cenas oníricas por outros ângulos.
Isso tem uma relação direta com o repertório do analista – falarei sobre isso mais abaixo. No meu caso, geralmente me ocorrem imagens cinematográficas (gosto bastante de filmes) que podem ajudar a examinar o sonho sob uma perspectiva mais geral, e também imagens da mitologia grega. Alguns outros simbolismos participam também das minhas percepções mais gerais, tais como temáticas alquímicas, mitologia iorubá e temáticas cristãs. Mas tenho pouco repertório em contos de fada (em construção…), por exemplo, e por isso dificilmente trarei imagens ligadas a essa temática. Mas cabe lembrar que ampliar repertório, conhecendo contos, mitologias e religiões é parte do nosso processo de formação contínua, pois gradativamente vamos agregando conhecimentos ao nosso manancial de referenciais simbólicos enquanto analistas.
Passo 4: investigue série de sonhos
Mais acima reforcei a importância de pedir sonhos aos analisandos. Disse isso pois além do próprio Jung incentivar que o façamos, posso dizer por experiência que examinar uma série de sonhos é muito mais rico que olhar isoladamente para um sonho. Logo, pedindo sonhos aos analisandos, mesmo que um sonho ou outro não nos diga nada, é bem possível que aquele sonho incompreensível se faça ser compreendido por outro sonho posterior.
Nos últimos tempos adotei o hábito de anotar os sonhos de meus analisandos e percebi que ficou mais rica minha capacidade de análise, pois além de aumentar minha concentração na escuta do sonho, permitiu com que eu trouxesse com mais facilidade sonhos anteriores para participarem da conversa quando surge um novo sonho. É realmente surpreendente quando olhamos para uma série de sonhos. Faça esse exercício e perceberá como eles possuem conexão entre si, mesmo que numa visão mais geral, pareçam ser totalmente diferentes.
Passo 5: leve os sonhos de seus analisandos para sua supervisão
Parece óbvio, mas é preciso dizer! Tenho impressão de que às vezes os supervisionandos suprimem o relato de sonhos de seus analisandos por temerem revelar que não conseguiram trabalhá-los muito bem em análise. Contudo, a supervisão também é o espaço para exercitarmos o raciocínio investigativo. Dito de outra forma, mesmo que você não tenha extraído nada do sonho de seu analisando, trabalhe esses sonhos em supervisão, pois seguramente lhe ajudarão no processo. Arrisco dizer que é até preferencial que você leve uma série de sonhos à supervisão. Cinco sonhos já são o mínimo suficiente para a investigação de uma série. Na supervisão, especialmente se esta for em grupo, os sonhos de seus analisandos ganham uma “sobrevida” pois eles voltam a participar de maneira muito construtiva e criativa no processo analítico.
Digo isso porque já me deparei com situações de supervisão em que o supervisionando trouxe uma série de sonhos de seu analisando para discussão em grupo, e ficou surpreso de como os sonhos apontavam para as respostas das dúvidas que justamente fizeram com que o caso fosse escolhido para ser apresentado. Isso só se deu porque o grupo supervisionandos começou a ampliar e trazer as impressões que tiveram dos sonhos. O mesmo vale para a supervisão individual. De minha parte, posso dizer que quando comecei a trabalhar série de sonhos dos meus analisandos em minha supervisão individual, minha forma de perceber e valorizar os sonhos mudou. É e foi muito rico.
Passo 6: construa repertório
Mencionei mais acima a importância do repertório. Isto se trata da construção de um conhecimento acerca de motivos míticos, religiosos, culturais e outros. Portanto, aprenda sobre mitologias, todas que puder, não apenas a grega; aprenda contos e/ou lendas; investigue sobre religiões, não apenas a que você eventualmente comungue, mas outras também, até para ter uma espécie de autorização simbólica de “entrar” no altar religioso de seus analisandos, que muitas vezes é diferente do seu.
O que almejo com essa sugestão de construção de repertório não é dar margem para a catastrófica mania de querer saber o que significa especificamente uma imagem onírica em sentido estrito, ou seja, aquela ânsia de querer correr para dicionários de sonhos – fuja deles – e/ou de símbolos – use com moderação – a fim de dar um sentido literal para a imagem que se apresenta no sonho.
Exemplo: suponhamos que o já mencionado sonho da festa tivesse um aquário com peixes. É claro que o peixe possui diversas simbologias, tal como Jung examinou em Aion (OC 9/2), mas a priori, um peixe é só um peixe! Ele possui diversas possibilidades de entendimento simbólico e isso se constrói com uma combinação entre o que o analisando fala e o repertório que você, analista, tem.
A análise de um sonho começa com as impressões que surgem da consciência, pois é ela que lembra do sonho e é ela que é sensibilizada pela carga afetiva expressada no sonho – o sonho é uma mensagem para a consciência!
Com isso, é essencial levantar quais são as experiências e associações que o analisando traz sobre o sonho, para que em seguida possamos averiguar os aspectos compensatórios, pedagógicos e prospectivos do sonho e, por fim, nos aproximarmos de imagens arquetípicas. Afirmar categoricamente que o peixe do aquário da festa é uma imagem de Jesus Cristo, por exemplo, é um exagero, a priori. Pode até ser que seja, nunca sabemos, só não podemos tomar isso como verdade absoluta.
Outro hábito que já observei em alguns núcleos junguianos é a necessidade de enquadrar as imagens oníricas em algum conceito de Jung, por exemplo, “esse homem do sonho é o animus”, “essa mulher assustada é o complexo de inferioridade”.
Claro que o animus e os complexos se expressam nos sonhos, mas simplesmente atribuir às imagens oníricas conceitos antes de se fazer uma investigação ao estilo das perguntas que coloquei acima, é reduzir e não ampliar, ou seja, é o oposto do que Jung nos sugere.
Então o que aparece no sonho não é o animus ou um complexo a priori, se trata de uma imagem, e essa imagem pode querer revelar conteúdos que a consciência ainda não é capaz de abarcar com seu manancial conceitual vigente. Os conceitos são sempre após o inconsciente, então devemos ser muito respeitosos com o que o inconsciente nos apresenta, pois nunca sabemos se estamos diante de algo jamais conhecido até então pelo nosso pequeno ego.
Passo 7: e quando o analisando não traz sonhos?
Essa é uma angústia típica de analistas iniciantes e não podemos fazer muito quanto a isso, a não ser pedir e insistir aos analisandos sistematicamente! Me parece que cabe também um aspecto pedagógico, explicando aos analisandos o que podemos extrair dos sonhos e como eles podem contribuir para o processo de análise. Então adote a prática de perguntar regularmente “e aí, sonhou”? Em algum momento eles trarão e você pode se surpreender.
Outro ponto a perguntar a si é se o motivo de os analisandos não trazerem sonhos não possui uma relação contratransferencial com o fato de você ter uma espécie de “medo” dos sonhos, justamente por não saber muito bem como abordá-los – para isto que resolvi escrever este artigo!
Pergunte-se qual é sua participação, pois é possível que exista este fenômeno a ser avaliado também. Sobre isso, Jung diz o seguinte:
“Quando o paciente não sonha desde o começo ou para de sonhar, então há algum material escondido que é passível de uma elaboração consciente. Neste caso, o relacionamento pessoal entre analista e paciente deve ser considerado como o obstáculo mais importante. Ele pode impedir a ambos, paciente e analista, de ver com clareza a situação. Não se pode esquecer que concomitantemente com o interesse que o analista deve demonstrar em penetrar na psicologia do paciente, este, por sua vez, se for uma pessoa de espírito ativo, procurará sentir a psicologia do analista e se posicionará assim perante ele.
Na medida em que o analista não vê a si mesmo e seus problemas inconscientes, também permanece cego perante a atitude de seu paciente. Por isso reafirmo que o analista deve ele mesmo ter ido analisado, caso contrário a análise poderá se tornar para ele uma grande desilusão, pois, em certas circunstâncias, pode empacar e perder a cabeça. Em casos como este é grande a tentação de dizer que a psicanálise é uma tolice, para não ter que reconhecer que foi ele mesmo que entornou o caldo.
Se o analista estiver seguro de sua própria psicologia, poderá dizer com tranquilidade ao paciente que ele não sonha porque ainda existe material consciente a ser examinado. Nesses momentos é preciso estar seguro de si mesmo, pois o que se ouve de críticas e julgamentos impiedosos pode derrubar quem não está preparado para isso. A consequência imediata da perda de equilíbrio emocional pelo analista é que começa a discutir com o paciente para manter sua influência sobre ele. E aí a análise se torna impossível”.
(OC 4, §536)
Passo 8: e quando o analisando traz sonhos, mas “foge” deles?
Isso é relativamente comum. É como se o analisando trouxesse o sonho de maneira protocolar, mais para satisfazer o desejo do analista de que ele traga sonhos do que trazê-los por uma vontade genuína de examiná-los em sua análise. Nesse caso também não tem muito o que fazer, a não ser convidar a pessoa a ficar no sonho e trazê-la suavemente para participar da investigação.
Nada impede que eventualmente sejamos mais austeros, apontando esse comportamento de fuga diante do sonho. Na grande maioria das vezes – para não dizer sempre – contar um sonho, mas não entrar na investigação dele, é defesa egóica. Logo, simplesmente “forçar” o analisando a entrar no sonho, pode ser menos eficaz do que fazer isso de maneira mais suave. Seja de uma forma, ou de outra, o fundamental é tentar, sempre que possível, utilizar o conteúdo onírico no processo de análise, pois essa é a base da psicologia analítica de C. G. Jung.
Passo 9: quais livro posso ler?
Optei por escrever um artigo sem ficar colocando muitas referências. Digamos que escolhi “sonhar” este artigo em vez de pensá-lo, para depois transformá-lo em “pensamento”, mas existem inúmeros livros de Jung e do campo junguiano que exploram os sonhos.
Seguem alguns deles com um breve comentário:
- Símbolos da transformação (OC 5) – Jung faz uma ampliação das fantasias de Miss Miller. Ainda que não sejam exatamente sonhos, o método de ampliação aplicado é rigorosamente o mesmo utilizando na análise de sonhos;
- A natureza da psique (OC 8/2) – há um capítulo específico em que Jung expõe a natureza do sonho;
- Psicologia e alquimia (OC 12) –Jung examina simbolicamente e alquimicamente uma série de 56 sonhos;
- Ab-reação, análise dos sonhos e transferência (OC 16/2) – há um breve capítulo que Jung ensina como analisar e investigar os sonhos.
- Sonhos na psicologia junguiana (Faria, Freitas e Gallbach, ORGs.) –neste livro diversos autores do campo junguiano trazem suas experiências e contribuições na análise de sonhos.
- Uma investigação sobre a imagem (James Hillman) – ao mesmo tempo que não é um livro sobre sonhos, é um dos melhores livros que já li sobre sonhos, pois Hillman ensina como investigamos as imagens, logo, vale o mesmo para os sonhos.
- Jung e a interpretação dos sonhos (James A. Hall) – é um livro bastante objetivo que ajuda a sedimentar os pilares da análise dos sonhos.
- Sonhos: um portal para a fonte (Edward C. Whitmont e Sylvia Brinton Perera) – também uma leitura relevante para seus estudos.
Essa breve lista de livros é só uma sugestão muito sintética, pois há inúmeras produções junguianas que trabalham os sonhos.
Também sinto que poderia ter colocado muitas outras técnicas aqui neste artigo, mas isto o tornaria maior do que já ficou. De qualquer forma, o mais importante é se manter constantemente em capacitação. Espero que este breve artigo faça parte desta sua construção contínua de novos repertórios.
Rafael Rodrigues de Souza – Analista Didata em Formação.
Dr. Waldemar Magaldi Filho – Analista Didata responsável.
Referências:
JUNG, Carl Gustav. Freud e a psicanálise (OC 4). Ed. digital. Petrópolis: Vozes, 2014.
JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação (OC 5). 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos (OC 6). 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique (OC 8/2). 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
JUNG, Carl Gustav. Aion – estudo sobre o simbolismo do si-mesmo (OC 9/2). 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia (OC 12). 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
HILLMAN, James. Uma investigação sobre a imagem. Petrópolis: Vozes, 2018.
Acesso nosso site: IJEP | Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa