A alquimia é a arte hermética, que por meio de experimentos de laboratório, o lugar onde se labora e ora, os iniciados trabalhavam com a prima matéria, objetivando sua transmutação para que cada vez mais atingisse a dimensão áurea, no sentido de integridade e incorruptibilidade, e não de maneira literal como popularmente ficou registrado, transformando chumbo, que é denso e vil, em ouro, que é nome e puro.
Os alquimistas colocavam a substância arcana numa espécie de cadinho, que se assemelha a um cálice ou graal, mas que eles chamavam de crisol ou crisolar, porque era o lugar onde as crises iriam acontecer, neste vaso hermético, que equivale ao temenos do espaço do ambiente do consultório da analista. A operação, chamada de opus, acontecia tanto na dimensão física, que é a espagíria do separa e une ou dissolve e coagula, quanto na espiritual, a anagógica que eleva e transcende. A união destes dois caminhos, metaforicamente, é a prática da análise, que significa separa sem perder a integridade, para poder elevar.
Todo processo é um convite para a morte, objetivando a redenção da matéria e o renascimento do ser integral. Não existe um processo único, ele pode ser quente ou úmido, rápido ou lento, mas sempre vai exigir, em cada etapa, ou fase, o contínuo solve e coagula. O processo visa a Rubedo, que equivale a integração do corpo com a alma, para acontecer a autonomia do ser na direção do seu propósito ou missão física e espiritual. Jung compreendeu a Rubedo como a meta do processo da análise e reconheceu verossimilhança da opus alquímica com o processo analítico, porque para chegar na Rubedo é inevitável atravessar a Nigredo.
A Nigredo equivale a descida aos infernos, a putrefação e até morte, com reconhecimento e integração dos conteúdos sombrios. Geralmente, usa-se o fogo ou a cal como elementos transformadores, para secar as emoções e elevar a mente. Infelizmente, as atuais religiões, que viraram comodities, são muito eficientes em tirar as pessoas da Nigredo, para mantê-las fixas na Albedo, por conta da sua candura e pureza garantida pelos códigos de conduta e atitudes fundamentalistas. Mas esses indivíduos que ficam aprisionados na Albedo equivalem aos falsos puritanos, que carregam muito ódio no coração, mas seguem os mandamentos e jamais encontrão suas almas.
Esse processo se assemelha muito com o ciclo existencial das borboletas. Por isso, utilizo essa metáfora para fazermos analogias didáticas e clínicas do processo alquímico e da análise. Cada fase do ciclo da borboleta tem sentido, propósito e significado. Mas, o mais interessante é que nas etapas em que ela tem movimentos, a experiencia da morte é inexorável. Na aula, eu apresento uma história a respeito de uma lagarta que segue sua jornada evolutiva. Ela era dotada de consciência reflexiva e, consequentemente, ficava angustiada, mas também fazia produções criativas, como todos os humanos. A história nos faz refletir que toda vez que a protagonista se entregou para a morte, ela acabou encontrando vida. Quem quiser ver a história, basta entrar no Canal do Youtube do IJEP e procurar o filme: O conto da lagarta, morte e vida alquímica. Ou clicar neste link: https://www.youtube.com/watch?v=a_-W2B3oujs
A seguir faço uma breve descrição das sete passagens sugeridas como momentos psicoafetivos no processo da análise, presentes na gravura alquimica da Montanha dos Adeptos, no início do texto.
Nossa consciência não tem capacidade infinita, apenas o inconsciente que tem! Seu espaço é minúsculo, precioso e valioso. Por isso, é crucial decidirmos o que manter dentro dela e o que jogar fora. Desta forma, não precisamos ficar paralisados nas dores do passado, nem das injustiças que aconteceram conosco, ou das coisas que nos causaram tristeza. Precisamos aprender as lições do passado, mas não devemos ficar com elas no presente dando espaço para a dor e para um contínuo sofrimento. Porém, só por meio de um processo de autoconhecimento é que poderemos superar as queixas e os sintomas físicos ou relacionais.
O autoconhecimento advindo da sublimação alquímica é a melhor maneira para diminuir os efeitos cáusticos e emotivos das sensações dramáticas e traumáticas que ocupam nossa consciência e produzem sintomas. A sublimação produz a ampliação da nossa consciência, dando razão para nossa história, vivencias e emoções, ajudando na superação da calcinação. Por meio da sublimação poderemos adquirir entendimentos mais amplos sobre as ocorrências da vida. Só depois de arejarmos a terra, o calcário cristalizado, é que poderemos regá-la com nossos sentimentos, a água da diluição ou até solução das queixas. Porque, antes da sublimação a cal estava viva e com água ela calcinava produzindo mais queimação e dor.
Depois do ar e da água, sublimacio e solucio alquímicos, é que vão surgir os insights, o calor das intuições criativas que produzirá a germinação ou putrefação das sementes, fermentando possibilidades férteis para o crescimento e superação da queixa paralisante e cáustica. A partir desta etapa, poderemos preencher nossa consciência com coisas boas, fazendo a escolha, a separção, destilação das emoções, para ficarmos mais leves, mais felizes, mais focados. Daí vem a necessidade de atitudes concretas serem tomadas, coagulando, curando, dando consistência e colorido à tintura da vida, que é a nossa verdadeira essência. Todas essas sete etapas alquímicas, acima descritas, estão representadas na gravura da montanha dos adeptos.
Waldemar Magaldi Filho, Psicólogo, analista junguiano, mestre e doutor em ciências da religião, especialista em psicologia analítica, psicossomática, arteterapia e homeopatia, professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato-sensu, que titulam e formam especialistas em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Arteterapia do IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa – em SP; RJ e BSB. Autor do livro: “Dinheiro, saúde e sagrado” – Ed. Eleva Cultural. www.elevacultural.com