A linguagem simbólica presente nas cartas do Tarot é rica em significado e tem sido estudada por diversos autores ao longo dos séculos. O Tarot é um baralho de cartas com pelo menos seis séculos de existência, contendo figuras enigmáticas provenientes de um tempo misterioso e irracional (NICHOLS, 2007). O Tarot de Marselha é um dos mais conhecidos e tornou-se um padrão a partir do qual todos os outros baralhos de Tarot derivam.
Trata-se de um conjunto de 78 cartas divididas em dois grupos: Arcanos Maiores e Arcanos Menores. As 56 cartas dos Arcanos Menores são divididas em quatro naipes – Copas, Paus, Ouros e Espadas – e servem como símbolos complementares aos Arcanos Maiores ou Trunfos. Estas são imagens numeradas de 0 a XXI que representam a jornada de crescimento espiritual do protagonista, o Louco, uma figura marcada pela infantilidade, ingenuidade, inteligência, engenhosidade, intuição, irresponsabilidade, graça e loucura (NICHOLS, 2007).
Os desenhos dos tarôs têm significados esotéricos, conhecidos pelos iniciados e ocultos para os leigos, e são representações simbólicas de arquétipos. São símbolos eternos em nossa vida e ubíquos, ou seja, presentes em toda parte. Cada carta do Tarot é uma imagem arquetípica que representa um conjunto de arquétipos pertencentes ao inconsciente coletivo. Mesmo que em diferentes baralhos alguns traços sejam distintos, essas figuras possuem características eternas da espécie e se encontram em situações que se repetem em todos os tempos. Assim, os personagens do baralho estão em situações que todos nós, de uma forma ou de outra, estaremos em certos momentos ou fases de nossas vidas. Em resumo, cada carta é representativa de vários traços da psique humana sintetizados em denominações como Papisa (a grande Mãe), Mago, Imperatriz, Louco, entre outros. Segundo Nichols:
Uma viagem pelas cartas do tarô, primeiro que tudo, é uma viagem às nossas próprias profundezas. O que quer que encontremos ao longo do caminho é, au fond, um aspecto do nosso mais profundo e elevado eu. Pois as cartas do Tarô, que nasceram num tempo em que o misterioso e o irracional tinham mais realidade do que hoje, trazem-nos uma ponte efetiva para a sabedoria ancestral do nosso eu mais íntimo. E uma nova sabedoria é a grande necessidade do nosso tempo – sabedoria para resolver nossos problemas pessoais e sabedoria para encontrar respostas criativas às perguntas universais que a todos nos confrontam. (Nichols, 2007, p. 18).
A Viagem pelas Cartas do Tarô
Uma viagem pelas cartas do tarô é, antes de tudo, uma viagem às nossas próprias profundezas. O que quer que encontremos ao longo do caminho é, em essência, um aspecto do nosso mais profundo e elevado eu. Pois as cartas do Tarô, que nasceram num tempo em que o misterioso e o irracional tinham mais realidade do que hoje, trazem-nos uma ponte efetiva para a sabedoria ancestral do nosso eu mais íntimo. E uma nova sabedoria é a grande necessidade do nosso tempo – sabedoria para resolver nossos problemas pessoais e sabedoria para encontrar respostas criativas às perguntas universais que a todos nos confrontam.
Os arquétipos simbolizados nas cartas configuram a jornada humana em direção à integração dos aspectos contraditórios da psique.
Esse caminho se inicia com o Louco se lançando rumo ao desconhecido e, como recompensa, recebendo a ajuda de figuras que o guiam no mergulho interior – O Mago, a Sacerdotisa, o Papa, a Imperatriz e o Imperador.
Quando no caminho há o encontro com os Enamorados, estamos diante de escolhas que envolvem o amor; o Carro aponta a necessidade de lidar com o desafio de controlar instintos contraditórios e com a Justiça encaramos a necessidade de, em alguns momentos, tomar decisões baseadas na imparcialidade.
O Eremita chega mostrando que não se pode controlar a passagem do tempo e a Roda da Fortuna, um movimento constante que também não pode ser controlado. Existe um leão interior que precisa ser domado, mas não destruído, e a carta da Força mostra a sutileza que existe no limiar entre esses dois tipos de conquista. O Enforcado, com seu sacrifício voluntário, evidencia a serenidade que existe quando o sacrifício é feito em prol de um bem maior e a Morte não deixa esquecer que os fins fazem parte dos começos.
O lado mais vergonhoso da psique é revelado na carta do Diabo e o lado mais amável e sentimental na carta da Temperança. Na Torre, nos deparamos com as falsas personas, aquelas que precisam ruir para que o caminho possa continuar e a Estrela traz um lampejo de esperança que dá força para seguir o caminho. A Lua traz a densidade e o caos presentes no inconsciente coletivo e, depois do mergulho nessa instância milenar da psique, o Sol anuncia o poder que existe na consciência que emerge desse mergulho. As duas últimas cartas do jogo são o Julgamento e o Mundo. O Julgamento é o momento de colher os frutos plantados, constatando que o presente está conectado com as escolhas do passado. E o Mundo é o grande objetivo da jornada, é o prêmio da totalidade.
Esse objetivo é ideal, não real, então o que importa não é a chegada, mas sim o caminho que se desenvolve na sua busca.
A Perspectiva Junguiana do Tarot
Desde a pré-história, os seres humanos usam desenhos como meio de expressão, o que lhes conferiu o poder de tornar visível o invisível (FORTIM, 2019). As imagens arquetípicas e os símbolos materializam conteúdos inconscientes que pertencem a toda a humanidade e que, por isso, têm uma natureza universal. Essa instância não pessoal da psique, denominada inconsciente coletivo, é definida por Jung da seguinte forma:
Esta camada mais profunda é o que chamamos de inconsciente coletivo. Eu optei pelo termo ‘coletivo’ pelo fato de o inconsciente não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são cum grano salis os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo, portanto, um substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo. (JUNG, 2014a, p. 12)
Os arquétipos, substância do inconsciente coletivo, são padrões de percepção e compreensão comuns a todos os seres humanos que explicam as similaridades no funcionamento imaginário psíquico que atravessam os tempos e culturas (JUNG, 2014a).
Por estarem fora do alcance da consciência, eles atuam como forças da natureza. Guiando as experiências humanas para caminhos que nem sempre são construtivos para a vida individual.
Os Arcanos Maiores, por serem representações de arquétipos, materializam algo que não é visto, mas vivido inconscientemente a todo momento. Esses conteúdos do inconsciente coletivo expressos no Tarot buscam ser acolhidos e integrados, mas para tanto é preciso existir uma consciência que dê espaço para o irracional coexistir com a sua lógica intelectual. As cartas demandam uma forma de apreensão que relativize a racionalidade para atingir um modo mais amplo e profundo de assimilar imagens.
Jung pouco falou sobre o Tarot. Em um seminário sobre imaginação ativa realizado em 1933, encontra-se uma breve fala onde ele trata o Tarot como imagens psicológicas que o inconsciente utiliza para se expressar. Jung fala que as cartas são imagens arquetípicas que contribuem para compreender de modo intuitivo o fluxo da vida. Para ele, a possibilidade de prever o futuro reside na leitura do presente e a necessidade do ser humano de acessar o sentido da existência através do inconsciente está ligada a uma espécie de correspondência entre a condição predominante na vida atual e a condição do inconsciente coletivo (JUNG, 1997).
O contato com novos conteúdos psíquicos traz movimento para a psique e cria um fluxo energético criativo.
Essa troca é de suma importância, pois quanto mais a consciência se estreita e se afasta do inconsciente, mais perigoso e antagônico ele se torna (JUNG, 2014a). Ou seja, o bem-estar da consciência está diretamente ligado ao tipo de relação que ela desenvolve com o inconsciente. Para que se enriqueçam mutuamente, essas duas instâncias da psique precisam construir uma via de passagem mútua.
Abrindo-se às imagens das cartas, deixa-se a imaginação fluir, criando uma brecha para fertilizar a vida com a potência do inconsciente. Olhando o Tarot por essa ótica, conclui-se que seu poder reside na possibilidade de o indivíduo revelar-se para si através dele. Ele é um convite à introversão e coloca a pessoa em contato com algo que transcende a vida individual, mas que faz parte dela. (NICHOLS, 2007). O indivíduo está imerso em dualidades, e é o entrelaçamento dessas realidades que configura sua experiência total (JAFFÉ, 2021).
A Sincronicidade e o Tarot
Jung (2014b) usou o termo sincronicidade para descrever o fenômeno onde duas ou mais situações acontecem simultaneamente sem relação causal, mas ligadas pelo significado. O que diferencia esse conceito da mera coincidência é o fato de os conteúdos terem um significado em comum, como se houvesse um elo invisível que os une. Existem momentos em que uma imagem psíquica se encontra em uma relação análoga significativa com um acontecimento objetivo exterior, sem que haja uma explicação ou uma causa para isso. Isso leva a pensar que o inconsciente sabe mais do que a consciência, como se houvesse um conhecimento antecipado sobre determinados acontecimentos, mostrando que muitas vezes a realidade pode complementar a experiência interior.
O fenômeno sincrônico acontece quando uma imagem inconsciente alcança a consciência no formato de sonho, associação ou premonição e, em algum momento, uma situação objetiva surge apresentando o mesmo conteúdo. Jung (2014b) destaca o papel que o afeto desempenha nesse processo, colocando-o como o grande motor da alma humana, capaz de modificar até mesmo a realidade objetiva. A alma tem uma força tão grande que consegue tudo o que deseja, nem que para isso seja necessário mobilizar o mundo psíquico e físico, interno e externo.
A experiência com a sincronicidade mostra que um conteúdo psíquico pode ser representado por um acontecimento exterior sem que haja uma explicação causal para isso, o que traz à tona reflexões sobre a localização espacial da psique e a relatividade do tempo. Além disso, essas situações parecem ser uma forma de tornar consciente um arquétipo que, por possuir uma parte inconsciente inacessível à consciência, confere aos eventos sincrônicos essa relatividade de espaço e tempo característica de processos que vão além da consciência.
O princípio da sincronicidade pressupõe uma organização metafísica que atua independente da vontade e engloba exterior e interior.
A essa organização estão sujeitos tanto aqueles que experimentam os acontecimentos não causais como mero acaso quanto os que enxergam seu significado. A inter-relação universal dos acontecimentos revela uma unidade preexistente que une psique e matéria e os coloca como integrantes dessa totalidade.
Quando Jung (2014b) fala do afeto como o motor capaz de unificar a alma e o corpo, impactando inclusive na realidade externa, ele faz pensar que para o Tarot desencadear um evento sincrônico, antes é preciso que a pessoa seja afetada por ele. Para que o Tarot desperte afetos, é preciso haver uma conexão direta entre ele e o indivíduo, um ritual que desperte o olhar simbólico sobre as imagens que ele apresenta. O conceito de sincronicidade se baseia na casualidade e não na causalidade; nesse sentido, não é possível controlar esse tipo de experiência e saber o que as causa.
A sincronicidade simplesmente acontece, ela existe espontaneamente e não intencionalmente.
Ela poderia ser só mais um fato da vida sem explicação, mas o que a torna relevante é o seu potencial de levar a um aprofundamento e revelar significados ocultos. Essa potencialidade só se torna realidade quando há uma postura simbólica diante da vida que faz enxergar sincronicidade em situações que antes eram vistas como mera coincidência. Assim, se o Tarot for vivido no seu aspecto simbólico, poderá ser uma experiência que se alinha com uma vida plena de significados e sincronicidades.
A Psicologia Analítica e o Tarot
A Psicologia Analítica e o Tarot se encontram em pontos-chaves da teoria junguiana: arquétipo, inconsciente coletivo, símbolos, sincronicidade, individuação e projeção. A hipótese que justificaria a inserção do Tarot no campo analítico seria o fato das imagens arquetípicas presentes em cada carta se comunicarem com o inconsciente, o que conduziria a uma expansão da consciência. Nesse sentido, através da interação com os símbolos do baralho, as cartas trariam a possibilidade de alcançar uma compreensão mais ampla e profunda da psique, impactando no futuro.
Jung enxergou no Tarot uma rica expressão do inconsciente coletivo – conceito que criou para designar uma espécie de conteúdo residual de todas as experiências da humanidade, atualizada por repetição com o passar dos anos. Lá estão representados, por exemplo, o amor materno, o impulso para a guerra e o fascínio pelo divino. Assim como os demais oráculos, o Tarot seria um sistema de representação dessas e muitas outras potencialidades humanas, os arquétipos. A partir das figuras estampadas nas cartas, o indivíduo seria chamado a refletir sobre as virtudes e dissabores da própria existência.
E, a partir dessa reflexão, levar a decisões mais favoráveis ao próprio desenvolvimento. Mas qual seria a mágica que levaria à escolha da carta certa para ilustrar o momento em que estamos vivendo? Para Jung, tudo se processa como resultado do movimento psíquico, uma forma peculiar de diálogo. Para entendê-la, é preciso saber que a expressão do inconsciente se dá a partir de símbolos. E esta também é a linguagem que compõe cada lâmina do Tarot. Quando escolhe ao acaso um certo número de cartas de um monte, o consulente concede ao inconsciente um veículo para que se expresse. Este usará, a partir da simbologia das cartas, um canal de comunicação com a consciência.
Considerações Finais
As cartas do Tarot, como figuras de testes projetivos, permitem ao indivíduo a projeção de seus complexos, cujos núcleos são os arquétipos. A partir dessa projeção e seu entendimento (com a ajuda de um terapeuta que conheça as teorias e os procedimentos de análise junguianos), a pessoa pode se conscientizar de alguns complexos que, no momento, estão desempenhando importante papel no seu pensamento e no seu comportamento. Ou seja, as figuras do baralho possibilitam ao ego “pescar” no inconsciente alguns complexos que são contornos pessoais dos arquétipos e depois tentar descobrir o que eles estão fazendo.
E isto ocorre porque, ao se projetar, a pessoa transfere à imagem da carta as ideias com forte carga afetiva (complexos) que estão mais próximas da consciência. Assim, o Tarot não diz o que você é e nem prevê o seu futuro. Na verdade, ele é um desses instrumentos seculares que ajudam as pessoas a se conhecerem e a conhecerem a humanidade.
Maria Helena Soares Marinho – Analista em Formação IJEP
Cristina Mariante Guarnieri – Analista Didata IJEP
Referências:
FORTIM, I. O Desenho como Símbolo: uma Revisão da Expressão Gráfica pela ótica da Psicologia Analítica. Hermes, n. 24, p. 79-95, 2019. Disponível em: https://www.academia.edu/44381019/O_Desenho_como_S%C3%ADmbolo_uma_Revis%C3%A3o_da_Express%C3%A3o_Gr%C3%A1fica_pela_%C3%93tica_da_Psicologia_Anal%C3%ADtica?from=cover_page. Acesso em: 27.05.2024.
JAFFÉ, A. O mito do significado. 2ª ed. São Paulo: Cultrix, 2021.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 11ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014a. (Obras Completas de C. G. Jung; vol. IX/I)
JUNG, C. G. Sincronicidade. 21ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014b. (Obras Completas de C. G. Jung; vol. XVIII/III)
JUNG, C. G. Visions: Notes on the Seminar Given in 1930-1934. Princeton: Princeton University Press, 1997.
NICHOLS, S. Jung e o Tarot: uma jornada arquetípica. São Paulo: Cultrix, 2007.
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