A metáfora da árvore descrita por C. G. Jung (JUNG, O Eu e o Inconsciente, par. 151): “Qualquer árvore que queira tocar os céus, precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos”, é de extrema importância! Infelizmente, nesta época do espetáculo, onde o hedonismo imediatista e efêmero, nos condicionou a buscar todos os reforços positivos, de prazer e gratificação, deixando-nos intolerantes com os diferentes, os divergentes e todas as frustações, nos fez passar a estabelecer relações, cada vez mais superficiais, rasas, efêmeras, líquidas e descartáveis, por conta dos mecanismos de defesa contra o medo do vazio interior, devido à negação da sombra, da história da evolução da humanidade, a falta de sentido, de significado existencial e, consequentemente, de ética.
Com isso, transformamo-nos em autômatos consumistas, egoístas, individualistas e acumuladores, extremamente competitivos, em busca da ilusão do poder e do sucesso material. Triste humanidade desumanizada, retroagindo para épocas passadas, onde vivíamos sob a égide do patriarcado mais bruto e cruel da nossa história, com autoritarismo, hierarquia e exclusões, negando todo futuro evolutivo apresentado pela dimensão cristã, que surgiu para nos ensinar a alteridade, a inclusão igualitária e o amor ágape, para que a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a solidariedade passem a ser regra e prática comum, e não exceção.
C. G. Jung, nos seus estudos a respeito do desenvolvimento da personalidade e evolução da consciência humana, brilhantemente, em seu livro: “Resposta a Jó”, nos apresenta a hipótese de que toda expressão violenta, territorialista, vaidosa, autoritarista, machista, tirana e cruel, descrita no antigo testamento, após o confronto de Javé com Jó, possibilitou o despertar da alteridade divina, onde Javé, ou Deus, evolutivamente, precisou encarnar como Cristo, anunciando o início da desconstrução do patriarcado dominante, para despertar mais um salto evolutivo com o surgimento da alteridade, onde a hierarquia daria lugar à sinarquia, a exclusão à inclusão igualitária e o ódio ao amor ágape. Porém, como sabemos, diante das crises, principalmente esta que está trazendo esta mudança de paradigma, seria inevitável o surgimento das defesas extremistas e, neste caso, o sistema dominante está reagindo violentamente para não abrir mão do patriarcado vigente, com seu poder excludente e hierarquizante, do territorialismo e dos muros. Ativando muito mais medo e todos os mecanismos de defesa possíveis!
A vinda de Cristo anuncia a nova era, mas o patriarcado vigente, há dois mil anos atrás, criou a institucionalização das tradições religiosas, que destruíram os conceitos revolucionários do evangelho cristão, a boa nova, por vaidade, poder e enriquecimento. Atualmente, infelizmente, a maioria dos templos viraram teatros à serviço do mercado, retroagindo ao velho testamento. Estamos vendo isso acontecer, principalmente, nas religiões agora representadas pela bancada da Bíblia no Congresso Nacional do Brasil, incluindo o presidente eleito para 2019. O patriarcado patrimonialista retrógrado está mais ativo e evidente em todo o mundo! Por isso, estamos acompanhando o movimento neossionista da IURD, alinhado tanto com a religião judaica quanto com a muçulmana, que estão fundamentadas no patriarca Abraão, tento como base o antigo testamento na sua essência, permanecendo-se totalmente territorialistas, machistas e competitivas!
Esse fenômeno é mundial, funcionando como um pêndulo evolutivo, quem sabe, para fazer com que as ideologias de esquerda, que da mesma forma que as instituições religiosas, se encantaram com o poder, possam ficar atuantes contra a corrupção, a favor da inclusão humana e social em todos os sentidos, evitando a corrosão do caráter da humanidade, exigindo e oferecendo educação e cultura universal e de qualidade, principalmente no ensino fundamental, despertando capacidade crítica, reflexiva, servidão altruísta e o despertar da dimensão espiritual. Porque, a verdadeira salvação acontece quando nos tornamos espiritualistas e praticamos nossa religiosidade, independentemente de acreditarmos e praticarmos religiões, sejam elas salvacionistas ou reencarnacionistas. Somente assim nos libertaremos dos sistemas religiosos que, Infelizmente, a maioria deles, só servem para escravizar a humanidade, mantendo as pessoas como bens de produção, adestrados para agirem direito (destros), ao aceitar a dominação conservadora, egoísta e falso puritana do patriarcado patrimonialista, de acordo com o sistema capitalista dominante.
A crise evolutiva, mundialmente vivenciada, fez aflorar o medo do novo sistema que está por vir, associada à cultura capitalista, do imediatismo e do consumismo hedônico, onde as relações são liquidas, porque os sujeitos estão vazios de sentimentos, contribuiu para a atual polarização entre as pessoas. Precisamos compreender como as potencialidades arquetípicas de Ares e Atena, deuses gregos que nasceram sem a semente do seu gênero sexual, por conta de uma disputa entre seus pais, Zeus e Hera, contribuiem para o aparecimento dos seus desdobramentos/epítetos: Phobos, Terror, Discórdia, Harmonia, Fúrias e Vingança. Porque Ares, sem eros, só sabe destruir e guerrear, assim como Atena, sem logos, sentencia de forma cruel, tratando os desiguais de forma igual.
Esses deuses sempre interagiram em nós, por fazerem parte do nosso inconsciente coletivo. Quando eles assumem o comando egóico, porque algum complexo foi constelado, somos levados aos extremos. A humanidade está dilacerada e tomada por sentimentos que vão do temor aterrorizante da tirania, da crueldade capitalista que levanta a bandeira da meritocracia, sem igualdade nas bases, do fascismo, do ódio à corrupção, da fantasia do advento de um pai salvador e protetor ou de uma mãe acolhedora e nutridora. Todos estes sentimentos, na realidade, fazem parte de nós mesmos e precisam ser reconhecidos, conscientemente, por nós. Caso contrário, iremos projetar, aversiva ou atrativamente, nos outros. Desta forma, surge a polarização intrapsíquica e extra psíquica, fazendo-nos odiar o que incomoda em nós, projetado nos outros, obviamente por possuem algum gancho para receber essa projeção, com intenção de destruí-los, ou ficando passionalmente encantados e eufóricos, com aquele que representa aquilo que está em nós, mas não consequimos reconheçer.
Para superarmos essa crise é preciso estimular reflexões, epistemologicamente, coerentes, proporcionando o confronto com a sombra, para que o terceiro elemento não dado, a função transcendente, na sua dimensão simbólica, metafórica e não literal, apareça na forma de produções criativas e revolucionárias. Revolução é sinônimo de voltar a evoluir! Muito diferente de revolta, que produz destruição estéril, devido a fixação no passado! Por isso, não faz sentido ficarmos estagnados ou até retroagirmos, como indivíduos e, consequentemente, como nação, devido a manutenção deste atual estado de ignorância, deliberada e maldosamente, imposta pelos últimos governantes, com o objetivo de manter o povo sendo usado apenas como bem de produção, anestesiado no tradicional “pão e circo”, fomentando, cada vez mais, a exclusão, em detrimento da manutenção de muitos poucos que estão no topo da pirâmide econômica, obcecados pela dinâmica circular do: poder, lucro e acúmulo, para manter a maioria aprisionada na dinâmica oposta do: consumo, dívida e trabalho!
Por isso, precisamos aprender a confiar em nós mesmos. Somente através do autoconhecimento é que passamos a reconhecer e aceitar a sabedoria do Self, tanto para os rumos macro políticos, quanto nas relações micropolíticas. Principalmente agora, depois de que um enorme conteúdo sombrio veio à tona, expondo complexos, valores ideológicos, angustia existencial e os aspectos mais primitivos, selvagens, egoístas e individualistas da sociedade. Por isso, precisamos seguir adiante com fé, amor e atenção crítica! Sem perder nosso sonho de liberdade, igualdade e fraternidade, com muita serenidade para lidar com todos os complexos e suas representações divinas que agora estão fazendo estripulias nas nossas relações, para evitarmos ficarmos estagnados no estado de alienação existencial, atuando de forma unilateral e até literal, partidos, repartidos e apartados, em todos os sentidos, em uma das polaridades, para fugirmos de nós mesmos de do Self, recordando que estamos no mesmo barco chamado Gaia!
Paz e Bem
Waldemar Magaldi Filho
Analista didata e fundador do IJEP
Outubro de 2018
Para compreender melhor essas reflexões sugiro estes livros, que amparam este texto:
ARENDT, Hannah. A condição humana, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed.2004.
GLASSNER, Barry. Cultura do Medo. São Paulo: Francis, 2003
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo, Rio de Janeiro, Contraponto, 1977.
GIRARD, René. O bode expiatório, São Paulo, Paulus, 2004
JUNG, C. G. Aspectos do drama contemporâneo, Vol. X/2, Petrópolis, Vozes, 1988.
JUNG, C. G. Civilização em transição, Vol. X/3, Petrópolis, Vozes, 1993.
JUNG, C. G. O eu e o Inconsciente, Vol. X/3, Petrópolis, Vozes, 1993.
MAGALDI, Waldemar Filho. Dinheiro, Saúde e Sagrado – Interfaces culturais, econômicas e religiosas à luz da Psicologia Analítica, São Paulo, Eleva Cultural, 2004
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX – o espírito do tempo – Vol.1 e Vol.2 – Neurose e Necrose. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1977.
LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio, Lisboa, Relógio DAgua, 1989.
REICH, Wilhelm. Psicologia de massas do fascismo, São Paulo, Martins Fontes, 1972.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo, 14a Ed. São Paulo, Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1999.
ZWEIG, Connie, e ABRAMS, Jeremiah (org.), Ao encontro da sombra, São Paulo, Cultrix, 1994.
Waldemar Magaldi Filho, Psicólogo, Analista Junguiano, Especialista em Psicologia Analítica, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado” Ed. Eleva Cultural (www.elevacultural.com.br), coordenador e professor dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Arteterapia e Psicossomática do do IJEP – Instituto Junguiano de ensino e Pesquisa
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