Começamos com o triste ditado popular: “Ser mãe é padecer no paraíso“. Isso já é um absurdo que coloca a mãe numa condição infeliz de não poder gozar e desfrutar da vida nem no paraíso.
Obviamente que essa mãe humana, que renunciou de se beneficiar do paraíso, vai cobrar dos seus filhos, com juros e correção monetária, mesmo que de forma inconsciente, esse sacrifício. E esses, por culpa, identificação projetiva ou raiva, vão sofrer as consequências deste arquétipo materno, que constela muito antes do complexo de ego! Porque todo indivíduo identificado com o arquétipo da vítima sempre irá projetar o algoz no seu entorno relacional, manipulando com culpas e penas, na relação transferencial de todos nós!
A partir daí começamos a compreender as diferenças entre homens e mulheres, onde eles, dentre todas elas, busca apenas uma. E elas, por sua vez, desejam encontrar todos eles naquele que foi eleito como príncipe/herói que vai levá-la para um novo mundo. Mas isso fica para um outro ensaio, a respeito dos arquétipos psicopompos de Anima e Animus, porque neste focarei mais no Complexo Materno.
Jung, mesmo na sua época lutando contra a criminalização e a patologização da homossexualidade, sugeriu que aspectos negativos do complexo materno no homem poderiam levar ao homossexualismo, ao dom-juanismo e eventualmente também a impotência. Explicando que no homossexualismo o componente heterossexual pode ter ficado, inconscientemente, preso na figura materna e que no dom-juanismo, a mãe é procurada inconscientemente “em cada mulher” ou então aparece a masculinidade tóxica.
De qualquer modo, o complexo materno masculino não é tão direto quanto o feminino, por conta da semelhança do gênero sexual.
A referência materna no homem é absoluta, e única, porque a mãe é o primeiro ser feminino com o qual o futuro homem entra em contato e ela não pode deixar de aludir, direta ou indiretamente, grosseira ou delicadamente, consciente ou inconscientemente à masculinidade do filho. Tal como este último toma consciência gradual da feminilidade da mãe ou pelo menos responde de forma inconsciente e instintiva a ela. (OC 9/1 – § 162).
Os aspectos positivos do complexo materno no filho é possibilitar que o homem tenha refinamento estético, sensibilidade artística, capacidade de educar e até dotes intuitivos, com espírito de cuidar e preservar valores, relações de amizade, além de ter mais receptividade espiritual.
Complexo materno na filha
Em contrapartida, o complexo materno na filha, quando negativo, pode fazer com que ela desenvolva uma hipertrofia maternal, desejando ser mãe de tudo e de todos, inclusive mãe da mãe, dos filhos, do marido e até das suas relações de amizade. Outra possibilidade é a exacerbação do eros, quando ela passa a desejar homens que se parecem com seu pai, o marido da mãe, destruindo casamentos na condição da amante.
Também pode acontecer a identificação com a mãe, onde ela assume a condição da eterna filha. Uma Perséfone que depende da sua mãe para tudo. E, por fim a outra hipótese, é a defesa contra a mãe: quando ela passa a negar tudo que se assemelhe a mãe, a maternidade e o maternal. (OC 9/1 – § 170).
Associado a todos estes padrões e conflitos, na maioria das vezes reativos e inconscientes, temos inúmeros sintomas de adoecimento, que os estudos e pesquisas da Psicossomática nos ajudam a compreender a dimensão do sofrimento psíquico que está subjacente no amago de toda ferida.
Por isso, temos tantas mulheres sofrendo de doenças que podem estar denunciando os desejos de atacar ou fugir das situações de abuso, como no caso da fibromialgia, ou o conflito com a maternagem, fertilidade e criatividade, que pode estar associado a endometriose.
O processo analítico tem como objetivo fazer com que o ego, que é o administrador da consciência, se engaje no caminho da realização do Self, que C. G. Jung chamou de individuação.
Para isso é necessários o reconhecimento e a diferenciação da sombra e dos complexos, para que aconteça a separação simbólica destas referencias e futura integração destes conteúdos. Porém, essa empreitada não é tão fácil, porque os mecanismos que defendem a manutenção do ego alienado, dominado pela sombra e complexos negativos, são muito eficientes e mutantes, dificultando o vínculo ou o avanço na relação analítica, valendo-se, como principal arma, das transferências para o analista.
Jung afirma que os atributos do arquétipo da mãe, e também da grande mãe, são o “maternal”: simplesmente a mágica autoridade do feminino; a sabedoria e a elevação espiritual além da razão; o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona as condições de crescimento, fertilidade e alimento; o lugar da transformação mágica, do renascimento; o instinto e o impulso favoráveis; o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o devorador, sedutor e venenoso, o apavorante e fatal.
Estes atributos do arquétipo materno já foram por mim descritos minuciosamente e documentados em meu livro Símbolos da transformação. Nesse livro formulei as qualidades opostas desses atributos que correspondem à mãe amorosa e à mãe terrível […] Trata-se de três aspectos essenciais da mãe, isto é, sua bondade nutritiva e dispensadora de cuidados, sua emocionalidade orgiástica e a sua obscuridade subterrânea. (OC9/1 – §158)
Arquétipo materno
Ele continua afirmando que o arquétipo materno é a base do chamado complexo materno. É uma questão em aberto saber se tal complexo pode ocorrer sem uma participação causal da mãe passível de comprovação. Segundo minha experiência, parece-me que a mãe sempre está ativamente presente na origem da perturbação. Particularmente em neuroses infantis ou naquelas cuja etiologia recua até a primeira infância. Em todo caso, é a esfera instintiva da criança que se encontra perturbada, constelando arquétipos que se interpõem entre a criança e a mãe como um elemento estranho e muitas vezes causando angústia.
Quando os filhos de uma mãe superprotetora, por exemplo, sonham com frequência que ela é um animal feroz ou uma bruxa, tal vivência produz uma cisão na alma infantil e consequentemente a possibilidade da neurose (OC9/1 – §161).
Dentre todas as possibilidades de transferência, a do complexo materno negativo é a mais perversa porque mantém o analisando na condição de puer aeternus. A eterna criança ou adolescente que não quer contrariar a mãe, mesmo quando o psicoterapeuta for homem.
Esse dinamismo neurótico é muito frequente e faz com que os analisandos sabotem o processo psicoterapêutico de todas as formas. Chegando até a mentir a respeito da sua realidade existencial, para não desagradar ou decepcionar a mãe!
A consequência é devastadora para a análise. Por um lado, o analisando filho quer seduzir a “mãe” terapeuta de qualquer forma. Por outro lado, o complexo ativo usa e abusa de todas suas artimanhas para evitar que a análise evolua. Inclusive interrompendo o processo, acusando a transferência como impeditivo. Porém, obviamente, o indivíduo que é vítima deste complexo materno negativo, repetirá o mesmo dinamismo na nova tentativa psicoterapêutica. Sempre projetando a responsabilidade no analista anterior, porque a “culpa” de todo infortúnio, para o puer aeternus, é do outro! Porque ele é apenas uma pessoa bem-intencionada, alegre, intensa e, infelizmente, azarada.
Jung escreve:
Psicologicamente o puer aeternus é uma figura arquetípica que, em sentido positivo, representa uma força psíquica criativa, enquanto o aspecto negativo indica o si mesmo preso no inconsciente e que não se realiza na prática. O desenvolvimento bloqueado depende muitas vezes de uma ligação muito estreita do filho com a mãe (C. G. Jung – Cartas, Ed. Vozes – 2001, Vol. I. pág. 98).
É interessante que a base deste sentimento, que é incestuoso, porque objetiva voltar para o ventre materno, é uma tentativa de experimentar a condição de confiança primordial da época da relação mãe e bebê antes mesmo da estruturação do ego, até os seis meses de vida.
A intenção do complexo é satisfazer os desejos nostálgicos e regressivos; que quando não se concretizam por conta da intervenção do analista, produzem sentimentos de raiva e desejo de abandonar a “mãe”, preventivamente antes que ela o abandone, ou se subjugar para a mãe devoradora.
Jung chamou isso de defesa contra a supremacia da mãe, valendo ser qualquer coisa desde que diferente da mãe.
Imago parental
Essa situação faz com que o indivíduo fuja, inconscientemente, da imago parental, para não ser como eles, sem conseguir saber como ele é de fato. Consequentemente, a estruturação da personalidade fica prejudicada e a tentativa estéril e patológica mais comum que surge são as paixões por parceiros igualmente imaturos e, infelizmente, na maioria das vezes egoístas e abusivos, que destroem ainda mais a autoestima e a capacidade e prontidão para o autoconhecimento.
Transferência analítica
Neste caso a transferência sempre é devastadora para a manutenção da análise, porque o vínculo com o analista é mais forte do que o com a análise. Se o analisando não conseguir compreender que a análise é mais importante do que o analista e que ele tem que enfrentar o complexo dominante, junto com o analista e no processo psicoterapêutico, mais uma vez acontecerá a frustação.
E, como no mito de Sísifo, partirá para um novo recomeço, por um novo caminho, mas com a mesma pedra, que é o complexo materno negativo e o dinamismo do puer aeternus constelado na personalidade. Sempre com o objetivo de seduzir o novo analista na figura da futura mãe que brevemente será abandonada, como defesa contra fóbica ao abandono original.
WALDEMAR MAGALDI FILHO, Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana; Psicossomática e Homeopatia. Mestre e Doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: Dinheiro, saúde e sagrado – Ed. Eleva Cultural. Coordenador e professor dos cursos de Pós-graduação lato sensu que titula especialistas em Psicologia Junguiana; Psicossomática e Arteterapia e Expressões Criativas, oferecidos pelo IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa.
Waldemar Magaldi Filho – 19/03/2019
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