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Envelhecimento: vivê-lo ou negá-lo?

Envelhecimento: vivê-lo ou negá-lo?

Há vários anos, uma campanha sobre a marcação de assentos preferenciais para idosos no metrô de Belo Horizonte (MG) chamou-me muito a atenção. Ela trazia o rosto bastante enrugado de uma senhora bem velhinha e um texto poético que dizia: “Lembranças marcam; experiências marcam; amores marcam; o tempo marca; e o metrô também”. As marcas naquele rosto de fato emanavam uma beleza carregada de história e afeto. Temos olhos para apreciá-la, se vivemos fugindo delas e combatendo-as o máximo possível?

O padrão estético atual vai na direção contrária, buscando vender o sonho da eterna juventude, através de cremes, esfoliações e procedimentos cirúrgicos que prometem suavizar ou acabar com as rugas e linhas de expressão, muitas vezes trazendo no nome o termo “antissinais”. Algumas pessoas ficam esticadas ao ponto de não transparecer mais no rosto as suas emoções. E até que ponto elas não estão paralisadas de fato pelo medo das marcas da idade e do que representam: tornar-se idoso?

O objetivo deste artigo não é esgotar o complexo tema do envelhecimento, mas abordar algumas características dessa fase, com a orientação das seguintes questões: qual o sentido desta etapa da vida, o que lhe é próprio e como vivenciar os paradoxos que atravessam o processo de envelhecer?

Ladeira abaixo

A velhice é a última fase do ciclo da vida, caracterizada por alterações biopsicossociais. A pessoa vai perdendo a autonomia, a independência, a memória, as capacidades físicas, e a capacidade de se relacionar às vezes fica comprometida. Muda a relação com o tempo, com o mundo e com sua história. Pode atribuir novos significados a fatos antigos e colorir com novos matizes sua existência (cf. ROMANO, 2020).

Entre as alterações psicológicas que costumam ocorrer no envelhecimento, estão: dificuldade de se adaptar a novos papeis, falta de motivação, necessidade de trabalhar as perdas (orgânicas, afetivas, sociais), baixa autoimagem e autoestima. Na nossa cultura pós-moderna há um sofrimento social intenso porque se valoriza juventude, aparência física, dinamismo. A depressão acontece frequentemente no envelhecimento, podendo-se chegar ao suicídio.

Para Jung (2018a, §787), “o ser humano não chegaria aos setenta ou oitenta anos, se esta longevidade não tivesse um significado para a sua espécie.” Ele questiona: “Se atribuímos uma finalidade e um sentido à ascensão da vida, por que não atribuímos também ao seu declínio? Se o nascimento do homem é prenhe de significação, por que é que a sua morte também não o é?” (2016, §803)

A pessoa que envelhece, querendo ou não, prepara-se para a morte, e os pensamentos sobre ela vão se acumulando cada vez mais. É preciso dedicar atenção à interioridade e ao que surge nela. Jung considera melhor olhar para a morte como uma meta para a qual devemos sempre tender, pensar nela como uma transição, um processo vital cuja extensão e duração escapam inteiramente ao nosso conhecimento. Para ele, voltar-se contra a morte é algo de anormal e doentio que priva a segunda metade da vida de seu objetivo e sentido.

Pode, no entanto, acontecer de que, assim como na juventude se recue por medo da vida, na velhice o mesmo medo invada e leve a recuar da morte. Em ambos os casos, é claro, não se pode deter o curso da vida, só perder o melhor dela.

Um jovem que não luta nem triunfa perdeu o melhor de sua juventude, e um velho que não sabe escutar os segredos dos riachos que descem dos cumes das montanhas para os vales não tem sentido, é uma múmia espiritual e não passa de uma relíquia petrificada do passado. […] Pobre cultura aquela que necessita de tais fantasmas! (JUNG, 2016, §801)

Antes de morrer

O sentido do envelhecimento é a morte. Viver com sabedoria esta etapa da vida supõe acolher seu arquétipo principal, o Arquétipo da Morte. A morte mobiliza o fim, traz perda e luto. Mas também, psiquicamente, varre aquilo que passou e prepara o lugar para o novo. Portanto, ela fecha e abre, colocando a pessoa diante do essencial, do que realmente importa, que a traça não corrói e ladrão algum leva (Cf. Mt 6,20), que o dinheiro não compra. As marcas citadas poeticamente na campanha do metrô de BH falam exatamente disso.

A preparação para a morte supõe o cultivo da conexão com o essencial, que condiz com as imagens que vão surgindo no interior da pessoa, sobretudo em sonhos, ligadas a mudanças de localidade, viagens e semelhantes, que são símbolos de renascimento (Cf. JUNG, 2016, §809). “O processo tanatológico começara […] muito antes da morte real. Aliás, observa-se isto, frequentemente, também na mudança peculiar de caráter que precede de muito a morte.” Para Jung, o interesse do inconsciente é que a consciência se coloque numa atitude de conformidade com o processo de morrer. O renascimento psíquico supõe, portanto, deixar morrer, soltar as amarras e apegos ao passado.

Infelizmente a nossa cultura, que valoriza em demasia a exterioridade, a aparência e o consumo, não tem ajudado em nada o caminho de interiorização e descida. “Onde está a sabedoria de nossos anciãos? Onde estão os seus segredos e as suas visões? Quase sempre a maioria de nossos anciãos quer competir com os jovens”, já afirmava Jung em 1930 (2016, §788).

Atualmente, o mercado, tendo percebido o envelhecimento da população brasileira, oferece várias opções para as pessoas 60+. A indústria estética apresenta soluções inovadoras para os sinais visíveis do tempo; a moda encontra formas de rejuvenescer a aparência; profissionais de educação física, fisioterapia e nutrição especializam-se nesta etapa para buscar prolongar um certo vigor e boa forma; multiplicam-se baladas anos 80 e outras formas de diversão jovial para os que não se consideram idosos, apesar da idade. Tudo isso pode ser muito bom até o ponto em que contribui para envelhecer com beleza, alegria e saúde. Mas quando o limite do saudável é ultrapassado e as ofertas do mercado — bem caras, por sinal — tornam-se ilusões que fomentam a negação e a fuga da realidade do envelhecimento?

A imagem arquetípica da eterna juventude, do puer aeternus, bem característica da atualidade e que surge aqui também quer contrastar com o velho ranzinza, muito presente no imaginário e cujas características aparecem no senex negativo descrito por Hillman em O livro do puer (1999, p. 27-37). Pessimista, frio, apegado à ordem e avesso à mudança, duro, às vezes até tirânico e misógino — o Velho Rei. Para o autor, o problema está exatamente nesta polaridade, na separação entre puer e senex: “o senex negativo é o senex separado de seu próprio aspecto puer. Ele perdeu sua ‘criança’.” (p. 33)

O que faz a união dos dois aspectos não é toda essa busca exterior pelo elixir da juventude, mas a alma. Ouvir os chamados de dentro, sobretudo nesta fase, não é nem um pouco fácil, ainda mais quando essa voz dinâmica e turbulenta aponta a direção do fluxo da vida, e esta é a morte. Mas só aí é possível viver a própria vida na fase em que ela está — a única que existe —, deixando surgir o senex positivo ou Velho Sábio. Que atitude pode colaborar com essa transformação?

O que o coração espera

Jung (2018b, §§ 404-405) descreve o arquétipo do Velho Sábio como aquele que provoca a reflexão, faz as perguntas importantes e sabe os caminhos que conduzem à meta, avisando dos perigos e de como enfrentá-los. É uma manifestação do arquétipo do espírito, que dá à pessoa criatividade, perseverança, entusiasmo e inspiração (cf. 2018b, §393).

Não à toa o cultivo da espiritualidade, se importante em todas as fases da vida, é fundamental na segunda metade, e sobretudo no envelhecimento. Como a morte vem varrendo todo o passageiro, deixa evidente o que não passa, o que é essencial, o sentido e significado, ligado ao amor, à experiência, à sabedoria do tempo, as marcas de vida — isso é o que deve ser valorizado e cultivado.

Além disso, surge no íntimo de quem não nega o processo uma esperança, quase uma certeza interior de que a vida não acaba simplesmente e ponto final, de que algo de alguma forma permanece. Se não é possível nem afirmar nem negar a continuação da vida além da morte, pode-se observar, no entanto, que essa ideia, prometida por todas as grandes religiões, sempre esteve presente na história da humanidade e parece mais condizente com a nossa psique.

Se alguém, portanto, extraísse da necessidade do próprio coração, ou da concordância com as lições da antiga sabedoria da humanidade, ou do fato psicológico de que ocorrem percepções “telepáticas”, a conclusão de que a psique participa, em suas camadas mais profundas, de uma forma de existência transespacial e transtemporal e que, por consequência, pertence àquilo que inadequada e simbolicamente é designado pelo nome de “eternidade”, o único argumento que a razão crítica lhe poderia opor seria o non liquet (não está provado) da ciência. Tal pessoa, além disso, possuiria a inestimável vantagem de estar de acordo com uma inclinação presente na psique humana desde tempos imemoriais e universalmente existente. (JUNG, 2016, §815)

A ideia de uma vida depois da morte é simbólica, faz parte dos pensamentos das imagens primordiais mais antigos e eternamente vivos, que passam de geração em geração e constituem os fundamentos de nossa alma. Só é possível viver a vida em plenitude quando estamos em harmonia com esses símbolos, e voltar a eles é sabedoria.

As imagens de renascimento que vêm nos sonhos, citadas anteriormente, estão ligadas a uma viagem. Elas se conectam à viagem derradeira, para a qual a morte é a passagem ou o portal, mas uma viagem que começa já no despertar das ilusões que a sociedade de consumo fomenta, para enxergar a alma nos sulcos das incômodas marcas de idade cravadas na pele. Quem sabe se possa entrar pelas rugas, cabelos brancos, perda de vigor, sintomas e fazer o caminho de descida ao profundo de si, interiorizando a dor ou na dor para aprender a única atitude possível para viver bem essa etapa da vida: entregar-se! Aliás, e não será esta a atitude para todas as etapas, o grande ensinamento do Velho Sábio e da Velha Sábia para qualquer pupilo que deles se aproxime?

Tania Pulier — analista em formação/IJEP

Lilian Wurzba — analista didata/IJEP

Com o agradecimento a Ludmylla Verly, da CBTU-MG, pela colaboração com o resgate da campanha do metrô de BH sobre o Estatuto do Idoso

Referências:

BÍBLIA. Português. A Bíblia. 3.ed. Tradução ecumênica. São Paulo: Loyola, 1995.

HILLMAN, James. O livro do puer: ensaios sobre o Arquétipo do Puer Aeternus. São Paulo: Paulus, 1999.

JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica.14.ed. Petrópolis: Vozes, 2016.

___. A natureza da psique. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2018a.

___. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 11.ed. Petrópolis: Vozes, 2018b.

ROMANO, Lia Rachel. Psicossomática e envelhecimento. 2020. 71f. Apostila de aula. Ijep: São Paulo, 2020.

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