É necessário diferenciarmos o fato de uma pessoa lutar para conquistar algum objeto de desejo ou lutar para alcançar seus ideais, quando feito com respeito e ética humana e ecológica, da inveja que é uma doença psicoafetiva altamente destrutiva devido seu acentuado estado de egocentrismo. Para o cristianismo a inveja é um dos sete pecados capitais porque o invejoso é aquele que deseja que o outro deixe de possuir aquilo que ele não se sente capaz de ter, chegando até a destruir a conquista do outro, ou o outro conquistador quando a doença fica mais agravada. Muitas vezes a inveja é confundida com a cobiça, que é o querer para si muita mais do que os demais.
Freud, a meu ver, criador de uma teoria pansexual afirmando que toda criança é um polimorfo perverso em busca da realização de sua pulsão sexual, não consegue se desvencilhar da arcaica e machista visão aristotélica sobre a mulher, conceituando-a incompleta tomada por sentimentos histéricos devido à inveja do pênis. O postulando de Freud é que as mulheres se sentem sujeitos castrados – sem falo – sofrendo os efeitos dos sentimentos de inferioridade e inveja. Jung, entretanto, elaborou a noção dos arquétipos de animus e anima, contrapontos sexuais da mulher e do homem respectivamente, deixando de lado os complexos de castração e inferioridade, separando a inveja das questões de gênero e da sexualidade.
Alfred Adler foi o primeiro psiquiatra a usar o termo complexo de inferioridade para designar sentimentos de insuficiência e até incapacidade de resolver os problemas, o que faz com que a pessoa se sinta fracassada, devido a sentimentos de baixa auto-estima, geralmente originados pela falta de autoconhecimento. Ele também associou esse complexo com as atitudes patológicas da inveja, afirmando que, para superar essa fraqueza surge o desejo ardente de poder.
Estas são as razões de vermos, em muitas instituições, principalmente aquelas que possuem forte esquema hierárquico e um certo protecionismo e estabilidade, como as religiosas, acadêmicas, políticas, militares ou em órgãos estatais, indivíduos medíocres que, ao assumirem um posto hierárquico de superioridade, tornam-se verdadeiros déspotas com seus subordinados que venham demonstrar autonomia, ideias próprias e podem ameaça-lo. Mas, quando vamos analisar a vida dessas pessoas, fora da persona de empoderamento, são indivíduos que se sentem fracassados. Obviamente, com seus superiores, portam-se como vassalos e bajuladores subservientes.
O progresso tecnológico da humanidade acabou estimulando a competitividade como forma de crescimento e diferenciação. Com isso, os padrões de moralidade humana declinaram, dando espaço para que a inveja se instalasse perniciosamente na nossa cultura, por acentuar os sentimentos de inferioridade e exclusão. Por outro lado, se passarmos a viver a vida praticando o autoconhecimento, estaremos conscientes, tanto dos nossos limites quanto o dos outros, por ficarmos capacitados em transformar a competição em cooperação, além de aprendermos aproveitar as oportunidades, mesmo diante do fracasso, reconquistando a motivação pelas conquistas sem o teor da inveja pela vitória do outro.
Para isso é necessário compreendermos que a vida não é uma competição, e sim um aprendizado para a nossa própria auto-superação. Devemos aprender que os fatos em si não derrotam ninguém, e sim a forma de como reagimos aos fatos é que produzem os fracassos. Devemos aprender com as dificuldades, esta é o melhor método psicoterápico. Existe, entretanto, no invejoso uma compulsão de que se uma pessoa se destaca em alguma atividade, por mais simples que possa parecer, ele está sempre pronto para criticar e tentar minimizar o sucesso de seu próximo, como descreveu Ovidio (43 à17 a.C.):
“A Inveja habita no fundo de um vale onde jamais se vê o sol. Nenhum vento o atravessa; ali reinam a tristeza e o frio, jamais se acende o fogo, há sempre trevas espessas(…). Assiste com despeito aos sucessos dos homens e este espetáculo a corrói; ao dilacerar os outros, ela se dilacera a si mesma, e este é seu suplício”. [Metamorphoses livro II., pg. 770]
A inveja produz sentimentos destrutivos, associados à ira ou raiva, porque o invejoso se sente o merecedor da conquista da outra pessoa, achando que ela invadiu o seu espaço. Ele não percebe sua incapacidade ou inércia, sendo capaz de investir muita energia para boicotar, “fofocar”, mentir, inventar ou preparar armadilhas a fim de destruir o outro, iludido em provar, ao menos hipocritamente para si mesmo, que ele é melhor, embora no seu íntimo, sente-se menor do que os outros.
Geralmente o invejoso se vangloria, enaltece-se, fala excessivamente bem das próprias coisas, pois dessa forma abranda seu mal-estar, procurando diminuir o outro através de crítica. Não percebe, muitas vezes, as suas frustrações, e é como se elas não existissem, porque logo está pronto para realizar mais um feito de diminuição, de descaracterização, na tentativa de burlar suas próprias angústias. Pode ser que esse processo venha da convivência no ambiente familiar, onde comparações são freqüentes, sem contar que a mídia propaga processos agressivos de comparação entre as várias marcas dos produtos apresentadas.
A melhor solução pode estar na forma de utilizar e de encarar a inveja, que visualizada em termos comparativos pessoais de evolução, do antes e depois, do ontem e do hoje, deixa de ser inveja, tornando-se uma identificação projetiva ou ideativa que pode virar um auto-estímulo de crescimento. Isto é, o padrão de comparação deixa de ser externo e passa a ser interno. O não invejoso vê no objeto de desejo, a satisfação, quando conquistado por méritos próprios, e não quando é feita em cima da conquista do outro, através de métodos antiéticos de destruição.
Os invejosos estão sempre provocando, escarnecendo e criticando àqueles que invejam, e quando a patologia chega aos extremos, chegam a praguejar, desejando ao invejado as piores desgraças. Se não podem fazê-lo diretamente, o fazem através de outros (falando mal, denegrindo, desvalorizando), mas sempre com a certeza de que atingirão seu alvo. O invejoso tem dificuldade para encontrar o que elogiar, ou valorizar nas outras pessoas, assim como é comum encontrar sempre uma razão para duvidar daqueles que estão à sua volta com o objetivo de derrubá-los. A pessoa invejosa acha tão difícil suportar que o outro tenha alguma coisa boa que ele não pode reconhecer ou usar aquela pessoa como modelo, duelando com ela, ao invés de tentar fazer um dueto cooperativo.
Temos a passagem do Novo Testamento, em João 9:22 a 30, a descrição de que os fariseus estavam cegos de inveja pelo ato de jesus ter curado o cego. Tudo leva a crer de que eles gostariam de ter as capacitações, habilidades e conhecimentos de Jesus, que lhe conferiam autoridade, e não poder, por isso Ele representa o amor e a generosidade, atributos que os invejosos criticam, desprezam e até desqualificam. Nesta passagem queriam desqualificar o milagre realizado porque ele aconteceu num sábado, e este dia não é para isso! Isso nos faz refletir a respeito da cegueira que impede os invejosos ver valores no outro.
No filme Amadeus temos uma das melhores representações de inveja, protagonizada por Salieri, que não aceitava como aquele jovem tolo tinha tanta capacidade musical. Na realidade, para ele, era muito difícil ver a generosidade de Mozart distribuindo sua genialidade de forma livre.
Espero que, apesar de suscinto e com pouca explanação teórica ou acadêmica, este pequeno texto possa colaborar com a ampliação do conhecimento a respeito deste aspecto do jogo das sombras, onde projetamos nossos conteúdos inconscientes no entorno relacional.
Waldemar Magaldi Filho – Analista didata do IJEP – Coordenador dos cursos de pós-graduação, lato sensu, que titulam especialistas em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Arteterapia e Expressões Criativas