Resumo: No meu texto, exploro a capacidade compensatória da psique diante da morte, especialmente na abordagem terapêutica junguiana. Destaco a relevância da terapia nesses momentos críticos, revelando o caminho compensatório do inconsciente. Compartilho um caso clínico ao analisar uma sequencia de seus sonhos, percebo a busca do inconsciente por significados e a representação simbólica da morte.
Destaco a necessidade de paciência na prática junguiana, respeitando os processos individuais. O último sonho revela um momento de aceitação e continuidade da vida após a perda, destacando a função compensatória e pedagógica dos sonhos. Concluo ressaltando a importância dessas experiências na reflexão dos caminhos futuros.
Quero trazer uma reflexão sobre a capacidade compensatória e reparadora que existe em nossa psique, principalmente em momentos de grande tensão como a partida repentina de um ente querido. Em muitos momentos, a morte acontece de forma abrupta e inesperada, de tal forma que o acontecimento nos deixa sem chão. O trabalho no consultório nos oferece uma abertura não só para vivenciar o caminho compensatório que o inconsciente escolhe para ajudar a pessoa, como também testa o próprio analista em sua fé diante das incertezas com as quais precisamos lidar.
Não é possível oferecer uma certeza para quem procura a terapia junguiana, mas é possível oferecer um caminhar junto e torcer para que o melhor possa acontecer durante esse caminhar.
Von Franz, ao acompanhar alguém diante do final da vida, destaca que o inconsciente continua sua busca pelo desenvolvimento e explica que:
A história que quero trazer para essa reflexão foi vivenciada no contexto analítico na minha prática clínica. Um jovem de 24 anos chegou ao consultório muito abalado por conta da morte da ex-namorada. Apesar de fazer algumas mudanças para preservar a identidade do cliente, também tenho sua permissão para trazer sua experiência na elaboração deste luto neste artigo.
Há trinta dias, tinha recebido a notícia da morte da ex-namorada após o término da relação. Ele não se sentia feliz e, por isso, resolveu terminar. Esse é o primeiro problema, pois um dos questionamentos era: e se eu não tivesse terminado, a morte poderia não ter acontecido? Eu lhe expliquei um pouco a forma como eu trabalho e, por isso, sugeri que passasse a anotar seus sonhos. Na semana seguinte, chegou com o seguinte sonho:
“Do alto de um morro eu vejo minha ex-namorada caminhando em direção a um campo de trigo, logo atrás um objeto incandescente ia queimando o campo até que ela desaparece junto com todo campo, me desespero e choro como uma criança.”
Aquele sonho mexeu muito com ele, apenas o colocou mais ainda intensamente diante daquela dor
E as reflexões foram várias diante deste sonho, mas a pergunta que mais mexeu com ele era sobre qual parte dele estava sendo representada naquele sonho. Dentro de uma visão mais religiosa, ficaríamos apenas com o entendimento de que poderia ser uma possível mensagem de quem já partiu, o que até poderia ser de fato, se isso faz sentido para o indivíduo, mas dentro da visão junguiana precisamos considerar qual é a intenção do inconsciente. Por que a psique dele estava usando aquela imagem? Von franz analisa um sonho parecido e cita Jung para explicar algo que pode nos dar uma chave para entendermos o sentido destes sonhos:
Não foi nenhuma mera coincidência o fato de o inconsciente escolher a imagem de uma floresta para descrever a destruição do corpo mortal. Segundo Jung, a floresta simboliza aquela região da psique inconsciente onde essa derradeira instância se funde com os processos fisiológicos no corpo.
Jung entendia que o inconsciente não se importava com a morte, pois lidava com a morte como se nada tivesse acontecido.
Ainda sobre o sonho, não podemos nos esquecer da explicação dada por Von Franz, que “Osíris, o deus egípcio da morte, com quem todos os mortos se fundem após o fim, chamava-se ‘trigo’” (VON FRANZ, 1995, p. 85).
Imediatamente em seguida foram muitos sonhos com a ex-namorada, sonhos que retratavam uma vida normal, como se nada tivesse acontecido, o que eu quero dizer é que para mim a ex ainda continuava viva, pelo menos dentro dele. De certa forma, isso lhe trouxe conforto e abriu espaço para se trabalhar outras coisas importantes, que diziam respeito exclusivamente à sua vida, à forma como ele estava se vendo diante do mundo. Foi preciso olharmos para a relação com os pais, com o irmão, sua relação com o trabalho e como ele iria viver a vida daqui para frente. Durante semanas, os sonhos se repetiam com o mesmo conteúdo onde ele continuava a namorar.
São momentos como estes que aprendemos a ter paciência, a confiar que existe algo acontecendo que está muito além dos nossos olhos.
A prática junguiana é um processo colaborativo. O analista e o paciente trabalham juntos para entender a psique do paciente. O analista fornece orientação e apoio, mas o paciente é o responsável pelo seu próprio processo de desenvolvimento. O que nos cabe é ser um espelho menos deformado possível. O analista precisa ser capaz de suportar as suas incertezas e incapacidades, pois não se trata de ser um indivíduo super capacitado e perfeito, trata-se de ser um ser humano com as mesmas dores que qualquer outro. Precisamos confiar e nos esforçar para respeitar os sonhos, Jung explica que:
O ponto alto deste processo todo foi o último sonho desta série que eu passo a reproduzir aqui na íntegra:
Quando ele termina de contar esse sonho, ficamos parados em silêncio por um longo período, durante um tempo ninguém tinha coragem de pronunciar uma palavra sequer, mas dentro, pelo menos, dentro de mim, um turbilhão de emoções me tomava. Não conseguia deixar de pensar no belo trabalho que o inconsciente produziu. O que fica claro para mim é que precisamos permitir e dar espaço para que o inconsciente faça sua parte, porque é ele que irá possibilitar a nossa verdadeira realização.
Talvez essa seja uma metáfora que podemos usar da alquimia, nós precisamos ser o mestre de obra que constrói o laboratório para que este grande mestre alquimista chamado self possa fazer suas operações.
Este é um exemplo de como a psique humana, em momentos de profunda dor e perda, busca meios simbólicos para lidar com a complexidade da existência e da morte.
Cada sonho, cada imagem, torna-se uma tela onde o inconsciente pinta seus próprios quadros, tecendo significados e ressignificando a vida daquele que fica. Essa vivencia serve para confirmar o quanto que os sonhos, além de compensatórios, possuem características pedagógicas e de possibilitar a reflexão dos caminhos futuros.
Daniel Gomes – Analista em formação pelo IJEP
Waldemar Magaldi – Analista Didata IJEP
Referências:
JUNG, C. G. (2012). Psicologia do inconsciente. Petrópolis: Vozes.
VON FRANZ, M. L. (1995). A morte a luz da psicologia. São Paulo: cultrix
Canais IJEP:
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