Para a maioria das pessoas, talvez a avaliação em psicologia seja percebida como algo recente, ligado às demandas mais cotidianas, como os testes psicométricos para a obtenção de carteira nacional de habilitação no Brasil ou o diagnóstico de transtornos neurobiológicos como o do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), que sinaliza aos pais e estabelecimentos escolares os caminhos para se lidar com uma dada criança. No entanto, a avaliação, bem como o desenvolvimento de instrumentos, parece fazer parte e representar um avanço do futuro da Psicologia Junguiana. Será?
Pesquisa, ensino, prática e projetos de extensão ou clínicas sociais costumam ser pilares de muitos campos do conhecimento, incluindo o da psicologia junguiana. Avaliações e testes psicométricos, em particular, representam “uma área central da ciência psicológica porque permite a objetivação e operacionalização de teorias psicológicas” (PRIMI, 2010).
Psicometria na psicologia
Se tomarmos o inglês Francis Galton (1822-1911) como o pai da psicometria, podemos compreender melhor um pouco da gênese desta disciplina. Galton era primo do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) e, portanto, estava mergulhado no espírito evolucionista da época. Antes dele, as diferenças individuais não eram observadas como um fenômeno digno de estudo.
“O trabalho de Galton a respeito da herança mental e das diferenças individuais da capacidade humana incorporou efetivamente o espírito da evolução da nova psicologia.” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009, p. 121).
Se por um lado Galton se dedicou a encontrar maneiras de quantificar os dados e analisá-los numa perspectiva estatística, por outro ele também lançou grandes sombras sobre o campo: isso porque desenvolveu a noção de eugenia, isto é, as bases da teoria que busca produzir uma seleção baseada em leis genéticas nas coletividades humanas. Em seu livro O gênio hereditário, de 1869, Galton defende a tese de que “um homem notável teria filhos homens notáveis.”
SCHULTZ; SCHULTZ, 2009, p. 123
Como destacam Schultz e Schultz, naquele tempo “as filhas tinham pouca oportunidades de se destacar, a não ser por meio do casamento com algum homem importante” (2009, p. 123).
Neste quesito, podemos confrontar esta questão com a noção de epistemicídios baseados em quatro genocídios no Ocidente, no qual se insere o da mulher, proposta por Grosfoguel (GROSFOGUEL, 2016), entre outros.
Diferenças individuais x padrões nas avaliações
Um aspecto importante trazido por Primi é a relação entre as diferenças individuais e os padrões observados nas avaliações psicométricas:
Observa-se que os conceitos fundamentais da abordagem psicométrica (traços) são ancorados nas dimensões interindividuais que explicam consistências comportamentais. Abstraem-se as dimensões psicológicas a partir da análise da semelhança entre variáveis interindividuais. Por exemplo, se, dentro de um grupo de pessoas, observa-se que elas diferem em suas capacidades cognitivas, mas as mais habilidosas são igualmente boas em guardar nomes, rapidez de leitura, comunicação verbal e escrita (variáveis observadas), pode-se, a partir disso, inferir uma dimensão que poderia se chamar capacidade verbal (variável latente).
Portanto, a atenção volta-se às variáveis abstraídas dos indivíduos. Nesse modelo, observa-se as diferenças individuais e, pela semelhança entre as variáveis (por meio das correlações entre elas), abstrai-se um conceito. Essa abordagem constitui-se como mais analítica ao buscar definir as dimensões da personalidade, descobrindo-as uma a uma, de forma a segmentar o indivíduo em seus elementos estruturais por meio de observações das diferenças individuais dentro de grupos, de forma a construir um sistema taxonômico que, subsequentemente, será utilizado para descrever um indivíduo de maneira mais completa. Assim, retomando a analogia de Cattell (1965), essa abordagem, ao olhar para a floresta, focaliza a atenção nos jacarés.”
PRIMI, 2010
Aspectos individuais na psicologia
Outro aspecto relevante trazido por Primi é em relação à comparação com uma segunda abordagem, que prima pelo aspecto individual e, portanto, ancorada em estudos de casos:
Em outro extremo, encontra-se a segunda tradição, o estilo impressionista, oriundo do modelo clínico que tem como foco o indivíduo e estudos de casos.Nessa tradição, busca-se compreender mais profundamente o indivíduo, considerando todas as variáveis disponíveis sobre a pessoa, bem como sua interação na configuração de um padrão individual único.
Muitas vezes, entende-se que essa configuração é tão única que dificilmente se repetirá em outra pessoa, derivando-se daí a noção do idiossincrático. Um ponto importante a ser destacado refere-se ao fato de que os conceitos fundamentais dessa abordagem mais clínica (táxons) estão ancorados em configurações intraindividuais que são usadas para explicar e entender o sujeito.
Retomando a analogia, essa abordagem focaliza a atenção na floresta, incluindo tudo o que a compõe, não somente o jacaré mas também todas as outras formas lá existentes que interagem com ele.”
PRIMI, 2010
Primi estabelece uma comparação das duas abordagens, ao dizer que:
O estilo de pensamento mais clínico e impressionista encontra-se na origem das técnicas projetivas, por exemplo, ao enfatizar interpretações mais holísticas e flexíveis e ao considerar de maneira mais livre o conjunto de variáveis expressas, de maneira a buscar a formulação de entendimentos mais amplos sobre a pessoa. Os exemplos contraditórios das predições nomotéticas da abordagem psicométrica (…) são enfatizados, sugerindo que os métodos mais psicométricos empobrecem a avaliação e não dão conta de entender toda a complexidade individual.
Por outro lado, o estilo de pensamento mais psicométrico, que deu origem às escalas de autorrelato e aos testes de inteligência, afirma-se por meio do embasamento empírico e pelos procedimentos mais sistemáticos que culminam em um sistema taxonômico descritivo mais objetivo e sustentado, criticando outras abordagens justamente pela ausência desses elementos.
Concordo com Primi quando ele defende que “(…) as duas abordagens não são contrárias, mas sim complementares”.
De toda forma, como crítica à tradição clínica ligada à psicanálise junguiana, onde me insiro há quase uma década, posso dizer que de fato a complementaridade das duas vertentes seria extremamente interessante.
A meu ver, e baseado na minha experiência pessoal (ela pode evidentemente diferir em outros terapeutas), um analista junguiano brasileiro tem uma forte formação teórica, que se concentra nos em geral dois anos de especialização em aprender os conceitos fundantes da escola, como sombra, arquétipos (caso de anima e animus) e self, entre outros.
Na formação seguinte, de até seis anos, como analista junguiano propriamente dito, a ênfase recai no aprofundamento de estudos de casos. O que é solidamente apoiado em supervisão individual, supervisão em grupo, terapia e grupos de estudos e cursos mais específicos, como o de Psiquiatria clínica, diagnóstico, terapêutica contemporâneos e a psicopatologia simbólica oferecido pelo Ijep, entre outros. Ao menos no Brasil, contudo, não há o treino dos analistas no uso de métodos avaliativos. Em novembro de 2021, em artigo intitulado A pesquisa em psicoterapia, que aliás hoje eu mudaria para A Pesquisa em Psicologia Analítica Junguiana, eu já apontava esta questão.
Métodos avaliativos na psicologia
E também como a meca da formação junguiana, o C.G. Jung Institute, localizado em Küsnacht, na Suíça, estava sendo pressionada pelo Federal Office of Public Health (FOPH), Escritório Federal de Saúde Pública da Confederação Suíça, a dedicar mais tempo e recursos na formação de analistas por meio da incorporação de métodos avaliativos (MARTINEZ, 2021). Em reação à esta demanda das autoridades locais, o instituto ajustou-se da seguinte forma:
[…] a partir de 1 de outubro de 2021, os novos pacientes do ambulatório do Instituto C.G. Jung, em Zurique, receberão a aplicação de dois instrumentos. O primeiro é o formulário de avaliação HoNOS (Health of the Nation Outcome Scale para pessoas na faixa etária de 18 a 64 anos), bem como suas variantes etárias, o HoNOS-CA (para crianças e adolescentes) e o HoNOS 65+ (para pessoas com mais de 65 anos), com respectivamente 12, 13 e 12 itens). Estes instrumentos permitem aferir o comportamento, deficiências, sintomas e funcionamento social do paciente, tendo sido idealizados pelo Royal College of Psychiatrists, do Reino Unido.
Para iniciar o tratamento, o paciente receberá para preencher em casa um segundo instrumento, a folha de autoavaliação BSCL (Brief Symptom Checklist, com 53 questões em 10 escalas). O uso destes dois instrumentos tem como proposta oferecer, ao terapeuta, informações básicas sobre a saúde física, emocional e mental do paciente. Estarão sendo utilizados também ao término do tratamento, permitindo refletir sobre o percurso do mesmo.”
MARTINEZ, 2021
Avaliação descritiva
A ideia não era a de que fosse feito um diagnóstico por meio dos instrumentos, o que iria na contramão da tradição junguiana de acolher os sintomas como um dos pilares para se compreender a expressão da estrutura psíquica. Mas sim como uma avaliação descritiva, que estaria alinhada com esta visão e daria suporte à ela. O uso de instrumentos no C. G. Institute, portanto, estava estimado para ser feito de forma paulatina, por meio do treinamento dos formandos, respeitando os princípios estabelecidos por Jung:
Em adição, a partir de 1º de janeiro de 2022, todos os alunos dos programas de formação do Instituto C. G. Jung em Zurique, que trabalham com pacientes como parte de seu estágio, deverão igualmente ser treinados em usar esses dois instrumentos. Os dados recolhidos serão usados pelos alunos para os relatórios de caso que devem apresentar para os exames de diploma e a Comissão de Pesquisa do Instituto Jung.
MARTINEZ, 2021
Pesquisa de campo e psicologia
O que nos leva a outro ponto importante de discussão: a pesquisa de campo, que poderia incrementar a discussão de estudos de caso clínicos por meio da incorporação de resultados de dados colhidos por instrumentos como os que o C. G. Jung Institut está implementado. Como eu havia esboçado em 2021:
A Psicologia Junguiana tem muitos pontos fortes, mas ao menos um ponto frágil em relação às outras abordagens: a pesquisa. Para fins de comparação internacional, se pesquisarmos no portal PubMed® o termo “acceptance and commitment therapy”, uma das modalidades da comportamental, obtemos o resultado de 1.297 textos completos (no período 1975-2021). Já para “jungian psychology” são 33 resultados (1973-2021) e 45 para “depth psychology”, se quisermos rastrear outro nome pelo qual esta escola também é chamada.
O PubMed”, como se sabe, é um mecanismo de busca da base de dados MEDLINE, que congrega mais de 33 milhões de citações e resumos de artigos científico em biomedicina, sendo ligado à National Library Medicine, a Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos.
Podemos dizer, portanto, que pesquisa em psicoterapia em geral tende a ser vista com cuidado pela própria natureza humana que envolve, mas que em outras áreas da Psicologia ela ocupa um espaço significativamente maior e, por extensão, recebe mais aportes de financiamento para a condução de novos estudos. Trata-se do axioma Tostines. Quem tem mais idade talvez se lembre do slogan da bolacha Tostines: “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais?”
MARTINEZ, 2021
O fato é que parto da hipótese de que integrar em alguma medida ambas abordagens, como está sendo feito pelo C. G. Institute, pode ser benéfico para o atendimento.
Algumas produções científicas recentes apontam nesta direção. Um exemplo é o artigo publicado em outubro de 2022 na revista científica Dreaming, da American Psychological Association (APA).
Ou seja: apresenta um resultado de pesquisa numa revista científica ligada a uma instituição renomada, com bom fator de impacto (2.212 – metade das publicações científicas se situam atualmente entre 2 e 3). Mas, acima de tudo, uma publicação com temática adequada e, portanto, a princípio interessada ter um estudo em psicologia junguiana sobre sonhos.
O título do artigo, em português: Um estudo exploratório da compreensão oriental das experiências de déjà rêvé (já sonhadas) na cultura Kerala-indiana. Como se sabe, déjà vu é uma expressão francesa que significa já visto. E déjà rêvé, já sonhado.
Destaca-se que o artigo é publicado por uma dupla transnacional de pesquisadores. De um lado, Boban Eranimos, psicólogo clínico e pesquisador de Kerala, Índia, que defendeu tese de doutorado naquele país em análise de sonhos. Seus interesses de pesquisa incluem: déjà vu, déjà rêvé, sonhos recorrentes, análise de sonhos, reencarnação e investigação pós-vida. Do outro, um decano do C. G. Jung Institute em Küsnach, Suíça, professor Art Funkhouser, que ministra o curso de sonhos na instituição. A análise do currículo permite ver a coerência entre o estudo e o currículo dos realizadores.
O resumo do artigo, em tradução livre, sugere outros aspectos importantes:
Pesquisas foram realizadas perguntando sobre a incidência de déjà vu em vários países, mas não na Índia. Neste estudo, um questionário foi usado para consultar 500 indivíduos representativos no estado indiano de Kerala para verificar as frequências de incidência de experiências de déjà vu, sonhos precognitivos e experiências de déjà rêvé. As explicações favorecidas para experiências de déjà vu também foram comparadas.
O estudo constatou que as experiências de déjà vu são altamente prevalentes entre os indianos, mas as pessoas com menor escolaridade não têm conhecimento científico do que são chamadas essas experiências. Os homens relataram experiências de déjà vu com um pouco mais de frequência do que as mulheres. A incidência de sonhos precognitivos é comparável à do Ocidente.
Todos os participantes do estudo expressaram uma atitude positiva em relação às experiências de déjà rêvé. Curiosamente, as pessoas mais velhas e mais instruídas eram mais propensas a relatar experiências de déjà rêvé, enquanto os cristãos as relatavam com menos frequência do que os hindus. Os participantes com um nível mais alto de educação estavam mais inclinados a acreditar que o déjà vu é uma ocorrência científica ainda desconhecida, e eram menos propensos a vincular o déjà vu à reencarnação ou transmigração da alma.
O questionário utilizado neste estudo foi bastante direto; no entanto, pode ser melhorado e validado. O estudo atual é restrito às áreas geográficas de Kerala. No futuro, outras partes da Índia poderão ser estudadas e os resultados comparados com os relatados aqui .”
ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022 [1]
Analisamos aqui alguns trechos do resumo:
1 – Relevância:
“Pesquisas foram realizadas perguntando sobre a incidência de déjà vu em vários países, mas não na Índia”. O que evidencia a relevância e também o problema de pesquisa, uma vez que até então o tema não havia sido investigado naquele país.
2 – Uso de instrumento – survey:
Neste estudo, um questionário foi usado para consultar 500 indivíduos no estado indiano de Kerala para verificar as frequências de incidência de experiências de déjà vu, sonhos precognitivos e experiências de déjà rêvé. Ao final do resumo, os autores corretamente apontam o questionário como algo que pode ser aperfeiçoado: “O questionário utilizado neste estudo foi bastante direto; no entanto, pode ser melhorado e validado”.
A leitura do questionário, transparentemente inserido ao final do artigo como um adendo, permite concordar com a afirmação dos autores (ver abaixo), de que de fato ele é sintético, provavelmente para engajar respondentes a conclui-lo. Algumas questões relativas ao perfil sociodemográfico, por exemplo, parecem não contemplar a realidade indiana, como o fato de só haver possibilidade de o respondente declarar que é solteiro/a ou casado/a (excluindo outras possibilidades contemporâneas frequentes de coabitação).
3 – Procedimentos da aplicação do questionário:
Está muito bem descrito, mostrando o passo a passo da aplicação. Segundo o artigo, desenvolveu-se um questionário de pesquisa sobre déjà rêvé baseado na cultura local de Kerala. A seguir, uma primeira tradução do questionário em inglês foi encaminhada para o segundo autor na Suíça, que o revisou. Em seguida, o questionário foi traduzido para o idioma empregado em Kerala, a malaiala (aplicar um estudo em nível nacional na Índia seria tarefa complexa, uma vez que há mais de 18 idiomas oficiais no país, além do inglês).
Após, foi realizado um estudo piloto com 25 participantes, que permitiu aperfeiçoar a versão final. O pesquisador indiano selecionou quatro pesquisadores com graduações em psicologia e mestrado para aplicar o questionário, realizando um treinamento com eles de meio dia para familiarizá-los com a pesquisa. Os assistentes de pesquisa aplicaram o questionário em faculdades, organizações governamentais e não-governamentais, associações, lojas e organizações sociais, políticas e religiosas em seus distritos designados.
Entraram em contato com cada pessoa individualmente para coletar os dados. Os trabalhadores de campo obtiveram um consentimento verbal de cada participante (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 5).[2]
4 – Triagem de participantes:
Um ponto curioso do estudo, cujos critérios teriam que ser revistos no Brasil. Em tradução livre: os dados foram coletados de estudantes, profissionais qualificados, e mulheres trabalhadoras e não trabalhadoras. Participantes com doença psiquiátrica, problemas neurológicos ou doença física e dependência de substâncias, exceto nicotina e cafeína, foram excluídos do estudo (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 5).[3]
5 –Análise estatística:
Foi feita de maneira independente, como aponta os agradecimentos, em tradução livre: Os autores agradecem a Michael Schredl pela sua assistência com a análise estatística e por muitas sugestões que melhoraram este relato” (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 1)[4]
6 – Revisão de literatura feita de forma adequada:
E, mais importante, ela é usada para lastrear a afirmação seguinte: “A incidência de sonhos precognitivos é comparável à do Ocidente”. Este achado só pode ser registrado desta forma por se saber qual é a incidência no mundo ocidental, que foi investigada em estudos precedentes.
Figura 1: Questionário (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022)
7 – Participantes:
A abordagem metodológica está bem descrita, e a aplicação do formulário segue descrita no item procedimentos. E também é difícil para um não indiano entender o valor das rúpias – talvez a conversão para euros ou dólares no momento da coleta facilitaria a compreensão. No dia 14 de novembro, quando este trabalho estava sendo escrito, a rúpia está sendo cotada em 0,066 da moeda brasileira, o real.
Em tradução livre:
“Os pesquisadores coletaram dados de 500 participantes (268 homens, 232 mulheres) residentes em oito distritos de Kerala: 281 participantes dos distritos do norte de Kerala de Kasaragod, Kannur, Wayanad e Kozhikode e 219 participantes dos distritos do sul de Kerala de Kerala Thiruvananthapuram, Kollam, Alappuzha e Pathanamthitta. A distribuição etária foi a seguinte: 18 a 30 anos (N= 170), 31 a 43 anos (N= 137), 44 a 56 anos (N= 118) e 57 a 69 anos (N= 75). Um total de 184 participantes eram hindus, 191 cristãos e 125 muçulmanos. Ao todo, 111 participantes tinham baixa escolaridade (10º padrão e abaixo), 240 intermediária (11º ano a pós-graduação) e 149 eram bem educados (pós-graduação e acima). O nível socioeconômico foi alto para 126 participantes, intermediário para 216 e baixo para 158. A renda foi dividida em três categorias: abaixo de INR 10.000 N = 118), INR 11.000 a INR 25.000 (N = 242) e INR 26.000 ou mais (N= 140). Ao todo, 356 participantes eram casados e 144 solteiros. Um total de 355 participantes viviam com sua família nuclear, enquanto 145 pessoas viviam em uma família conjunta. Ao todo, 175 participantes viviam em áreas rurais, 240 em áreas semiurbanas e 85 em áreas urbanas.”
ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 3 [5].
8 – Instrumento:
Em tradução livre:
“Para este estudo, um Questionário de Experiência Déjà Rêvé (Já Sonhado) foi adaptado para a população de Kerala (veja o Apêndice). O questionário é composto por cinco perguntas. As perguntas foram feitas em entrevista não estruturada, realizada por Boban Eranimos. A frequência de experiências de déjà vu foi eliciada com um item de 3 pontos (“Com que frequência você teve experiências de déjà vu?”: 1 = raramente, 2 = com alguma frequência e 3 = muito frequentemente).
A seguinte definição foi fornecida: “Uma experiência de déjà vu é aquela em que você tem uma sensação repentina de familiaridade e reconhecimento de um evento ou lugar enquanto, ao mesmo tempo, sabe que isso é impossível. Isso muitas vezes é surpreendente e até desconcertante.”
A segunda pergunta (“Com que frequência você teve a sensação de que experimentou algo na realidade que ocorreu em um sonho e percebeu que isso é impossível. nunca, 2 = às vezes, 3 = frequentemente e 4 = frequentemente.
A próxima questão abordou a questão de saber se as experiências de déjà vu surgiram de sonhos (“Quando você tem experiências de déjà vu, você tem a impressão de que elas surgiram de sonhos?”) 1 = nunca, 2 = às vezes, 3 = muitas vezes e 4 = sempre). A atitude em relação às experiências de déjà rêvé foi de forma binária: 1 = atitude positiva (agradável) e 1 = atitude negativa (desagradável). Finalmente, foram levantadas teorias subjetivas de experiências de déjà vu (“Que fonte o sujeito favoreceu para explicar experiências de déjà vu?”).
Os participantes foram instruídos a escolher uma das cinco alternativas: reencarnação, transmigração da alma, experiência fora do corpo, habilidades paranormais e fenômenos naturais, mas desconhecidos.de forma binária: 1 = atitude positiva (agradável) e 1 = atitude negativa (desagradável). Finalmente, foram levantadas teorias subjetivas de experiências de déjà vu (“Que fonte o sujeito favoreceu para explicar experiências de déjà vu?”).
Os participantes foram instruídos a escolher uma das cinco alternativas: reencarnação, transmigração da alma, experiência fora do corpo, habilidades paranormais e fenômenos naturais, mas desconhecidos”
ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 3-4[6].
9 – Procedimentos metodológicos, incluindo análise pelo software SPSS:
Em tradução livre do inglês, registramos a aplicação do software para realização da análise:
“Os softwares SPSS 16.0 e SAS 9.4 foram usados para realizar a análise dos dados. As regressões ordinal e logística foram computadas em SAS com o procedimento “LOGISTIC”, que utiliza um modelo Logit cumulativo. Todas as variáveis (sexo, faixa etária, escolaridade e religião com os dois contrastes “Hindu vs. Cristão” e “Hindu vs. Muçulmano”) foram inseridas simultaneamente no modelo para estudar suas associações com as variáveis de déjà vu independentemente.”
ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 4 [7].
10 – Resultados:
A partir do resumo, o estudo destacou seis achados, que são de fácil compreensão para qualquer pessoa:
- Constatou que as experiências de déjà vu são altamente prevalentes entre os indianos, mas as pessoas com menor escolaridade não têm conhecimento científico do que são chamadas essas experiências;
- Os homens relataram experiências de déjà vu com um pouco mais de frequência do que as mulheres;
- A incidência de sonhos precognitivos é comparável à do Ocidente;
- Todos os participantes do estudo expressaram uma atitude positiva em relação às experiências de déjà rêvé;
- As pessoas com mais idade e mais instruídas eram mais propensas a relatar experiências de déjà rêvé, enquanto os cristãos as relatavam com menos frequência do que os hindus;
- Os participantes com um nível mais alto de educação estavam mais inclinados a acreditar que o déjà vu é uma ocorrência científica ainda desconhecida, e eram menos propensos a vincular o déjà vu à reencarnação ou transmigração da alma.
11. Aportes financeiros:
O estudo é transparente sobre os recursos que possibilitaram a investigação:“Esta pesquisa foi apoiada por uma generosa doação da International Association for the Study of Dreams da Dream Science Foundation” (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 1)[8].
Neste sentido, uma investigação como esta, no campo da psicologia analítica, permite trazer achados importantes, que podem mover outros estudos:
- Uma vez que a pesquisa constata que as experiências de déjà vu são altamente prevalentes entre os indianos, como seriam estas experiências numa cultura latina como a brasileira?
- Diferentemente dos indianos, no Brasil as pessoas com menor escolaridade saberiam o que é uma experiência dèja vu;
- No nosso país, não seriam as mulheres a relatar experiências de déjà vu com um pouco mais de frequência?
- A incidência de sonhos precognitivos é comparável à da Índia, que por sua vez é comparável a do restante do Ocidente?
- Diferentemente do estudo indiano (os cristãos relatavam com menos frequência do que os hindus), os prováveis participantes de um estudo brasileiro expressariam uma atitude positiva em relação às experiências de déjà rêvé num contexto de um país católico que se encaminha cada vez mais para as religiões neopentecostais?
- As pessoas com mais idade e mais instrução seriam igualmente mais propensas a relatar experiências de déjà rêvé.
- Os participantes com um nível mais alto de educação estariam igualmente mais inclinados a acreditar que o déjà vu é uma ocorrência científica embora ainda desconhecida, sendo menos propensos a relacionar o déjà vu a outras tradições, como reencarnação ou vidas passadas?
São problemas, claro, que um novo estudo em psicologia precisaria investigar.
De fato, pensando puramente no caráter estatístico, o estudo que discutimos aqui contou com um bom número de participantes. E também foi conduzido com os cuidados necessários para adaptação cultural do instrumento. Ainda assim, os procedimentos estatísticos empregados, apesar dos esforços, são bem simples se levarmos em conta outros estudos do campo da psicologia. Sem dúvida, contudo, já representa um avanço formidável em vista do que tínhamos até então.
De toda forma, trata-se de um estudo que emprega método avaliativo com análise estatística via SPSS relevante por seu caráter comparativo transnacional. O que permite pensar que mesmo num contexto tão individual quanto o mundo das narrativas oníricas se pode perceber alguns padrões comuns que são compartilhados.
Por derradeiro, destaca-se que o estudo aponta que os resultados se limitam à área de Kerala, no sul da Índia, que possui o mais alto nível de letramento daquele país.
Para finalizar, lembramos que todas estas reflexões devem ser rigorosamente avaliadas e, paradoxalmente, deixadas de lado quando nos sentamos em frente a um outro ser humano em sofrimento.
Como diz Jung:
“É com este problema que o psicoterapeuta sério e consciencioso se deve confrontar. Ele deve dizer em cada caso especial que está pronto, em seu íntimo, a prestar a sua orientação e ajuda a uma pessoa que se lança numa tentativa e numa busca ousada e incerta.
O médico [ou psicólogo / analista junguiano], em tal situação, não deverá mais saber nem presumir que sabe o que é verdadeiro e o que não é, para nada excluir daquilo que compõe a plenitude da vida, mas deverá concentrar sua atenção sobre aquilo que é verdadeiro.
Ora, é verdadeiro aquilo que atua. Se aquilo que me parece um erro é, no final das contas, mais eficaz e mais poderoso do que uma pretensa verdade, importa em primeiro lugar seguir este erro aparente, pois é nele que residem a força e a vida que eu deixaria escapar se perseverasse naquilo que reputo ser verdadeiro. A luz necessita da obscuridade, pois, senão, como poderia ela ser luz?
JUNG, 2012, §530
Autoria:
Monica Martinez – Analista em Formação IJEP
Waldemar Magaldi – Diretor e Analista Didata IJEP
Referências:
GROSFOGUEL, R. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 25–49, abr. 2016.
JUNG, C. G. Escritos diversos (OC 11/6). 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
MARTINEZ, M. Pesquisa em psicoterapia. Instituto Junguiano de Pesquisa e Ensino (Ijep), nov. 2021.
PRIMI, R. Avaliação psicológica no Brasil: fundamentos, situação atual e direções para o futuro. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26, n. spe, p. 25–35, 2010.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 12. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2009.
Texto original
[1]
Do original: Surveys have been carried out enquiring about the incidence of déjà vu in several countries but not in India. In this study, a questionnaire was used to query 500 representative subjects in the Indian state of Kerala to ascertain the incidence frequencies of déjà vu experiences, precognitive dreams, and déjà rêvé experiences. The explanations favored for déjà vu experiences were also compared. The study found that déjà vu experiences are highly prevalent among Indians, but people with less education have no scientific knowledge of what these experiences are termed. Men reported déjà vu experiences slightly more frequently than women. The incidence of precognitive dreams is comparable to that in the West.
All the participants in the study expressed a positive attitude toward déjà rêvé experiences. Intriguingly, older and more educated people were more likely to report déjà rêvé experiences, whereas Christians reported them less frequently than Hindus. Participants with a higher level of education were more inclined to believe déjà vu is a scientific yet unknown occurrence, and they were less likely to link déjà vu to reincarnation or soul transmigration. The questionnaire used in this study was rather straightforward; however, it might be improved and validated. The current study is restricted to Kerala’s geographical areas. In the future other parts of India could be studied and the results compared with those reported here (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022).
[2]
Do original: The authors developed a déjà rêvé survey questionnaire based on Kerala culture. An English translation of the questionnaire was sent to Art Funkhouser for an expert opinion. He evaluated and corrected the questions. After this process, Boban Eranimos translated the questionnaire into Malayalam (the local language of Kerala). In the next step, the investigator conducted a pilot study with 25 participants to test whether participants can understand the meaning of the questions. Based on those results, the investigator adapted the final version of the questionnaire.
The principal investigator selected four field workers who have master’s degrees in psychology. The investigator ensured that the field workers were well acquainted with the local language (Malayalam) to freely interact with the participants. In addition, the investigator conducted a half-day training for all the research assistants on the topic of déjà rêvé experiences and familiarized them with the survey questionnaire. During the training, their questions were addressed and clarified. The research assistants then went to various colleges, government and nongovernment organizations and associations, shops, and social, political, and religious groups in their assigned districts. They contacted each person individually for collecting the data. Initially, they established a good rapport with the participants. All the participants received an introduction; that is, déjà rêvé phenomena were explained, and possible questions were clarified before the survey was presented. The field workers obtained a verbal consent from each participant.
[3]
Do original: The data were collected from students, professionals, skilled laborers, and working and nonworking women. Participants with psychiatric illness, major neurological or physical illness, and substance dependence except nicotine and caffeine were excluded from the present study.
Do original: The authors thank Michael Schredl for his assistance with the statistical analysis and for manysuggestions for improving this report (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 1).
[5]
Do original: “The investigators collected data from 500 participants (268 men, 232 women) residing in eight districts of Kerala: 281 participants from the northern Kerala districts of Kasaragod, Kannur, Wayanad, and Kozhikode and 219 participants from the southern Kerala districts of Kerala Thiruvananthapuram, Kollam, Alappuzha, and Pathanamthitta. The age distribution was as follows: 18 to 30 years (N= 170), 31to 43 years (N= 137), 44 to 56 years (N= 118), and 57 to 69 years (N= 75).
A total of184 participants were Hindu, 191 Christians, and 125 Muslims. In all, 111 participants had low education (10th standard and below), 240 intermediate (11th class to postgraduation class), and 149 were well educated (postgraduation and above). Socioeconomic status was high for 126 participants, intermediate for 216, and low for 158. Income was divided into three categories: below INR10,000N= 118), INR11,000 to INR25,000 (N= 242), and INR26,000 or more (N= 140). In all, 356participants were married and 144 were unmarried. A total of 355 participants lived with their nuclear family, whereas 145 persons lived in a joint family. In all, 175 participants were living in rural areas, 240 in semiurban areas, and 85 in urban areas (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 3).
[6] Do original: For this study, a Déjà Rêvé (Already Dreamed) Experience Questionnaire was adapted for the Kerala population (see the Appendix). The questionnaire consists of five questions. The questions were asked in an unstructured interview carried outby Boban Eranimos. The frequency of déjà vu experiences was elicited with a 3-point item (“How often have you had déjà vu experiences?”:1=rarely,2=some-what often, and 3 =very often).
The following definition was provided: “A déjà vu experience is one in which you have a sudden feeling of familiarity and recognition of an event or a place while, at the same time, knowing this is impossible. This is of-ten startling and even baffling. ”The second question (“How often have you had the feeling that you experienced something in reality that had occurred in a dream and you became aware that this is impossible. This is often startling and even baffling?”) elicited the frequency of precognitive dreams: 1 =never,2=sometimes,3=often, and 4 =frequently.
The next question addressed the question of whether déjà vu experiences had arisen from dreams (“When you have déjà vu experiences, do you have the impression that they have arisen from dreams?”)1=never,2=sometimes,3=often, and 4 =always). The attitude toward déjà rêvé experiences was measured in a binary way: 1 =positive attitude (pleasant)and1=negative attitude (unpleasant). Finally, subjective theories of déjà vu experiences were elicited (“What source did the subject favor for explaining déjà vu experiences?”). The participants were instructed to choose one of five alternatives: reincarnation, transmigration of soul, out-of-body experience, paranormal abilities, and natural but unknown phenomena (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 3-4).
[7]
Do original: “SPSS software 16.0 and SAS software 9.4 were used to carry out the data analysis. The ordinal and logistic regressions were computed in SAS with the “LOGISTIC” procedure, which uses a cumulative Logit model. All variables (gender, age group, education, and religion with the two contrasts “Hindu vs. Christian” and “Hindu vs. Muslim”) were entered simultaneously in the regression model to study their associations with the déjà vu variables independently (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 4).
Do original: This research was supported by a generous grant from the International Association for the Study of Dreams – Dream Science Foundation (ERANIMOS; FUNKHOUSER, 2022, p. 1).
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