Do ponto de vista histórico, existem muitas divergências sobre a Psicanálise a Psicologia Analítica. Uma coisa que não parece suscitar dúvidas, no entanto, é a impressão que a figura de Jung causava nas pessoas.
Ele era considerado alto para os padrões da época: 1,85m (6 pés e 1 polegada). A título de comparação, Freud tinha 1,72m. Além disso, foi criado no campo, com uma dieta saudável e muitas caminhadas, o que impactava em sua aparência saudável. Desde jovem, Jung tinha olhos penetrantes e expressivos, indicativos de sua intensa concentração e profunda reflexão.
Na ótima obra “Labyrinths” (Labirintos, em português), a jornalista britânica Catrine Clay descreve Jung como: “(…) chamativamente bonito de uma maneira teutônica -cabelos castanhos claros, pequeno bigode, olhos escuros por trás de óculos dourados, com mais de seis pés de altura e uma constituição poderosa, apresentando uma presença imponente: um jovem brilhante e ambicioso.” [i]
Apesar de sua constituição poderosa, ele não estava tão seguro de si, muito consciente de que vinha de uma família digna, mas empobrecida, cujo pai era um pastor luterano que optara por cuidar de paróquias pequenas. Ainda assim, pouco antes de falecer, o pai havia conseguido uma bolsa governamental para apoiar os estudos em medicina do filho na Universidade de Basel, uma cidade suíça cosmopolita.
Quando se graduou, aos 24 anos, começou a trabalhar como médico assistente no Hospital Mental Burghölzli, em Zurique, Suíça. Trabalhar com doentes mentais estava longe de ser algo que projetasse um médico naquele momento em que a psicanálise estava nascendo. E ele carregava uma dívida de 3,000 francos dos estudos – uma fortuna ao se imaginar que o salário de um médico naquele hospital era de cerca de 30 francos por semana -, mas que era preciso devolver um dia ao tio que o emprestara.
O que vai sustentar a autoestima de Jung, num primeiro momento, é o casamento com Emma, nascida Rauschenbach (1882-1955), em 14 de fevereiro de 1903.
Na biografia escrita por Aniela Jaffé, com a autorização de Jung, ele compartilha uma memória importante dos seus quatro anos sobre o que tornou possível a um jovem pobre cortejar uma jovem e bela filha de um bem-sucedido industrial suíço. Esse industrial havia ascendido de filho de chaveiro a proprietário de indústrias no agronegócio, até adquirir uma famosa fábrica de relógios:
Naquele tempo, crianças pobres ou ricas frequentavam a mesma escola rural. Foi assim que a futura sogra de Jung, Bertha, tornou-se amiga da mãe de Jung, Emilie Preiswerk.
A respeito do primeiro encontro, ambos têm lembranças diferentes. Segundo Jung, ele ocorreu em 1896, quando ela tinha 14 anos:
Já para Emma, de acordo com Clay, Jung entra mais tarde, cortejando-a já como médico-assistente, o que culmina com o noivado aos 19 anos dela, em 1901, e o combinado de que o casamento só ocorreria quando ela completasse 21 anos. Com o pai adoecido por conta de uma sífilis (a penicilina só iria ser descoberta em 1940), a gestão da família e da empresa estavam nas mãos de Bertha, mãe de Emma. Mas ela aparentemente via Herr Doktor Jung com olhos melhores do que o filho do industrial que estava cortejando a filha.
A partir do casamento, segundo Clay, Carl Gustav Jung adicionou atributos à sua aparência notável: os cortes elegantes da alfaiataria. Sua postura também passou a ser descrita frequentemente como ereta e confiante.
Após a morte do pai de Emma, em 1905, ela e sua irmã, Margareth, juntamente com seus respectivos maridos, tornaram-se proprietários da IWC Schaffhausen – a International Watch Company, fabricante de relógios de luxo comprada do americano Florentine Ariosto Jones. O cunhado de Emma tornou-se o principal gestor, mas os Jungs permaneceram acionistas no negócio lucrativo, que garantiu a segurança financeira da família por décadas. Em tempo: a IWC existe até hoje. A partir daí, Jung seguiu por alguns anos no Burghölzli, mas o salário que ganhava já não era necessário para sustentar a crescente família. Agathe, sua primeira filha, havia nascido em 1904, sendo seguida por Gret, Franz, Marianne e Helene.
Desde que recebia visitas do noivo aos domingos, Clay destaca que Emma ajudava muito Jung, desde os relatórios semanais do hospital até a redação de cartas. Essa é uma característica da invisibilidade do trabalho feminino ao longo do patriarcado. Contudo, é importante ressaltar duas questões. A primeira é que ela havia manifestado o desejo de fazer uma graduação, no entanto, foi impedida pelo pai. A segunda é que ela aproveitou a oportunidade de ajudar Jung para, inteligente e culta como era, realizar uma sólida formação como analista ao longo da convivência com o marido e o círculo de amigos deles.
Tanto é que, com o crescimento dos filhos, ela se torna analista também, à semelhança do que havia acontecido com outras mulheres da primeira geração, como Marie-Louise von Franz e Barbara Hannah, entre outras. É uma característica de Jung ter se cercado de mulheres brilhantes e ter fomentado nelas o estudo da prática da análise. Mulheres que, naquele tempo, não teriam tido possibilidade de inserção no mercado por conta do Zeitgeist da época.
Como a analista junguiana Maggy Anthony diz:
Evidentemente, nem tudo foram flores no casamento dos Jung por conta deste afluxo.
Um aspecto que é preciso mencionar, embora não seja intenção aprofundar neste artigo, é a relação de Jung com outras mulheres, começando pela russa Sabina Spielrein (1885-1942). Sabina é internada no hospital onde Jung trabalhava, desenvolve uma intensa ligação com ele (que não chega à intimidade sexual), acaba descobrindo um propósito de vida ao estudar medicina e torna-se uma das primeiras mulheres psicanalistas do mundo [v]. Spielrein, em alemão, quer dizer algo como jogo limpo.
Outra mulher a ser destacada é Toni Wolff (1888-1953), que entra na vida dos Jung em 1910, aos 22 anos, como paciente de Jung e se torna igualmente uma importante analista e membro da comunidade junguiana em Küsnacht [vi]. Ela, supostamente, se torna amante de Jung e uma colaboradora importante no desenvolvimento de conceitos pivotais da psicologia analítica, como anima – o aspecto feminino da alma masculina.
É importante destacar que, nos primórdios da Psicanálise e da Psicologia Analítica, conceitos éticos, como o do não envolvimento sexual com os pacientes, estavam sendo forjados e implementados. A prática, hoje, é entendida no contexto da cotransferência, isto é, no plano simbólico.
Para finalizar, Jung não teria sido Jung sem ter tido por trás dele uma grande, paciente e próspera mulher como Emma.
No site da casa Jung [vii], uma afirmação sobre esta questão faz sentido, em tradução nossa: “Sua esposa Emma, uma mulher de grande sabedoria e maturidade, estava ao seu lado o tempo todo. Sem a companhia calorosa e solidária de Emma, a vida e o trabalho de C.G. Jung provavelmente teriam tomado um rumo diferente”.
Provavelmente, sem a presença de Emma na vida de Jung sua vida seria bem mais difícil. Além de contribuir com suas produções científicas e pesquisas, ela possibilitou a tranquilidade financeira para maior liberdade em suas viagens tanto no mundo exterior, as literais, quanto no mundo interior, em busca do espírito das profundezas e, consequentemente, a alma. Não por acaso o nome Emma significa universal ou inteira.
Monica Martinez – Analista em Formação pelo IJEP
Waldemar Magaldi – Analista Didata
Referências:
ANTHONY, M. As mulheres na vida de Jung. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998.
CLARK-STERN, E. Out of the Shadows: a story of Toni Wolff and Emma Jung. Sheridan, WY: Genoahouse, 2010.
CLAY, C. Labyrinths: Emma Jung, her marriage to Carl, and the early years of Psychoanalysis. London/New York: Harper Perennial, 2017.
JUNG, C. G.; JAFFÉ, A. Memórias, sonhos e reflexões. 11. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
RICHEBÄCHER, S. Sabina Spielrein: de Jung a Freud. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2012.
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[i] Catrine Clay, Labyrinths: Emma Jung, Her Marriage to Carl, and the Early Years of Psychoanalysis (London/New York: Harper Perennial, 2017, p.1).
[ii] Carl Gustav Jung and Aniela Jaffé, Memórias, Sonhos e Reflexões, 11th edn (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p. 23).
[iii] Jung and Jaffé, p. 349.
[iv] Maggy Anthony, As Mulheres Na Vida de Jung (Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998, p. 34).
[v] Sabine Richebächer, Sabina Spielrein: De Jung a Freud (Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2012).
[vi] Elizabeth Clark-Stern, Out of the Shadows: A Story of Toni Wolff and Emma Jung (Sheridan, WY: Genoahouse, 2010).
[vii] Disponível em https://www.cgjunghaus.ch/en/museum/cg-emma-jung-rauschenbach/