RESUMO: O artigo explora o uso da argila na arteterapia como meio de acessar o inconsciente, fundamentado na função transcendente de Jung, que integra consciente e inconsciente. A argila, com sua ligação simbólica à terra e maleabilidade, permite expressar emoções e conteúdos internos. O processo terapêutico não foca no resultado estético, mas na integração psíquica e transformação pessoal. Através de exemplo prático mostra como a modelagem pode revelar amarras internas e potenciais de libertação.
INTRODUÇÃO
Neste artigo, vamos abordar a utilização da argila como ferramenta de acesso a conteúdos do inconsciente, com o intuito de promover a integração de elementos desconhecidos à nossa consciência, assim favorecendo o autoconhecimento.
A argila é um material muito interessante por diversos motivos, tais como: origina-se diretamente da terra; incorpora uma rica e complexa combinação de compostos minerais; pode simbolizar a “Mãe Terra”, pois representa não apenas a essência primordial da vida, mas também o ponto de retorno, evocando a ideia de origem e destino unificados em um ciclo eterno.
A argila pode se formar a partir da decomposição de rochas ao longo de milhares ou até milhões de anos, carregando consigo uma poderosa carga ancestral. Esse longo processo natural confere à argila uma conexão profunda com a história da Terra e os ciclos de transformação que moldam a vida.
Assim, pela sua própria natureza e composição, ela se conecta com o primordial e a possibilidade de ser moldada e remoldada. Remete-nos ao fluxo contínuo da vida, onde ciclos de criação e destruição convergem, tornando-se um elo tangível entre o ser humano e as forças da natureza.
Segundo Gouvêa (2019 p. 56) “O cosmo do barro, da argila, oferece um universo imediato e se vincula às quatro raízes, províncias matrizes de nosso universo o ar, a água, a terra, e o fogo”.
Ao entrar em contato com a água, a argila torna-se maleável, permitindo que seja moldada em diversas formas.
Essa característica facilita a transformação ao simples toque das mãos, criando um canal para que os conteúdos do inconsciente venham à tona. Nesse processo, emoções, angústias, sonhos, ideias, sentimentos e fantasias podem ser simbolicamente modelados, ganhando forma e expressão no material.
A IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO TRANSCENDENTE
Jung, em sua teoria e vida, nos ensina que as expressões criativas são uma das vias para acessar o inconsciente. Nesse sentido, o papel do analista é fundamental, pois uma de suas principais incumbências é acompanhar e auxiliar o cliente a olhar e dialogar com os conteúdos do inconsciente para realizar o que Jung designou como função transcendente.
A função transcendente consiste no confronto entre o consciente e o inconsciente para que haja a integração dos opostos, podendo ser alcançada por meio das expressões criativas. Assim, a arteterapia se torna uma ferramenta valiosa para o terapeuta, oferecendo uma abordagem eficaz e profunda no trabalho psicoterápico.
Importante salientar que no processo terapêutico, pouco importa o resultado estético final da obra, o mais importante são os conteúdos que serão integrados a consciência e o trabalho interno que é realizado durante a elaboração da escultura.
DA TEORIA PARA A PRÁTICA
Na imagem feita de argila, que acompanha este artigo, podemos observar um pé envolto com correntes e, ao seu lado uma espada. Essas esculturas foram feitas por mim durante realização de uma aula no curso de especialização de Arteterapia do IJEP.
O processo de elaboração teve impacto profundo em mim, pois, inicialmente, não tinha ideia do que iria produzir. Contudo, de forma espontânea, as expressões foram surgindo através das minhas mãos, como se fossem guiadas por algo além da consciência.
Ao refletir sobre as imagens, durante minha análise, percebi que ela expressa algumas “amarras” sociais que muitas mulheres, como eu, carregam arduamente: a maternidade, o casamento, o mercado de trabalho, as tarefas da casa, dentre outras.
Podemos nos perguntar se o andar está pesado, se o caminhar está se tornando mais difícil e se a vida, de alguma maneira, está travada por essas correntes. Por outro lado, com a presença da espada, outras questões podem surgir, revelando potenciais de transformação e de desenvolvimento ao se proceder com esse processo dialógico com as imagens. Estaria o inconsciente indicando novo caminho para a superação dessas limitações?
O símbolo, para Jung, está descrito como:
Neste sentido, o pé, segundo o dicionário de símbolos seria, dentre outros, um símbolo da força da alma, no sentido de ser ele o suporte da posição vertical, característica do homem. Sendo que toda deformação do pé revelaria uma fraqueza da alma (Cf. CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 696).
Já a corrente:
A espada “é o símbolo de combate pela conquista do conhecimento e a liberação dos desejos; a espada corta a obscuridade da ignorância ou o nó dos emaranhamentos […]” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 392)
Assim, o confronto do símbolo que emerge durante a elaboração e posterior análise da escultura, com a realidade dos fatos vivenciados, nos evoca para uma cadeia de emoções, nunca experimentadas, que podem nos guiar para uma gama de novas possibilidades/caminhos, nunca imaginados.
CONCLUSÃO
Trabalhar com a argila pode ajudar a suavizar a rigidez emocional do cliente, promovendo um espaço de aceitação e exploração de conteúdos psíquicos. Através desse processo, o cliente tem a oportunidade de vivenciar uma forma de autoexpressão que transcende a verbalização, possibilitando novas formas de compreensão e transformação interior.
Na experiência de Jung (2014,§ 171) “Há pessoas, porém, que nada veem ou escutam dentro de si, mas suas mãos são capazes de dar expressão concreta aos conteúdos do inconsciente. Esses pacientes podem utilizar-se vantajosamente de materiais plásticos”.
Trabalhar com a argila não é apenas uma atividade criativa; é um convite para mergulhar no próprio inconsciente, moldando e remoldando não apenas o material, mas também a psique. Nesse processo, a função transcendente pode atuar de maneira profunda, integrando os opostos e revelando soluções que o consciente não tinha condições de alcançar sozinho.
A prática da arteterapia com argila nos mostra que, assim como transformamos o barro, também somos capazes de transformar nossas vidas, superando limitações e encontrando novas formas de expressão e liberdade interior.
Carolina Held dos Santos – Membro Analista em Formação IJEP
Lia Romano – Analista Didata IJEP
Referências:
GOUVÊA, Álvaro de Pinheiro. Sol da Terra. São Paulo: Summus Editorial. 2019.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 16º Ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio Ltda., 2001.
JUNG, C. G. Psicologia do inconsciente. Ed. digital. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.
______ A natureza da psique. Ed. digital. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.
______ Tipos psicológicos. 7ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.
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