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Por que os bebês são tão bonitinhos? – Aos olhos da mãe

Por que os bebês são tão bonitinhos? – Aos olhos da mãe

Por que os bebês são tão bonitinhos? – Aos olhos da mãe

A natureza, sabiamente, fez com que tudo na criança fosse bonitinho e chamasse a atenção. Sua cabeça é grande proporcionalmente ao corpo, olhos são grandes, vívidos e limpos, o nariz é pequeno, a boca é pequena e macia. A pele é sedosa, o cheirinho é inconfundível. E desde o primeiro dia de vida observamos “habilidades sociais” nesse pequenino ser: o bebê chora ou se agita quando precisa de algo e ao ser atendido, ele se acalma, estabelecendo assim uma espécie de diálogo com sua mãe. O bebê já nasce preparado para o relacionamento com a mamãe pois, por exemplo, apresenta o melhor foco de sua visão a 20 cm, que é exatamente a distância da face de sua mãe ao amamentar. Com o passar dos dias o bebê começa a acompanhar com o olhar, e logo em seguida apresenta não mais contrações involuntárias da face, e sim o riso espontâneo, também chamado riso social. Ou seja, tudo no bebê é feito para encantar.

Mas será sempre assim?

Monteiro Lobato escreveu a fábula “A coruja e a águia”, que é mais ou menos assim:

Coruja e águia, depois de muita briga resolveram fazer as pazes.

— Basta de guerra — disse a coruja.

— O mundo é grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra.

— Perfeitamente — respondeu a águia.

— Também eu não quero outra coisa.

— Nesse caso combinemos isso: de agora em diante não comerás nunca os meus filhotes.

— Muito bem. Mas como posso distinguir os teus filhotes?

— Coisa fácil. Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial, que não existe em filhote de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.

— Está feito! — concluiu a águia.

Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três monstrengos dentro, que piavam de bico muito aberto.

— Horríveis bichos! — disse ela. — Vê-se logo que não são os filhos da coruja.

E comeu-os.

Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar à toca a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi ajustar contas com a rainha das aves.

— Quê? — disse esta admirada. — Eram teus filhos aqueles monstrenguinhos? Pois, olha não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste…

Moral da história: Para retrato de filho ninguém acredite em pintor pai. Já diz o ditado: quem ama o feio, bonito lhe parece. (LOBATO, 1977, p. 50)

Assim surge a pergunta: o que faz com que a mamãe coruja veja tantos encantos em seus filhotes? Como se desperta este amor maternal capaz de ver qualidades que não são vistas nem pelos astutos olhos da águia? Como se dá esta conexão poderosa capaz de amar incondicionalmente seus bebês?

Há bem poucos anos atrás era rotina nos hospitais e maternidades, especialmente aqui no Brasil, que os bebês ali nascidos fossem levados para o berçário para os primeiros cuidados e ali permanecessem durante suas primeiras horas de vida, para só depois serem entregues às suas mães. Em nome do cuidado médico nestas primeiras horas, com a intenção de observar se o bebê se adaptava bem ao meio externo, mesmo bebês sem risco e em boas condições de saúde eram privados do contato com suas mães, levados a um ambiente com ruídos estranhos e pessoas desconhecidas, e lá permaneciam sem contato humano amoroso por um tempo que variava de acordo com o hospital. Como consequência existiam sequelas desnecessárias para ambas as partes. 

 Isto tem se transformado nos últimos anos, após estudos realizados sobre a importância do contato pele a pele da mãe com a criança, principalmente no que diz respeito ao incentivo ao aleitamento materno, além de ganhos fisiológicos para o bebê, como a manutenção da temperatura corporal, adaptação metabólica, manutenção dos níveis sanguíneos de glicose e manejo da dor. (JUNG; RODRIGUES; HERBER, 2020)

Muitos estudos também mostraram que o contato pele a pele entre mãe e bebê na primeira hora de vida é extremamente importante para ambas as partes, pois é decisivo na formação do vínculo. Essa primeira hora de vida adquire uma importância tão grande que é chamada “hora sagrada” ou “hora mágica”, quando existe uma janela de oportunidade para facilitar o início do relacionamento mãe-bebê, dar início a amamentação e propiciar o apego. Os bebês, uma vez colocados sobre o tórax da mãe, já são capazes de localizar o mamilo e iniciar a mamada. O toque, o calor e o odor do bebê são potentes estímulos para a produção de ocitocina que, além de contribuir para a amamentação, também auxilia na involução uterina após o parto, diminui o risco de hemorragia, promove o aumento da temperatura materna na região das mamas para fornecer calor ao bebê. (ABDALA, 2019). Dá-se início ao processo de comunicação entre ambos, onde a mãe começa a aprender a reconhecer os sinais emitidos pela criança, compreendê-los e respondê-los. A capacidade deste binômio mãe-bebê manter uma troca recíproca de sinais é fundamental para o estabelecimento de uma saudável relação de apego.

Neumann coloca como característica que distingue o ser humano dos outros mamíferos o fato de que a fase embrionária não se completa com o nascimento. Para o bebê humano existe uma fase embrionária intrauterina que dura 9 meses, seguida de outra, pós-natal, pós-uterina, que tem a duração de mais o menos 1 ano após o parto.  Esta fase pós uterina é regida pela relação primal com a mãe, onde a criança está contida em sua mãe embora seu corpo já tenha nascido. Para a criança neste período não existe dualidade, não existe dentro e fora, ela e a mãe são uma e mesma coisa, não existe diferença entre ela e a mãe, que proporciona o prazer e afasta o desprazer. Aqui, as reações da mãe são em grande parte instintivas e representam o fundamento da relação primal, que garantem a vinculação entre mãe e filho. (NEWMANN, 1995)

Do ponto de vista da psicologia analítica grande parte do desenvolvimento desta relação se dá sob o domínio do arquétipo da Grande Mãe. Segundo Newmann (2006) a dinâmica de um arquétipo se dá principalmente pela determinação do comportamento humano de maneira inconsciente, e quando um arquétipo é constelado sempre existe um estado de comoção biopsíquica que pode desencadear uma modificação das pulsões e dos instintos, assim como nas paixões e na afetividade.

O Arquétipo da Grande Mãe, como todo arquétipo é ambivalente e possui duas polaridades: A Mãe Bondosa e a Mãe Terrível. A Mãe bondosa é benevolente, acolhedora, cuidadora, que alimenta e protege. A Mãe Terrível, ao contrário, é a que possibilita a manifestação do abandono, da negligência, ou do sufocamento por superproteção. Em sua polaridade Terrível, a Grande Mãe leva ao aparecimento de uma mãe indisponível para o filho.  (FREITAS; SCARABEL; DUQUE, 2012).  

Tornar o nascimento e as primeiras horas de vida o mais humano, suave e gentil pode ser um facilitador para que se façam presentes mais os aspectos positivos do arquétipo da Grande Mãe e possibilitem a constelação do cuidado, da disponibilidade, da nutrição e da conexão.

O amor está fundamentalmente ligado ao vínculo, e aqui repousa a importância do reconhecimento do bebê, do momento de intimidade e conexão que um parto gentil e uma “hora sagrada” respeitosa podem proporcionar. Deste contato desdobra o estabelecimento de uma comunicação empática entre ambos e o desenvolvimento de uma relação baseada na confiança, tanto do bebê com relação à presença incondicional de sua mãe, quanto da mamãe em sua capacidade de maternar esse filho.

E saber-se reconhecido e amado é uma necessidade básica de todo ser humano. Sentir-se querido e pertencente é a base da autoestima. E para a criança, o olhar da mãe representa esse olhar confirmatório que diz: você é bom, você é capaz, você é importante para mim.

Talvez nossa mamãe coruja descrita na fábula tenha um bom vínculo com seus filhotinhos e provavelmente exista uma relação de apego bastante saudável entre eles. Mamãe coruja talvez seja a representação da Grande Mãe Bondosa, que cuida, alimenta, ama e protege seus filhotes. Ao ponto de que, mesmo que esteticamente não sejam tão graciosos, aos olhos da mamãe são os bebês mais bonitinhos do mundo. Ela os ama pelo que são, incondicionalmente.

Talvez se justamente estes filhotes não tivessem tido a infelicidade de serem comidos pela águia, seriam corujas adultas com um adequado senso de autoestima, capazes de viver a vida em toda a sua plenitude, e como sua mãe coruja, cuidar de seus filhotes de uma forma suficientemente boa.

Selma de Fátima Silva Canoas – Analista em formação pelo IJEP

Maria Cristina Mariante Guarnieri – Analista didata responsável.

Bibliografia:

ABDALA, L. G.; DA CUNHA, M. L. C. Contato pele a pele entre mãe e recém-nascido e amamentação na primeira hora de vida. Clinical and Biomedical Research, [S. l.], v. 38, n. 4, 2019. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/hcpa/article/view/82178

 FREITAS, Laura Villares; SCARABEL, Camila Alessandra; DUQUE, Barbara Harumi. As implicações da depressão pós-parto na psique do bebê: considerações da psicologia analítica. Psicol. Argumen., Curitiba, v. 30, n. 60, p. 253-263, jun. 2012. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pa?dd1=5972&dd99=view&dd98=pb>.

JUNG, S. M.; RODRIGUES, F. A.; & HERBER, S. (2020). Contato pele a pele e aleitamento materno: experiências de puérperas. Revista De Enfermagem Do Centro-Oeste Mineiro, v.10, 2020. Disponível em:  <https://doi.org/10.19175/recom.v10i0.3657>

LOBATO, MonteiroObra completa infantil. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1977.

NEUMANN, Erich. A criança. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

NEUMANN, ErichA grande mãe. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 2006

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