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(Re)pensar a maternidade tardia sob a perspectiva da psicologia analítica

Débora Moraes Campos

O referencial teórico científico a respeito das possíveis alterações psíquicas das mulheres na gestação e pós-parto é extenso. Muitos pesquisadores se debruçaram sobre o tema. No entanto, ainda existe uma lacuna acadêmica que aproxime os conteúdos relacionados à maternidade vivida mais tardiamente com a Metanoia tão falada por Jung. Para realizar essa aproximação também é necessário relacionar o tema da maternidade com outros conceitos junguianos, como, por exemplo, o da sombra.

A gravidez é uma fase transitória do ciclo vital, no entanto, a maternidade não finda com o nascimento do bebê, pele contrário, ela se torna um estado perene e por isso todo esse contexto induz a mulher a reorganizar sua identidade. O continuum gestação, parto e puerpério apresenta variáveis psicológicas e biológicas intrínsecas. Há ainda, a alteração do status social e profissional que podem contribuir para a instalação de uma crise psíquica (TRAVASSOS-RODRIGUEZ, 2013).

Não raro, algumas mulheres ludibriadas por encantamentos egóicos parecem passar pela gestação como se estivessem em um estado de embriaguez, vivendo a chamada “doce espera”. A sociedade também reforça culturalmente esse processo de congelar a gestante nessa “fantasia” de que nos meses vindouros elas poderão brincar de boneca na vida real, como outrora brincaram na infância (GUTMAN, 2019).

“Quando temem entrar no mundo adulto e dão à luz em estado infantil, o bebê real tem pouco a ver com o bebê imaginado, sonhado e fantasiado a partir do conto de fadas que vem contando a si mesmas desde pequenas. É um bebê que chora sem parar, suja as fraldas, não adere ao peito, é muito magro, muito comprido ou muito largo, não se conecta, é excessivamente inquieto, não permite que a mãe fique bem diante das visitas ou não a deixa em paz, ou ainda, não se parece com ninguém. É menino, quando se queria uma menina, ou vice-versa, nasceu antes ou depois do previsto, foi cesariana quando o esperado era um parto normal, não engorda, ou não se acalma, ou não dorme, ou é nervoso. Seja como for, é diferente do que se esperava. É profundamente desconhecido. Um recém nascido é isso: a manifestação organizada da sombra da própria mãe, ou seja, tudo o que ela rejeita, desconhece ou dói em seu profundíssimo ser essencial” (GUTMAN, 2019, pag. 94).

          Além da aparição da sombra ocorrida durante a maternidade, as mulheres se veem de fora do mundo concreto durante o puerpério. Mesmo com a instalação dos estopins de crise psíquica, elas seguem com a obrigação de continuarem funcionando de acordo com as regras da sociedade. A recém empossada mãe perde seus espaços de identificação (trabalho, círculo de amigos, espaços de lazer) para ficar à disposição do bebê de forma integral. Nasce o sentimento de estarem “fora do mundo” caracterizado por tanto pela sensação de estarem enclausuradas como pela sensação de desconexão. Esses estados não foram escolhidos de forma consciente pelas mães e nunca foram imaginados por elas até a chegada do bebê (GUTMAN, 2019).

          Ao transferir esse mesmo contexto para o cenário da mulher que vive a maternidade no meio da vida é comum nos deparamos com uma dupla crise psíquica: àquela advinda da maternidade a outra desencadeada pela Metanoia. É muito comum, na cultura social vigente, que as mulheres posterguem a maternidade para além dos 36 anos. Um estudo realizado pela Universidade de Kent na Alemanha, considera que a meia-idade das pessoas corresponde ao período entre 36 e 57 anos. Jung utiliza o termo Metanoia para designar o processo ocorrido a partir da segunda metade da vida. Nesse processo ocorre uma mudança na direção da libido que não estará mais direcionada para o mundo externo e sim para o mundo interno da pessoa. Ocorre um diálogo com o inconsciente (JUNG, 2013). Portanto, se a maternidade abre um diálogo com o inconsciente através do confronto com a sombra e a meia idade também o faz, pode-se, dessa forma encontrar uma sobreposição de crises, ou por outra análise, um aprofundamento da crise instalada.

Estudos recentes trazem à tona, a questão que o alto nível de expectativa das mães com idade mais avançada em relação ao seu próprio desempenho como mães pode ser uma armadilha na adaptação à maternidade. Esses mesmos estudos destacam que as experiências anteriores de grande autonomia sobre os variados aspectos da própria vida podem ser uma grande fonte de estresse para as mulheres que se deparam com a nova e imprevisível tarefa de cuidar de um bebê.

Outra reflexão que pode ser levantada é que mulheres que vivem a maternidade mais tardiamente podem estar vivenciando de forma prolongada a jornada do herói do Ego. Hollis (1995) afirma que quanto mais tempo o indivíduo permanece inconsciente (o que é fácil acontecer na nossa cultura), maior é probabilidade dessa pessoa estar encarando a vida como uma sucessão de momentos que conduzem a um vago objetivo. Nesse contexto, muitas mulheres que vivenciam a maternidade tardiamente podem vive-la como mais um acontecimento sucessivo em sua vida (a velha história do relógio biológico), sem imaginarem que ser mãe pode precipitar além do encontro com a sombra a instauração da Metanoia. Para Hollis (1995) a Metanoia é uma experiência psicológica e não um evento cronológico. Ela ocorre quando o indivíduo se vê obrigado a encarar sua vida como algo mais do que mera sucessão linear de anos.  Ele relata que o indivíduo encontra o caminho do meio quando abandona o pensamento mágico da infância, bem como o pensamento heroico da adolescência e percebe que ambos não coincidem mais com a sua vida atual.

A maternidade vivida no outono da vida das mulheres, ou seja, na segunda metade da vida, poderá precipitar em um estado de “inconsciente a céu aberto”, tanto pelo efluxo de conteúdos sombrios quanto por ser também um bilhete apenas de ida rumo à Metanoia. Cabe à mulher, ao nutrir o desejo e a intenção de ser mãe, entender que não só um pré-natal biológico terá que ser realizado, mas também um pré-natal psíquico visando que o Ego se prepare para ser permeável e flexível diante da crise de identidade que irremediavelmente virá. A vivência da maternidade deve ser realizada com prontidão emocional e psíquica. Caso a mulher o viva em puro estado de inconsciência e de forma infantil, ela poderá se sentir desfacelada e não conseguir reestruturar o seu ego. Isso pode trazer consequências desastrosas para a vida da mulher, do bebê que nasceu e do núcleo familiar a que ela pertence.

Débora Moraes Campos, Membro Analista em Formação do IJEP – Brasília

Didata responsável: E. Simone D. Magaldi

REFERÊNCIAS

GUTMAN, L. A maternidade e o encontro com a própria sombra. 17ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2019.

HOLLIS, J. A Passagem do Meio: da Miséria do Significado da Meia-idade. São Paulo: Paulus, 1995.

JUNG, C.G.  Aion – estudo sobre o simbolismo de si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 2013.

TRAVASSOS-RODRIGUEZ, Fernanda; FERES-CARNEIRO, Terezinha. Maternidade tardia e ambivalência: algumas reflexões. Tempo psicanal.,  Rio de Janeiro ,  v. 45, n. 1, p. 111-121, jun.  2013 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382013000100008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  29  set.  2020.

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