Falando-se em Sexualidade, sabemos que é impossível compreender a sexualidade humana de forma simplista, sem admitir sua natureza multidimensional.
Desde os tempos mais remotos, a sexualidade tem exercido grande fascínio sobre as pessoas de todas as camadas sociais. Na arte, literatura, religiões, filosofias e outros sistemas preocupados principalmente em moldar o comportamento humano, tentam estabelecer valores e tabus sexuais. Nesse contexto, torna-se importante definir a sexualidade.
“Tendo em mente as fontes pessoais, coletivas e históricas de nossa herança sexual, é possível ampliar e aprofundar nossos conhecimentos da sexualidade estudando-a a partir de uma perspectiva biológica, psicossocial, comportamental, clínica ou cultural. No entanto, ao examinar a sexualidade sob esses vários enfoques, é preciso ter cuidado para não esquecer que aprender sobre ela, em todas as suas formas, significa, na verdade, adquirir conhecimentos sobre as pessoas e sobre a complexidade da natureza humana”. (MASTERS, WILLIAM H, JONHSON, E. VIRGÍNIA, et al.1982)
Assim, podemos definir a sexualidade numa dimensão mais ampla, de forma biopsicossocial e espiritual, onde em sua dimensão biológica, esses fatores controlam amplamente o desenvolvimento sexual desde a concepção até o nascimento, bem como a capacidade reprodutiva. Esse aspecto também coordena o desejo e funcionamento sexuais e indiretamente, a nossa satisfação sexual e alguns outros fatores da resposta sexual.
Relacionando a palavra sexo também à dimensão biológica, percebemos que na vida cotidiana, esse termo é utilizado muitas vezes com referência ao sexo biológico (masculino e feminino) ou ainda com referência a atividades físicas que envolvem os órgãos genitais (fazer sexo). Assim, podemos correlacionar as diferenças entre “fazer amor” e “fazer sexo”, nessa última, numa conotação ligada apenas ao aspecto biológico da sexualidade, num sentido banalizado socialmente, onde as relações afetivas têm sido deixadas de lado, principalmente entre os jovens. Fazer amor soa mais íntimo e mais descaracterizado dessa visão apenas biológica e leva-se a pensar numa dimensão de afeto e de alma. (JUNG.2019, & 231) “Faz parte do amor a profundidade e fidelidade do sentimento (…) o verdadeiro amor sempre pressupõe um vínculo duradouro e responsável”.
Numa dimensão psicossocial da sexualidade, onde se inclui os fatores psicológicos, como emoções, pensamentos e personalidade, combinados a elementos sociais, como por exemplo, o modo como as pessoas interagem. Nesse aspecto podemos compreender vários distúrbios sexuais, como também a evolução sexual humana.
(Masters & Jonhson, 1982, p.12) “Desde a infância, a identidade sexual do indivíduo (percepção individual de ser homem ou mulher) é moldada primordialmente por forças psicossociais (…) baseiam-se principalmente naquilo que nossos pais, companheiros e professores nos dizem ou demonstram sobre os significados ou finalidades do sexo. Nossa sexualidade é também social, na medida em que é regulada pela sociedade através de leis, tabus e pressões familiares e grupais que tentam persuadir-nos a obedecer a determinadas normas de comportamento sexual”.
Normalmente, identidade e papel sexual estão afinados aos estereótipos culturais dos sexos considerando fundamentalmente as diferenças genitais masculina e feminina. Mas é importante saber que existem mais do que homens e mulheres. Existem outros tipos de identidade e esses papéis sexuais ou sociais, tendem a se transformar de acordo com o “espírito da época”, como diz Jung. Hoje, por exemplo, em se falando de papéis sexuais, vemos muitas mulheres com profissões que antes eram apenas de homens e o contrário também é verdadeiro, vemos muitos homens com profissões que antes eram exclusivamente femininas e está tudo certo.
A dimensão comportamental permite-nos não somente verificar o que as pessoas fazem, mas como o fazem e porque o fazem. Nesse sentido, é importante que evitemos julgar o comportamento sexual de outras pessoas a partir dos nossos próprios valores e experiências, muitas vezes baseado no que é “normal” ou “anormal”. O que é normal para mim, muitas vezes não o é para o outro, pois nossa objetividade é tolhida por nossos próprios valores e experiências.
Nessa dimensão também definimos a orientação sexual, antes classificada por “opção sexual” e hoje, classificada por Ribeiro (1993), como “identidade afetiva sexual”, visto que ninguém “opta” por ter desejo sexual por essa ou aquela pessoa. Identidade afetivo sexual é a forma como o indivíduo se sente como homem ou como mulher, relacionado ao desejo sexual, numa perspectiva afetiva e erótica. É aqui onde a pessoa indica por quais sexos ou gêneros se sente atraída e se define por heterossexual, quando se atrai pelo sexo oposto, homossexual, quando a atração é por indivíduo do mesmo sexo e bissexual, quando essa atração se dá por ambos os sexos. Importante lembrar que outras definições existem, todavia, ficaremos aqui apenas com essas, por uma questão didática.
Na perspectiva clínica, vemos que, embora o sexo seja uma função natural, muitos tipos de obstáculos podem diminuir o prazer ou a espontaneidade de nossas atividades sexuais. Problemas físicos como doenças, lesões ou o uso de drogas podem afetar o padrão de resposta sexual ou desequilibrá-lo totalmente. Sentimentos como ansiedade, culpa, vergonha ou depressão e conflitos em nossas relações interpessoais também são capazes de coibir nossa sexualidade. A perspectiva clínica examina as soluções para esses e outros problemas que impedem que se viva o aspecto saudável e satisfatório do sexo. (MASTERS & JOHNSON, 1982, p.13)
Na sociedade contemporânea, a ênfase que se da à sexualidade, principalmente com a alavanca ao erotismo, é apenas o culto ao corpo e ao consumismo. Pouco se aborda a importância emocional do contato humano. Há claramente, a vigência de estereótipos sexuais repressivos e de seus preconceitos e tabus. O corpo de cada um, local em que o prazer pode ser mais intenso e gratificante, é o que mais sofre com os condicionamentos sociais, gerando doenças e disfunções.
Cavalcanti & Cavalcanti menciona que o estudo dos problemas sexuais é algo relativamente novo e ainda não existe no Brasil, nenhuma disciplina específica nem nos cursos de medicina, muito menos nos cursos de psicologia, que trate especificamente das questões sexuais e as referências bibliográficas são bem limitadas ligadas ao tema. Jung em sua obra, também não aprofundou, porém, mesmo sendo um homem do seu próprio tempo, com todas as limitações sociais da época não fugiu à discussão, apesar de deixá-la incipiente. Assim mesmo, diante da precariedade, conseguiu nos trazer em sua obra, uma visão completamente despretensiosa e sem preconceitos. Esse fato, todavia, não deve servir de pretexto para que profissionais médicos e psicólogos neguem efetiva ajuda às pessoas dificuldades sexuais.
Compreender a sexualidade do outro, passa também pela compreensão e aceitação da sexualidade do terapeuta. Muitos preferem não trabalhar essa questão com seus pacientes/clientes ou se o fazem, o fazem de forma superficial, ou por desconhecimento da matéria ou ainda por dificuldades com a própria sexualidade.
Trabalhar com transtornos de natureza sexual é um desafio para qualquer terapeuta, porque a dor da não realização sexual do paciente torna-se também a dor do analista, no sentido de que muitas vezes, o mesmo não consegue transpor seus limites na tentativa da cura.
De acordo com Jung, o terapeuta vivencia junto com seu paciente, um processo evolutivo individual, todavia, ele necessita também se colocar nesse espaço como aprendiz e não negar a dificuldade com o tema. Ora, Jung fala que o analista só consegue conduzir o analisando, até onde ele mesmo, o analista, foi conduzido.
Embora eu tenha sido o primeiro a levantar a exigência de análise para o próprio analista, é a Freud que devemos principalmente a inestimável descoberta de que os analistas também têm complexos, e, portanto, um ou mais pontos cegos, que atuam como outros tantos preconceitos. O psicoterapeuta aprendeu isso com os casos em que não conseguia mais interpretar e conduzir o paciente do alto de sua suficiência ou do alto de sua cátedra, abstraindo sua própria personalidade, mas percebia que sua maneira ou atitude particular estavam impedindo a cura do paciente. (JUNG, 2019, p. 18)
Como postulam Freud e Jung em relação aos complexos dos analistas e, sabendo-se que toda doença é um complexo, entende-se que essa dificuldade do analista em tratar da natureza desse problema com seu paciente, pode ser a mesma de tratar-se, de entregar-se a essa exigência terapêutica. No entanto, isso torna-se extremamente necessário, caso o mesmo, queira ter a certeza de estar exercendo a influência justa sobre os seus pacientes, além de ser um compromisso ético com si mesmo e com os demais envolvidos. (JUNG, 2019, p.87) “Você tem que ser a pessoa com a qual você quer influir sobre o seu paciente. A palavra, a mera palavra, sempre foi considerada vã”.
Como diz (JUNG 2019, p. 112, & 212) “Sem considerar o fato das doenças venéreas, a ampla discussão da questão sexual trouxe à superfície da consciência social a extraordinária importância da sexualidade em todas as suas ramificações psíquicas. Grande parte desse trabalho foi feito pela pesquisa psicanalítica bastante divulgada nesses últimos 25 anos. Já não é possível hoje em dia passar por cima da importante realidade psicológica da sexualidade com ar de deboche ou com indignação moral. Começa-se a incluir a questão sexual no círculo dos grandes problemas e a discuti-la com a seriedade que sua importância merece”.
Este artigo é o primeiro de uma série que pretendo escrever. Em breve seguiremos com o tema.
Maria Ivanilde Ferreira Alves
Membro Analista em formação pelo IJEP. Brasília
Membro didata Ercilia Simone Dalvio Magaldi
REFERÊNCIAS
CAVALCANTI & CAVALCANTI. Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais. Ed. Payâ Eirele. Ano 2020.
JUNG, C. G. A Prática da Psicoterapia. Ed. Vozes Ano 2019.
JUNG, C. G. Civilização em Transição Ed. Vozes Ano 2019
MASTERS & JOHNSON. O Relacionamento Amoroso. Ed. Nova Fronteira. Ano 1982.