A velhice é um tema demasiado evitado por boa parte das pessoas. O medo do envelhecimento é uma sombra que paira sobre a sociedade contemporânea, profundamente enraizado em valores culturais que exaltam a juventude, a produtividade e a beleza como padrões quase inquestionáveis. Mais do que uma simples resistência às mudanças corporais ou à perda de vitalidade, esse temor revela a inquietação diante da finitude, do isolamento e da possível invisibilidade social que o avançar da idade pode trazer. Em um mundo que associa o envelhecer ao declínio, alimentamos uma espécie de negação coletiva e mergulhamos em uma busca incessante por prolongar a juventude que, como um reflexo, escapa das mãos.
Conforme o último censo do IBGE[1] (2022), as pessoas com mais de 60 anos chegaram a 15,6% da população brasileira, um aumento de 56,0% em relação a 2010. Entre 2010 e 2022, a expectativa de vida aumentou, e passa a ser em média 75,5 anos[2].
Afirma Jung (OC 8/2, §802) que “nossa longevidade comprovada pelas estatísticas atuais é um produto da civilização”.
Mais do que um fenômeno biológico, a extensão da vida humana é fruto de uma complexa teia de transformações culturais, científicas e sociais que moldaram nosso modo de existir. Desde a descoberta de vacinas até os avanços da medicina preventiva, passando pelas melhorias nas condições sanitárias e pelo acesso ampliado à informação, a civilização construiu os alicerces para que o ser humano pudesse viver mais. Contudo, esse ganho de anos não deve ser visto apenas como um triunfo técnico, mas também como um desafio existencial.
Envelhecer é um processo natural da existência humana, mas, ao mesmo tempo, carrega desafios complexos, há um diálogo inconsciente com a proximidade da finitude, com as limitações físicas, com a perda do viço e ganho da opacidade do corpo. E muitos idosos ficam um tanto aprisionados num aspecto nostálgico, com saudades de um passado que pode ter sido bom, diferente das angústias e dores da atualidade dos dias.
Diz Jung (OC 8/2, §800) que “a vida natural é o solo em que se nutre a alma. Quem não consegue acompanhar essa vida, permanece enrijecido e parado em pleno ar”.
Talvez seja por este motivo que “muitas pessoas se petrificam na idade madura, olham para trás e se agarram ao passado, com um medo secreto da morte no coração” (JUNG, OC 8/2, §800). Há aqueles que, ao invés de se adaptarem ao curso natural da existência, estacionam psicologicamente no passado, como pilares nostálgicos de uma juventude que já não existe, mas cujas memórias permanecem vívidas. Essas pessoas, presas às lembranças de um tempo que não dialoga mais com o presente, perdem o vínculo com o fluxo vital. No entanto, a vida exige transformação. É como se nossa consciência tivesse deslizado um pouco de suas bases naturais e não soubesse mais como se orientar pelo tempo natural (JUNG, OC 8/2, §802).
Aceitar o envelhecimento não significa negligenciar o cuidado com o corpo ou abandonar-se passivamente ao inevitável.
Pelo contrário, trata-se de um convite à reconciliação com o tempo, uma oportunidade para cultivar a autoestima de maneira equilibrada e honesta. Cuidar de si é um gesto de amor-próprio, e isso pode incluir atividades físicas e procedimentos estéticos que tragam bem-estar, desde que não se tornem obsessão. O equilíbrio está em reconhecer que os sinais são marcas de uma vida vivida, carregadas de histórias, experiências e sabedoria. Cuidar do corpo é uma forma de honrar a própria jornada e a verdadeira beleza está em harmonizar-se com a vida, valorizando o que se é em cada fase. Afinal quando aceito com serenidade, o envelhecimento pode ser um ato de maturidade e um testemunho da riqueza que o tempo nos confere.
Além disso, é importante atentar para a sombra coletiva acerca do envelhecer, pois a cultura contemporânea, com sua obsessão por performances e aparências, projeta a velhice como um lugar de ausência de produtividade, relevância, vigor e sexualidade, eclipsando os idosos numa sociedade que idolatra o novo e despreza o que é velho. Mas a sombra não se contenta em ficar oculta; ela se infiltra nas atitudes, nas escolhas e nos exageros que vemos ao nosso redor. Exageros esses que apontam para a terrível capa de invisibilidade que recaem nos idosos.
Há um apagamento silencioso e insidioso que permeia o convívio familiar com os mais velhos, muitas vezes operando de forma inconsciente, como uma teia que lentamente os retira do protagonismo de suas próprias vidas. Essa invisibilidade os coloca nos bastidores, onde deixam de ser atores principais de sua história para se tornarem espectadores da dinâmica familiar que, gradualmente, os desconsidera. Esse movimento, que talvez não seja intencional, resulta em uma intensificação de sua dependência, roubando-lhes a autonomia e reduzindo sua capacidade de decidir sobre sua própria existência.
No cotidiano familiar, por vezes de forma inconsciente, os idosos são tratados como seres altamente frágeis, que devem ser protegidos a qualquer custo.
Esse zelo excessivo, talvez motivado pelo amor e preocupação, frequentemente resvala em práticas que acabam retirando a autonomia daqueles que envelhecem. O ato de assumir as decisões ou impor limites sem considerar suas capacidades pode ser entendido mais do que um gesto desatento; é uma forma sutil de apagamento e, nesse processo, perde-se de vista a rica e complexa história que cada idoso carrega consigo.
Esquecem-se do caminho longo e árduo que percorreram, da vida social e profissional que construíram, da base emocional e material que ofereceram àqueles que hoje os cercam, ignoram-se os papéis que desempenharam como pilares de referência e exemplo, como construtores de alicerces que sustentaram tantas vidas e histórias.
Ao tratá-los apenas pelo prisma da fragilidade, os familiares negligenciam a importância de reconhecer e valorizar a trajetória de quem, um dia, foi o protagonista de tantas conquistas e desafios. É fundamental lembrar que o envelhecimento não apaga as realizações, não invalida a sabedoria acumulada nem diminui o valor intrínseco do ser humano.
Respeitar a autonomia dos idosos é também respeitar a sua história, reconhecer que o envelhecer não a diminui.
Um outro aspecto importante a ser olhado é que a sociedade contemporânea é regida pela pressa e pelo ritmo acelerado que exalta a produtividade, a eficiência e o imediatismo, e por isso os idosos podem se tornar vítimas de uma silenciosa exclusão. A falta de paciência para lidar com seu tempo mais lento é um reflexo de uma sociedade do descarte, que se esqueceu daqueles que pavimentaram os caminhos por onde outros agora correm.
Essa impaciência é um sintoma da desvalorização do envelhecer pois, em um sistema capitalista que reduz o indivíduo à sua capacidade de produzir e consumir, o idoso, ao deixar de ocupar o lugar de engrenagem ativa, é muitas vezes relegado à margem e sua idade avançada tende a ser percebida como um fardo e não uma conquista de sobrevivência e sabedoria. Ou então, para aqueles que possuem melhor poder aquisitivo, viram “nicho de mercado”, num processo de objetificação do ser.
A voracidade do capitalismo identifica nesse grupo uma nova oportunidade de obtenção de lucro, onde produtos e serviços são oferecidos talvez com o intuito de atender a uma demanda artificialmente criada.
Os idosos são, assim, transformados em consumidores compulsórios de uma infinidade de soluções que prometem juventude eterna, conforto e status, mas que, em sua essência, podem reforçar estereótipos e desumanizar o processo de envelhecer. Por trás da publicidade sedutora e dos slogans otimistas, existe a insidiosa mensagem de que a velhice é algo a ser combatido, escondido ou domesticado, e não uma etapa digna de celebração.
Esse processo vai além do campo material, infiltrando-se nas relações sociais e culturais.
A figura do idoso é constantemente remodelada para se encaixar em padrões de mercado que ditam como ele deve viver, parecer e até sentir. A liberdade de ser é substituída pela imposição de um modelo idealizado de envelhecimento, onde o consumo se torna a régua pela qual medimos a validade da vida. Essa abordagem, ao mesmo tempo que explora a capacidade de compra dos idosos, ignora suas necessidades mais fundamentais: respeito, inclusão e pertencimento. No lugar de acolher suas singularidades e reconhecer suas trajetórias, o mercado os transforma em alvos comerciais acima da dignidade humana.
Para lidar com a ampliação da consciência e das reflexões acerca do envelhecimento, além de tantos outros processos do viver, Jung (OC 7/1, §113) reflete que a pessoa “precisa aprender a distinguir o eu do não-eu, isto é, da psique coletiva”. Ressalta que para diferenciar o eu do não-eu “é indispensável que o homem – na função de eu – se conserve em terra firme, isto é, cumpra seu dever em relação à vida e, em todos os sentidos, manifeste sua vitalidade como membro ativo da sociedade humana” (JUNG, OC 7/1, §113).
Com o avançar da idade, há um convite para a busca de significação de sentido da própria vida.
O envelhecimento, muitas vezes percebido como um declínio inevitável, pode ser, na verdade, um processo profundamente transformador, um convite silencioso à metanóia – essa mudança de perspectiva que nos impulsiona a olhar para dentro, rever nossas crenças, e reorientar o sentido da vida.
Jung (OC 7/1, §113) reflete que “estamos diante do problema de encontrar o sentido que possibilite o prosseguimento da vida (entendendo-se por vida algo mais do que simples resignação e saudosismo)”.
Para ele, com o avançar da idade, o “papel junto ao jovem difere do que exercemos junto a uma pessoa mais amadurecida. No que se refere ao primeiro, basta afastar todos os obstáculos que dificultam sua expansão e ascensão. Quanto à última, porém, temos que incentivar tudo quanto sustente sua descida” (JUNG, OC 7/1, §114). É contundente ao afirmar o quão errônea é a ideia de que “os velhos podem ser abandonados, pois já não prestam para nada, uma vez que sua vida ficou para trás e só servem como escoras petrificadas do passado. É enorme o engano de supor que o sentido da vida esteja esgotado depois da fase juvenil de expansão”.
E lindamente aponta que “o entardecer da vida humana é tão cheio de significação quanto o período da manhã. Só diferem quanto ao sentido e intenção” (JUNG, OC 7/1, §114).
Ao mergulharmos nas reflexões de Jung, somos confrontados com uma verdade inevitável: a existência humana é tecida por ciclos que demandam sentidos distintos em cada fase da vida. Na juventude, a energia vital pulsa em direção à expansão, à conquista de horizontes e ao desbravamento de possibilidades. Contudo, à medida que avançamos para o entardecer da existência, emerge a necessidade de encontrar um significado mais profundo, uma direção que transcenda a simples resignação ou nostalgia.
A perspectiva junguiana nos convida a reconhecer que o envelhecimento não é um declínio, mas uma transição, um convite à introspecção e à aceitação das verdades mais essenciais.
Nesse período, o desafio é sustentar a jornada para dentro, o mergulho no próprio ser porque é na descida simbólica que encontramos a riqueza das nossas raízes, o legado de experiências e sabedorias acumuladas ao longo do caminho, pois “o que a juventude encontrou e precisa encontrar fora, o homem no entardecer da vida tem que encontrar dentro de si” (JUNG, 7/1, §114).
Infelizmente, vivemos em uma sociedade que tende a negar o valor desse entardecer, relegando os idosos à invisibilidade ou reduzindo sua importância à funcionalidade prática de outrora. Contudo, como aponta Jung, é um grave engano supor que a vida perde seu sentido ao fim da fase de expansão. Pelo contrário, o crepúsculo da existência traz consigo um convite para um novo tipo de significado, mais interiorizado e contemplativo, mas igualmente pleno e necessário, mais consonante com o Self.
Assim, a maturidade deve ser vivida como uma oportunidade para completar o ciclo da vida com profundidade e inteireza. Envelhecer é reconhecer que a descida também é parte do caminho, que a plenitude também está no recolher, é a possibilidade de ser inteiro, não apesar da idade, mas justamente por causa dela. Nas dobras do tempo, o corpo e a alma nos conduzem a uma nova travessia, um tempo em que a espiritualidade se renova, e a vida, em sua sabedoria silenciosa, floresce de formas mais profundas.
Daniela A. Euzebio – Analista Didata em formação IJEP
E. Simone Magaldi – Membro Analista Didata IJEP
Referências:
IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos. Acesso em 13 jan. 2025.
IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38455-em-2022-expectativa-de-vida-era-de-75-5-anos. Acesso em 13 jan. 2025
JACOBI, Jolande. Complexo, Arquétipo e Símbolo na Psicologia de C.G. Jung. Petrópolis: Vozes, 2017
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2014 (Obras completas v. 8/2).
JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2015 (Obras completas v. 7/2).
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2016 (Obras completas v. 7/1).
Se interessa pelo tema do envelhecimento? Confira o X Congresso Junguiano do IJEP:

Inscrição e programação: https://www.institutojunguiano.com.br/x-congresso-ijep
[1] Fonte: IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos. Acesso em 13 jan. 2025.
[2] Fonte: IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38455-em-2022-expectativa-de-vida-era-de-75-5-anos. Acesso em 13 jan. 2025
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