Nosso trabalho com gestantes adolescentes é uma realidade que nos convoca a refletir sobre o assunto afim de tentar entender o fenômeno e assumir uma postura mais humanizada e compreensível diante dessas parturientes.
Neste sentido, se pensarmos somente sob o ponto de vista biológico veremos que as consequências dessa gravidez, nesse determinado momento, acarretam uma série de riscos para a saúde materna e fetal, mas como ficam as questões que envolvem o social, familiar, individual e psicológico?
Até meados do século XX, a gestação na adolescência não era considerada um problema de saúde pública e tampouco suscitava a atenção de pesquisadores, como ocorre hoje em dia. Ao longo da década de 1990 observou-se um aumento nos percentuais de nascimento em mães menores de 20 anos (IBGE, 2002). Esta situação trouxe questões importantes a serem estudadas: a gravidez na adolescência seria uma experiencia desejada, esperada? O que ela nos revela? Quais as consequências? (DIAS, TEIXEIRA, 2010).
Não definimos adolescência somente a partir da idade ou da biologia. É também um momento de vida onde observa-se um desenvolvimento social, transformações biológicas, cognitivas, emocionais e sociais, momento em que se questionam e se reelaboram os padrões infantis, tornando possível inserir o adolescente no mundo adulto. O que significa a construção de uma identidade própria, envolvendo o desenvolvimento afetivo-sexual e o profissional.
A busca da identidade determina a construção de novas relações com o seu corpo, sua família e com o ambiente em que está inserido (SILVA, LOPES, DINIZ, 2004).
A adolescência não será igual para todos os indivíduos, considerando que a condição socioeconômica terá grande influência na forma de viver e entender a vida. O contexto social cultural onde estará esse adolescente terá grande influência na sua formação. Entende-se que seria o momento de preparo para o futuro, uma construção de sua identidade pessoal.
De fato, todo adolescente passa por esse processo, mesmo que cada um o experimente em ocasiões diferentes. Isto porque existe um determinismo biológico para o desenvolvimento físico, contudo, os fatores socioculturais tem seu papel ímpar nesse momento decisivo de um processo de transição. Etapa na qual a adolescente busca encontrar seu lugar no espaço social, representada por situações que são, normalmente, aceitas ou reprimidas pela sociedade, dentre elas a maternidade.
É o que determina o artigo 227 da Constituição Federal:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Várias organizações internacionais reconhecem formalmente a importância da saúde dos adolescentes. Buscou-se que seus governantes tomassem providências para prevenir gestações precoces. Além disso, instituiu-se que a educação sexual e orientações sobre planejamento familiar estivessem amplamente disponíveis aos adolescentes, porém, o número de jovens gestantes permanece alto.
A vulnerabilidade da população adolescente é inerente ao seu comportamento, tal como a necessidade de buscar sua identidade psicológica e sexual para se posicionar no meio social, enfim, a necessidade de autoafirmação. O adolescente é impetuoso, impaciente.
Uma gestação nesse momento de vida – que se observa numa boa parcela dessa população com condições socioeconômicas precárias e consequentemente uma maior ausência de condições ideais de higiene, habitação e saúde – favoreceria o aparecimento de muitas dificuldades no pré-natal e parto. A exemplo das seguintes: ausência de fazer pré-natal adequado, baixo peso do bebê, prematuridade, doença hipertensiva da gravidez, infecções urinarias (SILVA, LOPES, DINIZ, 2004).
Em termos sociais essa gestação pode estar associada a evasão escolar, pobreza, desemprego, ingresso em um mercado de trabalho não qualificado, separação conjugal, situações de violência e negligência, diminuição das oportunidades de mobilidade social, além de maus tratos infantis.
A iniciação sexual na adolescência e a atividade sexual regular vêm ocorrendo em idades cada vez mais precoces.
Essas mudanças de comportamento sexual resultaram das transformações de valores que tiveram seu início nos anos 60. Trazendo consequências para a área da sexualidade humana, como, por exemplo, a gestação precoce das adolescentes aqui abordada (DIAS, TEIXEIRA, 2010). O uso dos anticoncepcionais mudou os padrões de comportamento sexuais, favorecendo os aspectos da busca do prazer e não somente a função reprodutiva.
Contudo, essa liberdade sexual não foi acompanhada por uma discussão de valores associados ao corpo, à sexualidade e aos papéis sexuais e de gênero presentes em nossa sociedade. Enquanto o adolescente deveria estar – na medida do possível – estudando, namorando, ampliando sua participação no mundo, o acontecimento de uma gravidez traz expectativas e responsabilidades que limitam essas possibilidades. O que impõem uma mudança de comportamento na constituição da identidade dessa adolescente. Nesse momento, além de exercer o papel de filha, a jovem passa a exercer o papel de mãe e ressignifica nesse processo a relação com a própria mãe.
O contexto familiar e as relações parentais têm papel fundamental na formação de todos os indivíduos.
A pesquisa sobre os laços afetivos nesse contexto pode nos dar pistas sobre o porquê dessa gravidez nesse momento. A ligação com os pais e o ambiente familiar tem importância na sexualidade dos jovens, levando a um comportamento de acomodação e medo de enfrentar os próximos anos que estão por vir. Alguns pais persistem no comportamento de tratar seus filhos como crianças. Dificultando seu crescimento e enfrentamento da vida, de modo que acabam por destruir toda a capacidade da adolescente de ser responsabilizada por seus atos.
Podemos ver indivíduos irresponsáveis, sem independência própria ou indivíduos que forçam conquistas da própria independência por caminhos escusos. Outros pais, por fraqueza, são incapazes de se opor à adolescente e estabelecer os limites necessários – dos quais ela precisará mais tarde para se adaptar ao mundo. (JUNG, 2013b p. 64)
A relação mãe-filha é a mais profunda e a mais comovente que se conhece.
Essa relação intensa entre a mãe e a adolescente, também está naturalmente presente no arquétipo, na imagem coletivamente herdada de mãe. Com o passar dos anos, o indivíduo cresce e se desliga naturalmente da mãe. Assim, vai adquirindo sua consciência e seu sentido de existir, porém, não se desliga da mesma forma desse arquétipo materno. Apesar de parecer consciente de sua existência e ter sua mãe biológica, a figura materna, o arquétipo da mãe, sempre estará presente. Como nos diz Jung, o arquétipo materno está presente em todas as civilizações e povos e apesar de ser universal, tem sua imagem diferente e muda substancialmente na experiência prática individual (JUNG, 2013a, p.331).
A mãe pessoal é responsável por todas as influências sobre a psique adolescente.
A mãe pessoal é responsável por todas as influências sobre a psique adolescente, porém, é mais o arquétipo projetado na mãe que outorga à mesma um caráter mitológico e, com isso, lhe confere autoridade e até mesmo numinosidade. Pode-se dividir os efeitos traumáticos de uma mãe podem em dois grupos:
1) quando correspondem às qualidades, características ou atitudes realmente existentes na mãe pessoal;
2) os que só aparentemente possuem tais características, uma vez que se trata de projeções do tipo fantasioso (arquetípico) por parte da adolescente (JUNG, 2014 p.89).
Aqui devemos tratar do arquétipo materno, que possui uma variedade incalculável de aspectos. Existem inúmeras formas que caracterizam a figura materna: A própria mãe e avó, a madrasta e a sogra, uma mulher com a qual nos relacionamos, no sentido da transferência mais elevada, a deusa, a mãe de Deus, a Virgem (enquanto mãe rejuvenescida, por exemplo Demeter e Core), Sofia (enquanto mãe que é também a amada). Em sentido mais amplo, a Igreja, universidade, a cidade ou pais, o Céu, a Terra, a floresta, o mar e as águas quietas etc. (JUNG, 2014 p.88).
Essas formas apenas indicam os traços essenciais do arquétipo materno.
Seus atributos são o maternal, a sabedoria, a elevação espiritual além da razão, a bondade, o que cuida, acalenta, promove o crescimento, fertilidade etc. Esse arquétipo materno terá uma influência no comportamento dos jovens. Como exemplo, um dos complexos materno negativo seria aquela mãe que cuida com excesso de zelo sua filha, fazendo com que haja o despertar de uma hipertrofia do feminino. (JUNG, 2014 p.93).
Deutsch (1974) considera que uma quebra precoce na relação de apego da filha com a mãe, geraria, além de um sentimento de desespero, de solidão, um intenso desejo de união. A jovem procuraria reviver o vínculo mãe-filha através da maternidade. Um ato compulsivo que reforça os laços de dependência, pois, muitas vezes estes laços de identificação e vinculação podem ser intensificados. Podendo ocorrer tanto na situação em que a própria mãe da adolescente foi gestante adolescente ou na situação que a jovem doa seu filho para a mãe criá-lo (reservando para si o papel de irmã mais velha).
No caso da gravidez na adolescência poderíamos pensar na possibilidade de uma busca de amor, uma ressignificação na relação com a sua mãe, sua posição no contexto familiar, tem nova dimensão, precisara desenvolver novas habilidades e assumir responsabilidades relacionadas ao cuidado com o bebê e de si mesma.
Independentemente de ela ter ou não desejado ser mãe, o papel de mãe se impõe e passa a assumir um espaço significativo na sua vida.
Por isso mesmo, a gravidez na adolescência pode ser desejada, pois seria uma via de acesso a um novo estatuto de identidade e de reconhecimento através do papel materno. Casos em que se vê a maternidade como uma ocupação, um papel, que confere sentido à vida diante da falta de outros projetos. Ainda, a adolescente pode perceber essa gravidez como uma maneira de reconhecer a si mesma, marcando seu espaço na família e sendo reconhecida nos seus ambientes de convívio.
O que aprendemos sobre a questão da gestação na adolescência diz respeito a educação sexual desses jovens.
Focalizar a questão da gestação apenas no aspecto biológico é não pensar no contexto dentro do qual a gravidez se produz, incluindo aí a relação com a família, com as figuras parentais, especialmente, como vimos, a relação com a mãe.
As intervenções que visem prevenir as gestações em adolescentes devem oferecer informações sobre métodos anticoncepcionais e buscar trabalhar, junto com os adolescentes, as ansiedades que estão envolvidas nos diversos comportamentos do “namoro”, a iniciação sexual, a vida sexual ativa. A fim de que, cada vez mais, perceba-se as práticas contraceptivas como algo positivo e natural – assim como a vivência da própria sexualidade. Precisa-se discutir de forma ampla os significados e consequências de uma gravidez e da maternidade, incluindo aí o papel dos adolescentes (homens) na gestação e na paternidade.
Dessa maneira, entender o adolescente como um sujeito com direitos, tanto sexuais quanto reprodutivos, talvez seja o primeiro passo necessário para que ele possa reconhecer-se também como um sujeito que tem deveres em relação a sua própria sexualidade. E, mais do que isso, que precisa ter responsabilidade para com a própria vida, em todos os aspectos.
Analista em formação: Ivone Ferreira
Analista Didata: Cristina Guarnieri
Referências:
DIAS, A.C.G., TEIXEIRA, M.A.P. Gravidez na adolescência: um olhar sobre um fenômeno complexo. Paideia – Rio Grande do Sul, v. 20, n. 45, jan/abr 2010.
DEUTSCH,H. Problemas psicológicos da adolescência [Tradução: E. Jorge]– Rio de Janeiro, Zahar, 1974.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatística do Registro Civil– Rio de Janeiro, IBGE,v.29, 2002.
JUNG, C.G. A natureza da psique v. 8/2. [Tradução de Mateus Ramalho Rocha]. 10.ed- Petrópolis, Vozes, 2013a.
JUNG, C.G. O desenvolvimento da personalidade v. 17. [Tradução de Frei Valdemar do Amaral; revisão técnica de Dora Ferreira da Silva]. 14.ed- Petrópolis, Vozes, 2013b.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo v. 9/1. [Tradução de Maria Luiza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva]. 11.ed- Petrópolis, Vozes, 2014.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadernos juventude saúde e desenvolvimento. Brasília, 1999.
SILVA, M.O., LOPES, R.L.M., DINIZ, N.M.F. Vivência do parto normal em adolescentes. Rev.Bras. Enferm – Brasília, set/out 2004.
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