Resumo: No Brasil, a relação entre torcedores e seus clubes é uma paixão profunda, integrada à identidade cultural. Além do apoio esportivo, essa conexão cria uma comunidade única, onde as emoções durante as partidas são intensas. Vitórias geram celebrações efusivas, enquanto derrotas podem causar tristeza palpável. Os estádios se tornam templos onde rituais, superstições e tradições fortalecem esse vínculo. As rivalidades entre clubes acentuam ainda mais essa paixão, transformando jogos em embates culturais carregados de história e emoção. Isso nos leva a questionar se existe uma mitologia do futebol. Um convite para a refletir sobre a sociedade contemporânea, a partir dessa experiência, cultural e emocional, que une pessoas de diferentes origens em torno de uma mesma paixão.
Algumas semanas atrás, estava me perguntando o que poderia fazer no final de semana, e, no sábado, alguns amigos indagaram:
“-Que tal irmos ao Brinco?“
“-Que brinco?” perguntei, um tanto surpreso pela proposta.
“-O brinco de ouro!” complementaram.
Não conhecendo ainda muito bem a cidade, fiquei me perguntando que lugar estranho seria esse, mas o convite parecia anunciar a possibilidade de alguma diversão. Fiquei bem curioso…o nome soava como tirado de alguma lenda medieval.
Seria o palco de algum mito moderno?
Quando me disseram que o nome completo deste lugar era “O Brinco de Ouro da Princesa”, comecei a ficar bem mais animado, pois soava como um verdadeiro convite para aventuras.
E, eu, imerso no universo de Carl Gustav Jung, em cuja obra, referências a mitos, lendas e histórias ancestrais são tão frequentes que formaram a base da Psicologia Analítica, comecei a imaginar cavalos e cavaleiros, armaduras e donzelas em perigo precisando de resgate imediato, reis, rainhas, princesas e infelizes, mas inevitáveis, guerras para poder conquistar um eterno graal.
De fato, não estava tão longe da verdade, pois esse brinco já foi de reis e legião, mesmo se “Urbana”. E lá muito se fala, também, em defesas fortes e ataques imparáveis necessários para as vitórias. Lá se confrontaram inúmeras vezes tropas tramando batalhas para poder levar taças de volta para casa, identificadas por suas bandeiras e brasões coloridos.
O “Brinco de ouro” foi um presente dado, em 1953, a esta que tem o apelido de “Princesa do Oeste”: a cidade de Campinas, no interior de São Paulo. E é hoje o decrépito estádio do Guarani Futebol Clube que há muito tempo não vê nada de ouro.
Não sei se assistir a uma partida de futebol no Brasil é algo divertido, mas com certeza é uma observação antropológica que nos leva a questionar, à vista de todas as histórias que o país tem relacionadas a esse esporte e à intensidade das emoções que provoca, se haveria uma mitologia do futebol, e em segundo lugar, o que essa mitologia teria para nos ensinar nos dias de hoje.
Mitologia
Sempre que se ouve a palavra mitologia, imediatamente vem à mente a mitologia grega. O conjunto de mitos que eram narrados originalmente de forma oral na Grécia antiga, dos quais os primeiros registros são comumente associados aos poetas Hesíodo e Homero. Certamente todos se lembram do longo poema A Odisseia, que narra a Guerra de Troia e a volta de Ulisses para Ítaca. A mitologia grega, ao longo de todas as histórias de heróis e deuses do Olimpo, acaba por entreter, mas sempre apresentando fenômenos da natureza e valores sociais.
Em outras culturas, por mais que a palavra mitologia não seja empregada, certamente porque nas tradições oriundas das culturas católicas e judaicas essas histórias de deuses e de situações de enfrentamento de elementos naturais que levam à construção de valores e questionamento de modelos sociais são, de forma geral, escritos religiosos e por isso não são sempre vistos assim para a população geral, mas também são mitos.
Há, de fato, algo mágico no futebol no mundo todo e, especialmente, no Brasil.
A imensa maioria dos brasileiros, de todos os gêneros, mesmo os que não seguem quotidianamente o futebol, se une para assistir e fazer a festa quando o Brasil joga na Copa do Mundo. Essa paixão pelo jogo irradia tanto que até se faz sentir nos outros países. E sua relação com a bola redonda virou uma das marcas registradas do povo brasileiro e contribui para colocar o país no mapa mundi.
Isso não é o um fenômeno exclusivo do futebol. Já ouvimos relatos de expatriados dizendo o quanto se emocionavam quando o Ayrton Senna corria, pois sabiam que no domingo o mundo inteiro se lembraria do seu “tão amado país de origem”. Contudo, há sempre uma emoção especial quando a “seleção canarinha” entra em campo.
O mesmo acontece com os times nacionais. Os torcedores vestem a camisa do seu time do coração em muitas ocasiões, tais como eventos familiares, passeios em shopping e até, às vezes, em situações mais formais, como se fosse um sinal de reconhecimento entre iniciados, de pertencimento a alguma sociedade nada secreta. Tanto quanto com a seleção, para alguns, os resultados do seu clube influenciam diretamente no estado de espírito e podem direcionar as emoções do dia, tão forte é o relacionamento de “amor” com o clube.
Os jogadores são vistos pelos seus fãs como modelos e até deuses
Os jogadores são vistos pelos seus fãs como modelos e até deuses e acompanhamos as trajetórias de atletas como o Pelé, que passou de rei do futebol a ministro, e as conquistas fora campo por jogadores tidos como lendas dos gramados, de prazeres absolutamente inalcançáveis para o comum dos mortais.
E, como os Deuses da Grécia antiga, esses heróis capazes das maiores conquistas nos campos, com arte, talento, inteligência estratégica, também têm defeitos. Lembramos as exuberâncias sociais de Maradona e seu vício em cocaína, de inúmeros escândalos sexuais e diversos crimes que seriam pesadamente cobrados para o comum dos mortais, mas que parecem mais facilmente perdoáveis ou compreensíveis devido à toda a alegria que proporcionam a essa população que, de um pouco de tudo, permanece carente. Mas se podemos perceber, nessas histórias altamente mediatizadas, todos os elementos constitutivos dos mitos, estamos longes de testemunhar o anúncio de alguma nova luz para a humanidade.
Para Mircea Eliade os mitos são arquétipos transmitidos por meio da narrativa mítica.
Ele nos mostra como o mito é relevante para se compreender determinados comportamentos que surgem na sociedade. O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”.
Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser (ELIADE, 2011, p.11).
Para que possamos falar em mitologia, precisaria que essas narrativas dessem lugar a histórias simbólicas que teriam como objetivo, ou pelo menos como efeito, um crescimento ou esclarecimento do funcionamento da coletividade em que estão inseridas.
Isso posto, muitas similaridades existem entre histórias mitológicas e narração de jogos de futebol.
Carlos Byington em seu artigo “O arquétipo da alteridade e a riqueza simbólica do futebol” nos esclarece sobre as funções simbólicas e culturais do futebol. Ele descreve que o jogo é repleto de expressões arquetípicas: imagens e atitudes primordiais que todos nós partilhamos e que nos definem como a “espécie humana’. Explica, ainda, que o jogo acontece geralmente dentro dos dois maiores símbolos Junguianos da totalidade: o quadrado do campo e seus quatro lados e a mandala que é representada pelo círculo da arena (Byington, 1982).
Todo jogo começa com a bola no centro e a emoção que toma conta das torcidas quando o árbitro apita o início da partida, chega imediatamente à periferia dessa gigante mandala popular em um frenesi contagiante.
“Deus é um círculo infinito cujo centro está em todos os lugares e sua circunferência em nenhum”
E, lembrando Blaise Pascal quando disse “Deus é um círculo infinito cujo centro está em todos os lugares e sua circunferência em nenhum”, entendemos o poder numinoso do jogo de futebol.
Byington (1982) traz também um outro aspecto interessante para entender o fenômeno do futebol. O jogo seria uma expressão viva dos dois principais elementos que constituem a psique humana. Os arquétipos matriarcais e patriarcais. Promovendo uma luta entre a sensualidade feminina, expressa pela criatividade dos lances e refinamento técnico com toda a entrega emocional, que o jogo necessita, e os princípios masculinos, da ordem, força, poder e conquista.
Harmonizados, contudo, pelo arquétipo da alteridade, ancorado em nossa sociedade pelos mitos de Cristo e Buda, que “permitem a relação da sensualidade matriarcal e do poder patriarcal em igualdade de condições na personalidade e na Cultura”.
Alteridade
O Arquétipo da Alteridade substituiu os exercícios guerreiros pelas competições desportivas, que propõem um confronto de polaridades. Dentre as quais estão o desejo e o poder, a mente e o corpo, a razão e a emoção, a cabeça e o resto do corpo, a grosseria e a destreza, a vitória e a derrota, a euforia e a depressão, a alegria e a tristeza, a inteligência racional e o instinto, sem que um polo destrua o outro (Byington, 1982). E conclui dizendo:
Outro aspecto essencial quando observamos o futebol é sua dimensão coletiva.
Não poderia haver jogos sem torcidas e sabemos o quanto “jogar em casa” é determinante para o resultado final, devido à “energia” que os torcedores, em massa, entregam para seu time. Durante o jogo, esta identificação (torcedor-time) chega a tal ponto que precisa ser limitada e contida… Esta delimitação física é necessária para favorecer a identificação emocional que, assim, pode atingir com segurança o grau intenso de empolgação necessária para que o povo se torne também agente do drama que se desenrola (Byington, 1982).
Jung (2013b, 329) se refere a este comportamento como participação mística, empregando o termo do antropólogo Lucien Levi-Bruhl, para descrever “este fato psicológico que entre o sujeito e o objeto não há aquela distinção absoluta que se encontra em nossa mente racional”.
Vestir as cores uniformiza as pessoas e permite fundir-se com a massa, no que aparenta ser uma consciência coletiva. Todos viraram palmeirenses, corintianos ou no caso bugres e, neste momento, ao que parece, a humanidade igualmente fanatizada que se encontra do outro lado do estádio vira motivo de ódio.
Colocar a camisa do time parece ser como colocar o brasão e fazer parte de uma coletividade invencível.
Todos nós já ouvimos dizer e muitas vezes gritar: “Sou corintiano e sofredor!”. Isso, aliás, é um mote muito significativo da importância do time para muitos torcedores, o sofrimento partilhado. No momento em que veste a camisa, a pessoa parece perder sua própria identidade para tornar-se um torcedor, às vezes com uma identificação tão forte que continua fora do estádio.
Jung certamente chamaria de identificação com a persona, essa máscara social que precisamos usar para nos adaptar ao coletivo. E é ali que tem outro aspecto fundamental para entendermos os mecanismos do fanatismo por esporte: ao vestir a camisa, torna-se torcedor e perde sua individualidade para virar meramente um elemento da torcida (que parece ser um organismo vivo e autônomo). Ficou claramente evidenciada a simbologia arquetípica e imensa carga afetiva desses comportamentos.
Portanto, podemos entender a torcida como um conglomerado de pessoas ligadas por uma mesma energia afetiva, projetada sobre o time e seus heróis – seu exército sagrado.
Se o cavalheiro veste o brasão por amor e fidelidade à dama que o escolheu como campeão para vingar sua honra, o mesmo se escuta sempre nos estádios: “onde há de reinar o amor ao time e os jogadores se sacrificam por amor à camisa”. Todavia, permanecer um minuto observando os torcedores adentrando a arena provoca imediatamente uma percepção totalmente oposta.
Eu me lembro de um dos primeiros jogos que assisti ao vivo. Foi para a inauguração do estádio do Corinthians em vista à Copa do Mundo de 2014. Eu era responsável pela supervisão da entrada dos torcedores no estádio.
Quando ouvi no rádio: “A Gaviões está chegando”, quis olhar de perto esse fenômeno que é uma das principais torcidas organizadas do país, e me dirigi à entrada.
Quando vi, de um lado, esse amontoado de gente com suas camisas marchando que nem um exército bem organizado debaixo de sua bandeira gigante e, de outro lado, a tropa de choque da Polícia Militar protegida por capacetes e escudos, voltei para dentro, tamanha era a violência potencial que emergia daquele encontro prestes a acontecer.
E naquele Brinco de ouro, violência é também o que se destacava nas palavras proferidas e atitudes dos torcedores do Guarani, neste sábado. O que me levou a me perguntar por que, neste momento, em que supostamente celebramos a alteridade e o amor pelo clube, o que mais se percebe é violência explícita e verbalização do ódio pelo adversário. O que pode parecer sem sentido já, que neste dia, o adversário era a Ponte Preta, outro time de Campinas, ou seja, este outro odiado poderia ser o vizinho ou professor da escola do seu filho ou seu médico.
Eles pertencem à metade inferior do corpo, associada aos processos inconscientes, “instintivos e vegetativos”. Também poderíamos associar o gol, o Clímax do jogo – com sua intensa explosão afetiva, que libera a torcida da tensão do jogo até então ainda não definido – como a expressão simbólica de um gozo coletivo reprimido.
Simbologia do futebol
Como, de acordo com Jung (2014, 634), a função psicológica da mandala é religar a Consciência ao centro da personalidade, podemos pensar que o apego ao futebol é um chamado simbólico, catalisado pela dinâmica energética da mandala para observarmos o quanto essas questões primordiais e arcaicas ainda agem como elementos centrais da personalidade, e que a despeito de qualquer ilusão de evolução espiritual, o corpo ainda parece falar mais alto de que a alma.
No entanto, o que chama atenção é que este carinho verbalizado pelo time. No volume coletivo do estádio que se transforma numa massa de ódio professando injúrias contra a mãe do juiz. Mas também direcionada de forma extremamente violenta à torcida oposta, como se o uniforme virasse uma armadura com poder de transmutar o quieto rapaz de classe média urbana em um soldado numa guerra santa, detentor da verdade e de todos os direitos.
A similitude com seitas religiosas é marcante.
A similitude com seitas religiosas é marcante. Em ambos os casos, a proposta de amor que vincula o grupo, fundamento ideológico dessas associações de seres humanos, costuma dar lugar à expressão de uma segregação baseada na aparente diferença de pensamento ou de pertencimento a outro grupo religioso, étnico ou cultural, e para a torcida, de outro pais, cidade ou bairro.
Jung considera a atitude religiosa como a procura por algo externo, maior de que o ser. Para proporcionar um sentido a um mundo onde muitas perguntas permanecem desprovidas de respostas, e frente a esse abismo metafisico uma necessidade de proteção. E sobre a religião também nos explica que:
Não só o cristianismo, com sua simbólica salvífica, mas, de um modo geral, todas as religiões, e mesmo as formas mágicas das religiões dos primitivos, são psicoterapias. São formas de cuidar e curar os sofrimentos da alma e os padecimentos corporais de origem psíquica (JUNG, 2013, 20).
Jung também nos lembra que todo símbolo, devido à sua origem arquetípica, ao mesmo tempo, sempre carrega luz e sombra.
Essas imagens contêm não só o que há de mais belo e grandioso no pensamento e sentimento humanos, mas também as piores infâmias e os atos mais diabólicos que a humanidade foi capaz de cometer. Graças à sua energia específica, pois comportam-se como centros autônomos carregados de energia, exercem um efeito fascinante e comovente sobre o consciente. Consequentemente, podem provocar grandes alterações no sujeito. Isso é constatado nas conversões religiosas, em influências por sugestão e, muito especialmente, na eclosão de certas formas de esquizofrenia. (JUNG, 2013a, 109)
E com sua alegoria entre o campo de futebol e a mandala, Carlos Byington (1982) nos dá um gancho, com certa liberdade de interpretação, para começar a elaborar um princípio de resposta. Se o Campo de futebol é um quadrado dentro da mandala formada pela arena, existe também outra mandala ao centro do campo. Assim, poderíamos fantasiar que essa perspectiva de um símbolo dentro de outro também pode ser invertida e que, portanto, a dinâmica psíquica inversa também poderia ser catalisada pela configuração do estádio.
Isto é, se fora do estádio se fala em amor, valores morais, éticos e transformadores do esporte, ao adentrar o recinto, liberta-se também a palavra da sombra, e o lado obscuro da comunidade se manifesta livremente. As torcidas organizadas, assim como as escolas de samba tem forte conexão com a periferia e as comunidades. Aliás, algumas escolas são ligadas as torcidas.
Dessa maneira, podemos começar a perceber que a violência da torcida é uma resposta arquetípica. Uma projeção da violência do ressentido da vida, ainda não assimilada e que precisa se expressar de alguma forma.
Mas de que nos serve essa reflexão?
Mas de que nos serve essa reflexão sobre um tema tão comum no Brasil? E que somos obrigados a concluir que não conseguimos entender por completo? Afinal de contas, exageros de torcidas, agressões em estádios estão tão banais no país que nem chamam mais a atenção da mídia. No entanto, é imprescindível lembrar que o futebol acompanha sempre movimentos políticos e sociais.
Seja o movimento da “nação corintiana” e das torcidas organizadas, que nasce em 1969, com a criação da “Gaviões da Fiel”, talvez coincidentemente (ou não), logo após o ato inconstitucional n.5 (AI5) – expressão mais importante da ditadura militar, ou as decisões de localização das copas do mundo que acompanham pautas econômico-sociais.
Lembramos os ex-presidentes do Brasil que se declararam publicamente corintianos ou palmeirenses. Da forma como Hitler, Mussolini ou Franco tentaram aproveitar a popularidade deste esporte para ganhar massa eleitoral.
Isto não significa que haja qualquer tendência ou orientação política nas torcidas organizadas, mas que elas representam expressões visíveis de necessidades comuns que juntam pessoas de universos socioeconômicos completamente diferentes. Por isso, como certas seitas religiosas, se inteligentemente manipuladas podem influenciar no destino de uma nação.
A pergunta que faço é: qual a origem deste ressentimento que amedronta ao ponto de ocasionar uma resposta de proteção tão violenta? da qual nem estado nem religião conseguem dar conta? Não se tem resposta. Estudos mostraram que não há relação direta entre poder aquisitivo e violência das torcidas.
Em resumo, porque toda esta luz manifesta-se em sombra, ninguém sabe.
Mas seja talvez ali que reside a grande lição que devemos aprender, a importância da observação da ressurgência de figuras arquetípicas.
Jung explica, no primeiro capítulo de “Aspectos do drama contemporâneo”, que as manifestações da juventude alemã nos anos 30 evidenciavam à ressurgência do Deus mítico Wotan: o “furor teutónicus” (Jung, 2012, 388).
O que, para o observador atento e conhecedor da mitologia, anunciava a chegada do nacional socialismo (Jung, 2012, 385). Nos alertando sobre o fato de que para entender os acontecimentos humanos é preciso atentar-se às expressões simbólicas, pois elas são as manifestações do inconsciente.
Sempre que tentamos entender uma situação cultural, política ou histórica, se nos mantivermos somente no racional, sem trazer o inconsciente para a reflexão, reduzimos nossa percepção dos fatores humanos, uma vez que a consciência não passa da parte visível do ‘iceberg da psique”.
E o que essa reflexão nos ensina de relevante para os dias de hoje?
É tristemente simples…
Se o futebol não passa de um ensaio elegante e lúdico de uma batalha, durante a partida são colocados em jogo os mesmos arquétipos, regidos pelas mesmas energias humanas que nas batalhas de verdade, só que pacificados pelo contexto do esporte. Exatamente como mitos e contos encenam de forma artísticas qualidade e defeitos da realidade íntima de todos os homens.
Portanto, nesses momentos turvos em que percebemos que o mundo permanece imerso em conflitos armados e ameaças de genocídios, cujos motivos ninguém consegue entender (já que ninguém até hoje conseguiu resolver), todos os professores de Direito e Geopolítica, todos os Diplomatas, Chefes de estado e pseudointelectuais precisam voltar-se para um lugar de maior humildade e entender que as constantes alegações de motivos econômicos e políticos nunca foram respostas adequadas.
Somente poderá haver um esboço de solução quando se levar em consideração todas as dimensões humanas subjacentes, escondidas atrás dos fatos palpáveis, o que somente a observação dos símbolos – que são a linguagem do inconsciente – permite revelar.
E espero, que com a graças dos deuses, isso aconteça antes de que as últimas princesas tenham de vender seus últimos brincos de ouro para permanecerem vivas, mesmo que somente em nossos sonhos.
Analista em Formação: Sebastien Baudry
Analista Didata: Maria Cristina Guarnieri
Referências:
Byington, Carlos, Revista Psicologia Atual, Ano 5 nº 25, São Paulo, 1982. Última revisão em maio de 2006
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade São Paulo, SP: Perspectiva, 2011
JUNG, C. G. Aspectos do drama contemporâneo 10/2 Obra Completa. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
__________ A prática da psicoterapia. 16/1 Obra Completa. 16 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
__________ Psicologia do inconsciente. 7/1 Obra Completa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013a.
__________ A natureza da psique. 8/2 Obra Completa. 10 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013b.
__________ Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 9/1 Obra Completa. 1’ ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
Canais IJEP:
Acesse nosso site e conheça nossas Pós-Graduações: IJEP | Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa
Conheça também nossos Congressos Junguianos: Congressos IJEP (pages.net.br)
Aproveite para nos acompanhar no YouTube: Canal IJEP – Bem vindos(as)! (youtube.com)