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A cotransferência no processo de análise de sonhos

No mundo desalmado em que vivemos, como podemos dar tempo e espaço ao universo sutil? E como realizar isso? A psicologia analítica junguiana pode ser uma ajuda valiosa. Grande parte do trabalho analítico visa estabelecer uma conexão entre o mundo externo e o interno, enriquecendo a aridez do cotidiano com as imagens ricas da alma. A ponte entre esses dois universos é construída por meio do que Freud chamou desde o início de 'via régia': os sonhos. Além disso, é construída pelo método posteriormente desenvolvido por Jung, envolvendo estímulo através da imaginação ativa e expressões criativas. Neste campo fértil, a interface com a mitologia é preciosa. Afinal, como Joseph Campbell afirmava, o sonho é para o indivíduo o que o mito representa para a coletividade.

Resumo: No mundo desalmado em que vivemos, como podemos dar tempo e espaço ao universo sutil? E como realizar isso? A psicologia analítica junguiana pode ser uma ajuda valiosa. Grande parte do trabalho analítico visa estabelecer uma conexão entre o mundo externo e o interno, enriquecendo a aridez do cotidiano com as imagens ricas da alma. A ponte entre esses dois universos é construída por meio do que Freud chamou desde o início de ‘via régia’: os sonhos. Além disso, é construída pelo método posteriormente desenvolvido por Jung, envolvendo estímulo através da imaginação ativa e expressões criativas. Neste campo fértil, a interface com a mitologia é preciosa. Afinal, como Joseph Campbell afirmava, o sonho é para o indivíduo o que o mito representa para a coletividade.

A imaginação

Na década de 1980, Michael J. Meade foi um pioneiro do Movimento dos Homens nos Estados Unidos. Atualmente o mitólogo, contador de histórias, autor e fundador da Mosaic Voices continua a publicar e ensinar para um público mais amplo, que inclui, mas não se limita a, pessoas que se identificam como pertencentes ao sexo masculino. Ele também é o responsável pelo podcast chamado Living Myth (algo como Mito Vivo em português). Na edição de número 359, de dezembro de 2023, ele aborda A Necessidade da Imaginação.

Para Meade, a imaginação é crucial, pois dá voz à alma. Não é à toa que, neste mundo desalmado em que vivemos, ele sugere que um bom antídoto seria dedicar tempo e espaço ao mundo sutil e subjetivo do ânimo. Mas como fazer isso? É aqui que a psicologia analítica junguiana pode oferecer ajuda.

Desde sua origem, a psicologia analítica junguiana caminha de mãos dadas com a mitologia, ou seja, com as histórias sagradas. Juntas, ambas bebem na fonte pura do mundo imaginal.

Por um lado, o mundo objetivo e consciente é literalizado, o que se refere ao ato de tornar algo mais literal ou representar algo de maneira exata e direta, sem muita interpretação ou abstração. Na linguística, por exemplo, podemos falar em “tradução literalizada” para descrever uma tradução que segue de perto as palavras e a estrutura da língua original, sem muita adaptação ou interpretação livre. Como diríamos de maneira informal, ao pé da letra. Uma mesa é uma mesa, ponto final.

Já o espaço subjetivo interno é incrivelmente rico. Principalmente porque, na maior parte dos casos, seu conteúdo é inconsciente. Para uma pessoa uma mesa pode ser a mesa de jantar da casa da avó querida ou a mesa onde um tio foi velado. Essa riqueza é imaginal – uma vez que a mesma imagem pode evocar inúmeras possibilidades.

O mundo imaginal

O termo ‘mundo imaginal’, aliás, foi popularizado pelo filósofo e estudioso das religiões francês Henry Corbin (1903-1978). Ele introduziu esse conceito para descrever uma dimensão da realidade que transcende tanto o mundo físico quanto o puramente imaginativo. Corbin explorou a ideia de que existe um reino intermediário entre o mundo material e o mundo puramente mental, denominando esse espaço de ‘mundus imaginalis’ em latim, traduzível como ‘mundo imaginal’.

Nesse contexto, o mundo imaginal não é simplesmente fruto da imaginação individual. É concebido como uma realidade autônoma, habitada por formas arquetípicas. Corbin tinha especial interesse na tradição mística islâmica e nas filosofias persas, onde encontrou conceitos semelhantes. O mundo imaginal, portanto, é considerado um domínio intermediário, no qual a imaginação atua como uma ponte entre o material e o que poderíamos chamar de não material, o espiritual ou sagrado, utilizando a terminologia de Mircea Eliade.

É digno de nota que a experiência imaginal é resultado da vivência subjetiva de cada um de nós, podendo ser expressa por apenas um ou todos os cinco sentidos. Até podemos incluir a intuição como um sexto sentido, que também pode estar presente. Desta forma, o resultado imaginal não é necessariamente atrelado a uma representação visual como apregoa o senso comum.

Nos mitos e contos de fada, geralmente encontramos um psicopompo entre o mundo interno e externo.

A palavra ‘psicopompo’ tem origem grega, resultando da união de ‘psique’ (alma) e ‘pompo’ (condutor). Na mitologia um psicopompo é uma entidade, espírito, deidade ou figura mitológica que atua como guia, condutor ou acompanhante das almas dos mortos para o além, auxiliando-as na transição entre a vida e a morte.

Na psicologia, muitas vezes, esse papel é desempenhado pelo analista. Isso se justifica pelo fato de figuras consideradas psicopompos incluírem Anúbis na mitologia egípcia, a divindade Yama no hinduísmo, Hermes e Caronte na mitologia grega, Exu da etnia Iorubá e Condutor de Almas (também conhecido como Bardo) no budismo tibetano.

Essas entidades são vistas como guias que auxiliam as almas a encontrar seu caminho após a morte, proporcionando assistência e proteção durante essa jornada. No entendimento da Psicologia Analítica Junguiana, quem facilita o papel de mediador entre os mundos e auxilia na busca do caminho possível é um profissional treinado. Esse indivíduo é especializado, pois possui uma base teórica sólida, bem como treinamento em supervisão e terapia pessoal.

O método junguiano para lidar com sonhos é bastante abrangente. Inicialmente, adota a associação de ideias, seguindo a tradição de Freud, ao estimular o inconsciente pessoal do sonhador. Freud afirmava que esses conteúdos eram reprimidos, latentes e não desenvolvidos.

Entretanto, a partir de Jung, promove também a ampliação, quando o psicoterapeuta fornece feedback sobre como esse conteúdo ressoou nele mesmo. Geralmente, nesse ponto, adentra-se nos conteúdos arquetípicos e míticos, ou seja, no inconsciente coletivo conforme preconizado por Jung.

Costuma-se dizer que o sonho pertence ao sonhador, e isso é verdade.

No entanto, em certo sentido, quando o sonho é analisado se torna algo presente nos inconscientes, tanto de quem sonha quanto de quem analisa. Assim, argumentamos que podemos considerar esse processo como uma cocriação, pois o resultado mobiliza conteúdos em ambas as pessoas: o analisando e o analista. Quando uma análise é bem conduzida ela pode ser transformadora para ambos.

Não por acaso, os psicopompos desempenham um papel crucial em diversas tradições religiosas e mitologias ao redor do mundo, frequentemente associados a rituais funerários, resgate de almas ou condução das almas para o além após a morte. No entanto, como Jung mesmo alertava, nem todos os sonhos são passíveis de análise. Adentramos o mistério do inconsciente com respeito, pedindo humildemente licença para entrar, conscientes de que estamos longe de sermos senhores nesse domínio. Por fim, é crucial adentrar o território do outro com reverência, conscientes de que estamos diante de um vasto e complexo universo, no qual a compreensão humana é apenas uma pequena parcela.

Monica Martinez – Analista em Formação pelo IJEP
Waldemar Magaldi – Analista Didata – IJEP

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