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Marrom: Ambiguidade e Naturalidade

Marrom: ambiguidade e naturalidade

Este presente artigo visa abordar sobre a cor marrom e sua pouca preferência pela maioria das pessoas feita pela cientista social alemã Eva Heller e a influência do marrom dentro da clínica de arteterapia e imagens criadas dentro do processo terapêutico. Avaliamos o valor simbólico e as possibilidades para uma ampliação mais profunda em cima da cor marrom.

Este presente artigo visa abordar sobre a cor marrom e sua pouca preferência pela maioria das pessoas feita pela cientista social alemã Eva Heller e a influência do marrom dentro da clínica de arteterapia e imagens criadas dentro do processo terapêutico.

Avaliamos o valor simbólico e as possibilidades para uma ampliação mais profunda em cima da cor marrom.

Nos idos 2000, a cientista social alemã Eva Heller traz um estudo sobre as 13 cores que mais se mostram “autônomas, não podendo ser substituídas por nenhuma outra” (HELLER, 2022). Assim, a escritora nos mostra através de um estudo analítico e subjetivo dentro da sociedade alemã uma percepção arquetípica dessas cores e suas influências dentro de um aspecto emocional e simbólico.

Dentro de uma análise perceptiva, Heller nos apresenta o marrom como a cor menos apreciada dentro da cartela de cores apontadas nesse estudo. Menos de 1% das pessoas consultadas a tem como cor preferida e mais de 20% de ambos os sexos consideram a cor que menos benquista deste grupo de 13 cores (HELLER, 2022).

Devemos lembrar que esse estudo foi feito na Alemanha, com alemães, poderia ter uma pluralidade considerável dentro de perspectivas culturais distintas e ideais estéticos diferentes, mas acredito que podemos tomar como base algumas percepções desse estudo, pois temos uma visão ocidental comum, e isso faz com que essa ideia global arquetípica alce campos partilhados entre nossa cultura e a cultura alemã e europeia.

No círculo cromático o marrom vem da junção das três cores primárias: azul, vermelho e amarelo, suas tonalidades variam da composição dessas cores. Quando temos mais azul, temos um marrom mais frio; quando temos mais vermelho aparece um marrom mais quente e quando adicionamos mais amarelo temos um marrom mais esverdeado.

O marrom ao mesmo tempo que é a união das cores primárias é a anulação das suas individualidades como cor.

Como se percebe, é ambígua essa interpretação, mas essa dicotomia é sentida, percebida e afeta esteticamente e emocionalmente quando nos relacionamos com a cor marrom.

Enquanto que o historiador e antropólogo francês Michel Pastoureau, em seu livro “As cores das nossas memórias” (tradução livre do francês) apresenta o marrom como uma cor “desagradável e vulgar” (PASTOUREAU, 2010).

E o estudo de Eva Heller apresenta dentre essas características o marrom como:“a cor da preguiça e imbecilidade […]. E, no entanto, como cor de vestuário, o marrom é muito bem aceito; pois que se acredita que a mistura de todas as cores combina bem com todas elas e são adequadas a todas as ocasiões”

HELLER, 2022, p. 255

Essa dubiedade do ordinário e necessário se apresenta na cor marrom. Pois no marrom se encontra a natureza, a terra, os troncos das árvores, nas folhagens secas, na carne que comemos, em leguminosas, etc. O marrom está em todo lugar.

Entender a cor como valor simbólico é necessário principalmente quando temos algum objetivo perceptivo analítico. Não é para menos que na moda, arquitetura, marketing, dentre outras profissões, o estudo das cores, colorismo, e entendimento do que a cor passa emocionalmente é necessário para formação.

Logo, nós dentro da Arteterapia e da Análise Junguiana não podemos deixar de nos orientar nesse tipo de percepção e entendimento. Não precisamos fazer como Goethe ou Kandinsky, mas existe uma importância grande em nos orientarmos dentro das ampliações perceptivas daqueles que vieram estudando o assunto previamente e aplicar a ferramenta dentro da nossa clínica.

O marrom na clínica e na arteterapia

Carl Gustav Jung em sua obra tece comentários e percepções sobre as cores em ampliações de clientes e pessoas que passaram pelo processo terapêutico com uso de imagens com ele. Em determinado ponto ele associa as cores vermelha, branco, amarela e branca aos tipos psicológicos “quatro cores básicas: vermelho, verde, branco e amarelo, representando os quatro pontos cardeais e ao mesmo tempo as funções psíquicas, conforme mostra o Bardo Tödol tibetano”

JUNG, 2012d, §630

Dentro de outra análise, Jung considera: “as cores típicas: vermelho, verde, amarelo e azul” (JUNG, 2012d, §648) e essas são as cores que compõem o marrom. Logo, a percepção das cores para Jung tem viés simbólico, ao mesmo tempo que emergem de forma inconsciente nas artes produzidas por clientes que não elaboram suas produções de maneira racional.

Mesmo que tenhamos a intenção na produção de qualquer arte plástica ela vem com conteúdos que não conseguimos acessar com a nossa consciência. Jung talvez tenha sido um dos pioneiros nessa percepção das imagens como caminho para o inconsciente. Se não foi o primeiro a se utilizar de tal recurso.

Voltando à cor marrom: quando vemos dentro de uma imagem na clínica sempre devemos perguntar ao cliente o que ele sente, como ele percebe aquela cor na imagem. O que ele fala vai determinar para onde nossa ampliação segue.

Se o marrom for seriedade, estrutura, estabilidade, podemos direcionar para aspectos dentro dessa leitura e tentar perceber qual marrom se viabiliza na imagem, mais frio, mais quente ou mais esverdeado.

Direcionamento clínico

Isso pode ser um bom direcionador para condução analítica de avaliar o marrom na clínica e na arteterapia, pois as características aplicadas pelo cliente na clínica são em si neutras.

Por exemplo: seriedade pode ser muito bom para alguém que não se compromete na vida, já alguém que se leva muito a sério e que se compromete de forma rígida com tudo o que se relaciona é percebido por um viés negativo, pois reforça um complexo dominante.

Assim, cada troca traz uma possibilidade e variedade de caminhos ao fazermos essa análise em consultório com cliente e imagem. Outra possibilidade é o marrom “aparecer”, começa com uma imagem sem intenção de marrom, mas ele aparece ali e toma espaço da imagem.

Quando isso ocorre gosto de pensar em como isso ocorreu e pergunto que cores usou primeiro e quando foi percebido pelo autor da imagem esse marrom invasor.

Esse tipo de evento ocorre com muita frequência na clínica arteterapêutica. E, normalmente, se mostra muito fértil para ampliação de conteúdos inconscientes, o marrom pode ser fértil mesmo sendo um conteúdo indesejado.

No processo terapêutico, a maioria dos temas e pontos abordados são deliberadamente dolorosos e se não conduzidos com muita cautela e cuidado podem se tornar apenas dejetos fedorentos, assim como o marrom em si.

A intencionalidade por detrás da cor marrom

O marrom esconde a intenção de um modo geral, o preto não mostra, o cinza é indeciso, o marrom quer revelar, mas tem alguma impossibilidade naquele momento de visualizar com clareza algo que pode estar emergindo. Eva Heller ressalta no seu livro que

“pela simbologia antiga, o marrom é uma cor feminina. É a cor da terra, da fertilidade […] A vagina tem sido comparada também com frutos da cor marrom, como o figo e as ameixas.”

HELLER, 2022, p. 260

E o mais interessante é que esse texto vem com o título de “A cor do amor secreto”. Isto porque os homens que não tinham dinheiro para se casar na antiguidade não tinham direito ao amor vermelho, sim ao amor marrom. Davam anéis com uma pedra marrom para amada, mas a relação tinha que ser discreta. Desse modo, o marrom também “designava a cor da infidelidade” (HELLER, 2022, p.260/261).

Logo, a cor marrom com sua dubiedade pode trazer conteúdos profundos e que estão emergindo dentro da clínica.

Gosto de pensar que as cores nos trazem possibilidades de visitar determinados temas, mas o marrom traz à tona algo que ainda não se permite visualizar com clareza ou definição, então pede cuidado e atenção pois são oportunidades que o inconsciente quer revelar de maneira discreta e com atenção.

Portanto, a naturalidade do marrom faz com que ele seja ordinário, mas ao mesmo tempo necessário. Ele é onipresente na paisagem, na comida, na natureza, na vida. E assim é o trabalho terapêutico, trabalhamos com fatos, o comum, o ordinário e o extraordinário – assim como as sincronicidades – e o marrom participa desse processo.

Um conteúdo inesperado, que está ligado direta ou indiretamente a um acontecimento objetivo exterior, coincide com o estado psíquico ordinário: é isto o que chamo de sincronicidade, e sou de opinião que se trata exatamente da mesma categoria de eventos, não importando que sua objetividade apareça separada da minha consciência no espaço ou no tempo.

JUNG, 2012c, §855

Bárbara Pessanha – Membro Analista em Formação IJEP

E. Simone Magaldi – Fundadora e Membro Didata IJEP

Referências:

CESARINI Argiroffo, G. (2019). Il significato dei colori: il marrone. Disponível em: <https://www.giornaledipsicologia.it/il-significato-dei-colori-il-marrone/> Acesso em: 01 set. 2023.

CODICI Colori (2021). Significato del marrone. Disponível em: <https://codicicolori.com/significato-dei-colori/significato-del-marrone> Acesso em: 01 set. 2023.

HELLER, Eva. A Psicologia das Cores: Como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo: Editora Olhares, 2022.

PASTOUREAU, Michel. As cores das nossas memórias. Diário cromático com mais de meio século, trad. por L. De Tomasi, Série de Ensaios, Milão, Ponte alle Grazie, 2011, ISBN 978-88-6220-340-1.

JUNG, C. G., O eu e o Inconsciente 7/2. Obras Completas de C. G. Jung. 11ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2012a.

_______. A natureza da psique 8/2. Obras Completas de C. G. Jung. 11ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2012b.

_______. Sincronicidades 8/3. Obras Completas de C. G. Jung. 11ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2012c.

_______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo 9/1. Obras Completas de C. G. Jung. 11ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2012d.

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