Em minha experiência profissional de 30 anos no mercado financeiro tenho visto, ao longo deste tempo, grandes mudanças no ambiente de trabalho corporativo. As grandes salas de diretoria, elevadores e banheiros privativos típicos dos anos 90, os restaurantes exclusivos para executivos que ainda existiam nos anos 2.000, foram dando espaço para ambientes mais integrativos e inclusivos, ao mesmo tempo que a hierarquia rígida foi sendo substituída por relações mais horizontais entre os níveis das organizações, buscando com isso alcançar uma maior produtividade dos colaboradores, além de maior eficiência nos custos. Nos últimos tempos as mudanças se aceleraram, as tradicionais “baias” foram trocadas por mesas coletivas, onde os colaboradores escolhem onde e perto de quem se sentar, e em qual local físico querem trabalhar. Começando pelas empresas de tecnologia, outros setores passaram a adotar a mobilidade como mote principal na relação com os funcionários. A estrutura física da empresa passou a servir apenas como base de apoio, e o home office se tornou uma opção cada vez mais utilizada. Vemos que no bojo de tais mudanças, o funcionário não tem mais um lugar para chamar de seu na estrutura física da empresa, uma mesa onde colocar os tradicionais porta-retratos com fotos de família ou coleção de canetas, ou mesmo uma gaveta para guardar pertences pessoais, fazendo com que os colaboradores tenham um novo de padrão de trabalho, com maior flexibilidade e maior descontração, porém o ambiente se torna, ao mesmo tempo, totalmente impessoal.
Neste cenário, é muito interessante observar a reação das pessoas, como e se conseguem se adaptar a uma nova situação que, por muitos anos, foi o “status quo” dentro das grandes empresas. Intriga-me entender como estas mudanças tão abruptas na cultura organizacional se dão, do ponto de vista psicológico dos indivíduos que as compõe.
Por um lado, entendo que a mudança é gerada por um movimento de adequação ao ambiente externo, aos fatores econômicos e do mercado que exigem ajustes tanto do ponto de vista de custos, eficiência, rentabilidade, como também de atratividade da empresa para o recrutamento de novos talentos. Atualmente as empresas buscam inovação e criatividade como perfil básico em novos colaboradores e, para atrair jovens com estes atributos, quebrar paradigmas culturais é necessário. Por outro lado, fatores internos da organização, tais como potencial para alcançar resultados e satisfação dos colaboradores também pressionam para que as mudanças ocorram. Nesta época em que vivemos, com todo o acesso à informação e à conectividade, manter a rigidez do ambiente de trabalho é algo que, após o movimento de mudança, se tornou impensável.
Lafitte (LAFITTE, 2002) coloca que os estudos organizacionais têm buscado compreender os fenômenos que atuam nas organizações em diversas vertentes do conhecimento, não se restringindo mais apenas as teorias clássicas da administração. E, neste contexto, a psicologia analítica pode ser utilizada também no estudo da dinâmica das organizações, para trazer maior entendimento sobre como se dão os movimentos da psique coletiva em busca do impulso para a mudança, mas também como as mudanças atuam na psique coletiva.
Os conceitos de persona, sombra, inconsciente tem sido utilizados para falar sobre os fenômenos culturais e sociais que afetam a vida das organizações. Lafitte (LAFITTE, 2002, pag. 11), propõe a “transposição de conceitos que se aplicam à psique humana para uma possível psique organizacional.” Desta forma, a organização poderia ser vista como se fosse um organismo que possui uma “mente” (estrutura) organizacional, pois, afinal é composta por seres humanos. Ampliando esta ideia, é possível entender que há um inconsciente coletivo da organização.
Para chegar neste conceito Lafitte coloca que entende as organizações como uma coletividade e toma emprestado o conceito de inconsciente coletivo de Jung, abordando-o como um “inconsciente coletivo organizacional”, que se torna “mais do que seria a soma dos conteúdos particulares de uma dada organização, sua história, seus mitos, suas lendas particulares, seus tabus, etc.. ” (LAFITTE, 2002, pg.26).
Jung considerava que ” o inconsciente coletivo é afetado pelas condições sociais, políticas e religiosas em geral, na mesma medida em que todos aqueles fatores oprimidos na vida de um povo pela perspectiva dominante e sua respectiva atitude reúnem-se paulatinamente no inconsciente coletivo e conseguem, deste modo, tornar vivos seus conteúdos. Na maior parte das vezes, um indivíduo ou mais, dotados de poderosa intuição, são os que percebem essas mudanças no inconsciente coletivo e as traduzem em ideias comunicáveis. Essas ideias se propagam rapidamente, pois também para outras pessoas ocorreram mudanças paralelas no inconsciente.” (HARK, 2000 apud LAFITTE, 2002, pg.15).
Trazendo esta discussão para o contexto das organizações, uma análise possível é a de que a pressão interna por mudanças vai se consolidando em seu coletivo até que a ideia seja captada pela liderança, que a implementa. Isso não significa que será aceita de pronto. Podem ocorrer resistências, normalmente originadas pelo medo do novo ou pela perda do poder, mas estas serão quebradas à medida que o inconsciente coletivo se impõe.
Tomando como exemplo as mudanças de layout nas organizações, esperava observar maior resistência às mudanças nos colaboradores mais experientes, aqueles que, pelo tempo de trabalho e de vida, estiveram expostos por mais tempo à cultura anterior. Mas esta hipótese não se mostrou verdadeira. Muitos colaboradores antigos se adaptaram mais rapidamente às mudanças que os mais jovens. Foi interesse notar que os que não se adaptaram de pronto buscaram alternativas para as mesas, nos primeiros momentos da mudança, utilizando gaveteiros de plástico para fazer às vezes do famoso “porquinho”, o tradicional gaveteiro volante.
Citando Jung, novamente, “novas ideias não são simples oponentes das antigas; em geral, surgem sob uma forma tal que parecem também inaceitáveis para a atitude anterior” (HARK, 2000 apud LAFITTE, 2002, pg.15).
E, observando uma situação real como a mencionada acima, é exatamente isso que se nota. Por mais criativas que tenham sido as tentativas de voltar à atitude anterior, isso não ocorreu, o novo modelo se impôs.
Desta forma, vemos que o inconsciente impõe o novo com uma força incontrolável, permitindo a evolução da cultura das grandes organizações.
Leila Cristina Montanha
Analista Junguiana em formação pelo IJEP
Tel. 9 8596-8335
Referências:
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. 10ª ed. Petrópolis: Vozes, 2013
JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008