“A vida é uma pausa luminosa entre dois grandes mistérios que, contudo, são um.”
C.G. Jung
Resumo: Pessoas 50+: Esse público está crescendo de forma intensa no Brasil. Esse texto tem como objetivo analisar como essas pessoas estão se preparando para vivenciar essa etapa da vida. Como estão lidando com as mudanças que estão se processando em seu corpo físico, em suas emoções, em seu meio social e principalmente em seu mundo interno. Onde estão buscando referências ou apoios para atravessarem essa etapa da jornada? Enfim, esse texto é um convite à reflexão de: “Quem sou eu além da minha história de vida e dos papéis que interpretei?”
60.212.062 pessoas 50+ no Brasil, esse é o número informado pelo Contador de Longevidade, atualizado em 21/04/2025, às 15h44, momento em que começo a escrever essas linhas.
Para o cálculo desse número, o Contador de Longevidade utiliza-se de dados do IBGE e uma interface que permite a contabilização em tempo real.
Mas se a tecnologia é capaz de mensurar de forma tão apurada a realidade do crescimento da população que se encaminha para o entardecer da vida, qual é o cenário legítimo dessa população?
Como ela está enfrentando as mudanças que advém nessa fase? As alterações físicas, as transformações hormonais, a falência das crenças e valores? A constatação de que se tem mais tempo vivido do que para se viver, além de sentimentos que começam a visitá-la de forma perturbadora, como por exemplo a solidão e o medo da morte?
Jung, em seu livro Natureza da Psique, nos diz que os indivíduos entram totalmente despreparados na segunda metade de suas vidas, pois inexiste uma preparação para essa nova etapa, como por exemplo, as universidades que incluem e orientam os jovens para o início da fase adulta, ou pelo menos deveriam!
Entramos totalmente despreparados na segunda metade da vida, e, pior do que isto, damos este passo, sob a falsa suposição de que nossas verdades e nossos ideais continuarão como dantes. Não podemos viver a tarde de nossa vida segundo o programa da manhã, porque aquilo que era muito na manhã, será pouco na tarde, e o que era verdadeiro na manhã, será falso no entardecer.
(JUNG, 2013, p. 355)
Deparamos aqui com mudanças que não são somente físicas, mas de princípios e valores.
Enquanto somos jovens e começamos a escalar a montanha de nossas vidas, nos orientamos por ideais e crenças que no entardecer da vida, muitas vezes, se tornam totalmente inadequados ou obsoletos.
Aquilo que nos guiou durante o início de nossa jornada não fornece mais satisfação e plenitude, é como se estivéssemos com um mapa e descobríssemos, quase no final do trajeto, que o destino estava errado.
James Hollis, em seu livro Passagem do Meio, diz que esse momento ocorre quando a pessoa se vê obrigada a encarar a sua vida como algo além do que sucessão de anos.
Nessa fase o indivíduo tem a oportunidade de reexaminar a sua vida e se questionar: “Quem sou eu além da minha história de vida e dos papéis que interpretei?”
Como durante toda vida fomos condicionados a assumir e representar papéis, como o de filhos, companheiros, arrimos de família, mãe, pai, amigos, profissional etc., nós projetamos e cristalizamos nossa identidade exclusivamente neles e muitas vezes, ficamos identificados com essa persona e paralisamos nosso processo de experimentação e crescimento.
Para Hollis (1995, p. 30), “podemos dizer que a pessoa se encontra na passagem do meio quando o pensamento mágico da infância e o pensamento heroico da adolescência não mais coincidem com a vida que ela vivenciou”.
Nesse momento da vida a pessoa necessita enfrentar questões até então evitadas e assumir responsabilidades.
Essa fase é um verdadeiro chamado para a mudança e para a transformação, ela convoca o indivíduo a uma interiorização, o foco que durante a primeira metade da vida estava direcionado para fora de si, vai gradativamente invertendo-se.
É muito comum o indivíduo dizer que perdeu o interesse por atividades, lugares, ou pessoas, que antigamente lhe eram atraentes e que um vazio existencial ou uma angústia pela busca de um propósito em sua vida começa a ser uma questão constante.
Na primavera da vida, o indivíduo projeta e busca fora de si o sentido de sua vida, por esta razão, é habitual que suas escolhas estejam desconectadas de sua vocação.
Sua graduação e sua carreira profissional, normalmente, são baseadas naquilo que é rentável, na sucessão familiar ou em status.
O trabalho é aquilo a que nos dedicamos para ganhar dinheiro e satisfazer nossas necessidades econômicas. A vocação (do latim vocatus) é o que somos chamados a fazer com a energia da nossa vida. Sentir que somos produtivos é uma parte fundamental da nossa individuação, e deixar de responder à nossa vocação pode causar dano à alma.
(HOLLIS, 1995, p. 101)
O indivíduo nesta fase da vida direciona sua energia na conquista de dinheiro, poder e de status e muitas vezes paga um preço muito alto por esse objetivo.
Na sociedade atual, um exemplo clássico são os workaholics, que dedicam horas excessivas ao trabalho em busca de alto desempenho. Como forma de regular esse comportamento obsessivo, a psique leva o corpo à uma psicossomatização. Conduzindo o indivíduo a um quadro de exaustão física, emocional e mental – intitulado de Síndrome de Burnout ou Esgotamento Profissional.
Essa desconexão com a vocação individual, ou as escolhas feitas priorizando os interesses materiais em detrimento dos interesses da alma, levam o indivíduo, no entardecer da vida, a constatar que algo está errado em sua trajetória.
Alguns se sentem perdidos, outros percebem que seu casamento está falido, alguns que sua vida profissional está desalinhada à sua vocação, ou que aquilo que disseram ser a receita para o sucesso e a felicidade não funcionou para eles, mesmo que tenham conquistado tudo aquilo que projetaram. Essa desconexão e desalinho com a realidade subjetiva faz com que esses indivíduos comecem a se deparar com alguns sintomas que podem ser físicos, emocionais ou espirituais.
Hollis diz que os sintomas são como presentes para o indivíduo reajustar a rota da vida. Seria como uma exigência do Si-Mesmo (Self), e que “O indivíduo é intimado, psicologicamente, a morrer para o velho eu para que o novo possa nascer.”
Hollis metaforiza o início dessa fase como sendo uma espécie de pressão tectônica e ondulações sísmicas, que visam abrir espaço para que o Si-mesmo possa realizar-se.
Invariavelmente, muito antes de a pessoa tornar-se consciente de uma crise os indícios e os sintomas já estão presentes: a depressão reprimida, o abuso do álcool, o uso de maconha para intensificar o ato sexual, casos amorosos, constantes mudanças de emprego, e assim por diante – esforços de anular, desprezar ou deixar para trás as pressões interiores. A partir do ponto de vista terapêutico, os sintomas devem ser bem recebidos, pois eles não apenas servem de flechas que apontam para a ferida, como também exibem uma psique saudável e autorreguladora em funcionamento.
(HOLLIS, 1995, p.23)
O Si-mesmo representa a unidade e a totalidade da personalidade. Devido a totalidade ser composta de conteúdos conscientes e inconscientes ela só pode ser descrita em parte, pois, outra parte continua irreconhecível e indimensionável (cf. Jung, Tipos Psicológicos, §902).
Enquanto permanecermos basicamente identificados com o mundo exterior, objetivo, estaremos separados da nossa realidade subjetiva. É claro que somos sempre seres sociais, mas somos também seres espirituais com um telos ou um misterioso propósito individual.
(HOLLIS, 1995, p.135)
Desta maneira, constatamos que o indivíduo, ao chegar ao entardecer da vida, necessita fazer um mergulho em seu mundo interior. Confrontar sua realidade subjetiva e ouvir o chamado de sua alma, para ser capaz de realizar seu processo de individuação.
Jung (2013a) dizia que era um dever e uma necessidade para o homem que envelhece destinar atenção ao seu próprio si-mesmo.
Depois de haver esbanjado luz e calor sobre o mundo, o Sol recolhe os seus raios para iluminar-se a si mesmo. Em vez de fazer o mesmo, muitos indivíduos idosos preferem ser hipocondríacos, avarentos, dogmatistas elad iores temporis acti (louvadores do passado) e até mesmo eternos adolescentes, lastimosos sucedâneos da iluminação do si-mesmo, consequência inevitável da ilusão de que a segunda metade da vida deve ser regida pelos princípios da primeira.
(JUNG, 2013a, p. 356)
É muito comum encontrarmos indivíduos presos ao passado, petrificados na vida, sobrevivendo de forma nostálgica, temendo e afastando os conteúdos sombrios sobre a velhice que se aproxima e querendo negar o fluxo da vida.
Os indivíduos de hoje estão à deriva e sem orientação, sem modelos e sem ajuda para atravessar os diversos estágios da vida. Desse modo, o entardecer da vida, que exige a morte antes do renascimento, é frequentemente vivenciada de forma assustadora e separadora, pois quase não existem mais ritos de passagem e quase nenhuma ajuda dos companheiros que estão igualmente à deriva.
(HOLLIS, 1995, p.32)
Como realizar essa travessia? O que nos auxiliará nessa transição? Onde buscar orientação ou um modelo a seguir?
No entardecer da vida, entra em cena um quesito fundamental que nos auxiliará a minimizar o medo do desconhecido e realizar essa travessia de forma transformadora. Esse quesito é a Espiritualidade.
A espiritualidade na meia-idade é um novo despertar – na metade de nossas vidas – para o Espírito que há dentro de nós, e para o Espírito que nos cerca, no qual vivemos, nos movemos e temos nossa existência. No final da juventude, ou despertamos para “o mais querido e profundo frescor das coisas”, o mistério da vida e da morte, a consciência de uma nova vida, frequentemente surgida de nossas maiores dores e sofrimentos, ou nos tornamos velhos cansados, cínicos e, consequentemente, “apagados”. A espiritualidade se torna, na meia-idade, a razão e o modo como vivemos nossas vidas. (BRENNAM, 2004, p.10)
Jung diz que:
“Nossas religiões têm sido sempre, ou já foram, estas escolas; mas para quanto de nós elas o são ainda hoje? Quantos dos nossos mais velhos se prepararam realmente nessas escolas para o mistério da segunda metade da vida, para a velhice, para a morte e a eternidade?”
(Jung, 2013a)
Com base nesses questionamentos de Jung, eu finalizo esse texto convidando-os às seguintes reflexões:
Quantas dessas 60.286.428 pessoas 50+ no Brasil – número atualizado em 08/05/2025, às 20h54, horário que finalizo meu artigo – estão se preparando para vivenciar essa etapa da vida de forma saudável, transformadora e de maneira a seguir o fluxo para o anoitecer da vida e rumo ao grande mistério que é a morte?
Quantos estão se libertando das crenças limitadoras e projeções idealizadas na primeira fase da vida, que tanto petrificam ou acorrentam essa caminhada?
Quantos estão buscando a espiritualidade para se lançarem nesse processo de autoconhecimento, autoiluminação e integração do eu com o Si-mesmo?
Apesar da vida ser essa pausa luminosa entre esses dois grandes mistérios, nós não podemos nos dar ao luxo de pausar nosso processo de individuação, pois poderemos decretar nosso óbito em vida, com medo do que acontecerá após a cortina se fechar.
Apesar da vida, muitas vezes, parecer assustadora, desejo que você faça dela uma jornada transformadora.
Cristiane dos Santos – Membro Analista em formação do IJEP
Dra. E. Simone D. Magaldi – Membro Analista Didata do IJEP
Referências:
https://contador.longevidade.com.br
BRENNAN, Anne; BREWI, Janice. Arquétipos Junguianos A Espiritualidade na meia idade. São Paulo: Madras, 2004.
HOLLIS, James. A Passagem do Meio. São Paulo: Paulus, 1995.
JUNG, C.G. A Natureza da Psique. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2013a.
_________ Tipos Psicológicos. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2013b.
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